quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

EDITORIAL: BAIXA DE COIMBRA, UM INSEGURO BARRIL DE PÓLVORA




Como se sabe, e conforme foi notícia em tudo o que é jornal, rádio e televisão, na madrugada do último Sábado o fogo consumiu completamente um edifício desabitado de pessoas no Largo das Olarias, de frente para a Loja do Cidadão e paralelo à Rua da Moeda.
Vamos analisar este incêndio a dois níveis: origem e consequência. Comecemos pelo primeiro nível, ao que tudo indica a origem é criminosa. Segundo declarações de uma comerciante de etnia cigana que faz parte do grupo que ganha a vida a vender roupas e sapatos no Largo da Maracha desde Julho, do ano passado, “Foi fogo posto! Embora tenhamos aí algumas pessoas que ajudam a arrumar a tenda todos os dias, só nós, os vendedores, é que tínhamos a chave de ingresso ao armazém. Tanto é assim que os bombeiros encontraram o cadeado fechado”. Continuando a citar a senhora, “Nós ocupávamos o depósito com permissão da senhora, a proprietária, e, porque já estava estabelecido, até íamos sair daqui proximamente”.
Ou seja, se em tempos lá dormiu um desabrigado – e que, alegadamente, se encontra alojado na Casa Abrigo de Coimbra, agora não se acolhia lá qualquer pessoa. Portanto, juntando os prós e contras, tudo indica que o fogo no armazém foi premeditado. Sem pretender lançar mais achas para a fogueira, e para que não caiam suspeitas ao desbarato na concorrência, é preciso, obrigatoriamente, que a Polícia Judiciária, dando-lhe alguma prioridade, descubra o(s) criminoso(s). Até para prevenir futuros casos análogos, é preciso não remeter este assunto para as calendas do arquivamento por falta de provas. Mais, se o(s) causador(es) da tragédia tinha(m) por objectivo prejudicar amplamente os ambulantes, vai haver repetição em outros prédios das redondezas.
Sabe-se pouco mas, sem sermos investigadores, consegue apreender-se alguma coisa. Levando as declarações da vendedora como verdadeiras, dá para ver que o desastre não teve por fim desocupar o espaço a toda a força. Naturalmente, caindo esta premissa por terra, dá para apreender que a intenção era arrasar a a venda do grupo cigano – claro que não se exclui também a hipótese de se tratar de conflitos internos, entre eles.
E vamos avaliar o segundo nível. Acompanhado de 28 fotos, fomos confrontados hoje na Internet com um pedido de ajuda de António Madeira, proprietário da Hospedaria Moeda, estabelecimento em prédio contíguo ao edifício onde deflagrou a ignição. Escreveu Madeira no Facebook:

A "MENINA DOS MEUS OLHOS" ESTÁ GRAVEMENTE FERIDA E CASO A INTERVENÇÃO CIRÚRGICA NÃO SEJA EFETUADA RAPIDAMENTE, PODERÁ MESMO SER-LHE DECLARADO O ÓBITO.
Dos 16 quartos existentes, apenas quatro estão aptos a funcionar. (1 de casal, 2 triplos e 1 familiar).
Boa vontade dos intervenientes não chega, é preciso actuar JÁ SEM DEMORAS.”


Com vários andamentos, e começando pelo primeiro, é deste apelo sentido que vamos partir. Sem saber detalhes, é de supor que o meu amigo Madeira está atado de pés e mãos por, presumidamente, a companhia de seguros que cobre os seus estragos não pagar enquanto não houver conclusão do processo. Por conseguinte, provavelmente, sem ter qualquer culpa no cartório, foi apanhado pela onda obrigacional e burocrática que não se compadece com quem tem de ganhar a vida.
Segundo andamento: sem saber pormenores, é de pressupor que alguns vendedores ciganos ficaram desprotegidos pela fatalidade. Uma desgraça é sempre uma calamidade seja lá para quem for.
Terceiro andamento: a maioria das edificações centenárias da Baixa, tal como esta agora tocada pelo infortúnio, são constituídas por pisos assentes em sobrado de madeira e paredes separadoras em enxaimel – técnica de construção antiga onde a madeira entrelaçada predomina. Em resultado desta combustão que perpassa facilmente a outras divisões e outros prédios contíguos, as seguradoras não aceitam dar cobertura. Como tal, talvez dois terços da construção existente na Zona Histórica está entregue à sua sorte.
Quarto andamento: é urgente o executivo municipal chamar a si a resolução deste premente problema de elevada gravidade. E como é que se pode resolver? Contactar uma companhia de seguros que, contra um prémio razoável para os inscritos, aceite criar um seguro colectivo de indemnização rápida, uma espécie de fundo-segurador de garantia que vise acudir aos mais débeis. Dividido entre pequenos e médios operadores comerciais, proprietários e inquilinos, era uma forma de evitar futuras adversidades como a que parece estar a verificar-se.


DEIXEMOS O ESPÚRIO E VAMOS AO QUE INTERESSA


Como se sabe, partindo deste fogo na Baixa, está no ar uma guerra entre as Concelhias do CDS/PP e do PS. Sem pretender faltar ao respeito aos intervenientes, como quem diz, um desaguisado entre comadres em ano de eleições, o que discutem eles? Com base nesta conflagração, trocam galhardetes em torno dos Bombeiros Sapadores de Coimbra. Uma das representações, o CDS, afirma que a corporação não está adequada às exigências da cidade, a outra, a do PS, como se estivesse a jogar ténis, passa a bola da responsabilidade para o seu opositor por ter sido governo local entre 2001 e 2013.
Enjeitando as espadas, não seria melhor discutirem o futuro, emendando os erros e evitando mandar pequenos comerciantes e outros operadores para o charco, e arrumarem o passado negro que assombra os dois partidos?
Será que não vêem que estamos todos fartos de querelas vazias de conteúdo? Será que não vislumbram que é preciso argumentar o essencial e deixar de fora o acessório?



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