Sigo
o percurso político do movimento Cidadãos por Coimbra (mCpC) desde
a sua fundação, quando começou com reuniões embrionárias numa
sala próximo do José Falcão e depois com o anúncio oficial e
apresentação no Café Santa Cruz. Aqui neste dia, neste café,
compondo uma canção para o efeito, "Aurora", participei com a desaparecida
“Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra” -no qual fui o
mentor e, com a ajuda de Emília Martins, presidente da direcção da
Orquestra Clássica do Centro, juntando em grupo os instrumentistas
que faziam a sua performance individualmente ao calor e ao relento,
acabou a gravar-se um cd com treze temas originais -cuja venda
reverteu para pagar a passagem para a Roménia do Paolo, um
prestigiado músico de rua que, durante muitos anos, foi nosso
companheiro diário e alegrou as ruas da Baixa.
Como
estive ligado a alguns movimentos contestatários na cidade, entre a
eles o atravessamento aéreo da Mata Nacional do Choupal por uma
ponte rodoviária, de certo modo, aprendi o modo de agir do grupo e
fiquei a conhecer quase todos os simpatizantes do Bloco de Esquerda
em Coimbra, partido que, louve-se, sempre soube assumir uma certa
liderança na cidade em questões fracturantes. Concorde-se ou não,
pela capacidade de mobilização pública e forte convicção na
defesa das suas teses, esta agremiação partidária veio a
revelar-se uma pedrada no charco na adormecida urbe
estudantina.
Nunca enganei os
presentes. Sempre disse que, ideologicamente, era liberal,
independente de qualquer facção político-partidária. Estava ali
somente por me identificar com a reivindicação.
Penso que foi através
deste conhecimento que teria sido convidado por, salvo erro, José
Dias a participar nos encontros preliminares de constituição do
mCpC junto à Escola Secundária José Falcão. Nessas
congregações de cerca de uma dúzia de pessoas, cedo me apercebi
que, através de discursos inflamados, este movimento de cidadãos
pretendia ser e agir intrinsecamente na margem dos ideais de
Esquerda. Numa daquelas reuniões pedi a palavra e chamei a atenção
para um paradoxo notório. Se aquele agrupamento político pretendia
constituir-se em representativo de cidadãos, livres e
descomprometidos de partidos tradicionais, não fazia qualquer
sentido que apenas coubesse nele pessoas identificadas com a Esquerda
-até porque, do ponto de vista estratégico, para um projecto que
estava a começar, era um erro crasso dispensar a aderência e os
votos fosse lá de quem fosse. Disse mais: a ser assim, sendo
exclusivo a uma facção ideológica, eu não faria nada ali naquelas
conversações de organização. Salvo erro, citando de memória,
assim respondeu José Dias: “claro que o Luís tem razão. Este
movimento é dirigido a todos os cidadãos. De facto, só faz sentido
abrangendo todas as tendências”. Passados mais de quatros
anos, recordo que aquela tese, arrancada a ferros, não me convenceu
e o tempo veio a mostrar que aquelas palavras não tiveram qualquer
significado prático nos usos e costumes do mCdP. Aliás, a
meu ver, a actual crise que o movimento está a passar assenta
exactamente nesta declaração que, ao longo dos últimos quatro
anos, nunca foi levada à prática. Mais à frente serei mais claro
na defesa desta tese.
Foram
constituídas listas para as eleições, Executivo, Assembleia
Municipal e Freguesias, e fui convidado para integrar e concorrer, em
nome do mCpC, à Junta de freguesia de São Bartolomeu. Declinando
por motivos profissionais, nunca perguntei nem me foi dito qual o
lugar que seria integrado.
O
ANÚNCIO DO MESSIAS
Foi
anunciado como um produto novo, inovador, que viria alterar todo o
situacionismo. Em Fevereiro de 2013, na carta de princípios, na sua
apresentação ao povo citadino prometia uma mudança nos usos e
costumes:
“É nossa ambição
tornar Coimbra um concelho que aprofunde a democracia representativa
através do exercício alargado da democracia participativa, que
promova uma cultura de apresentação pública, de responsabilização
e de prestação de contas das decisões camarárias estruturantes da
vida da cidade e do concelho”.
”A memória e a
tradição têm de ser modernizadas para fazerem parte do projeto de
futuro que ambicionamos para Coimbra-cidade e Coimbra-concelho.
Ambição é, também, resgatar a Baixa da cidade e tirá-la do seu
estado de marasmo e agonia. É devolver-lhe dinamismo no comércio,
nos serviços, na componente residencial e na convivialidade cívica.
Ambição é pôr a cidade de corpo inteiro na
agenda do turismo e ter ousadia no entendimento do que pode ser uma
cidade Património da Humanidade.
Coimbra, a cidade e
o concelho, merecem mais e melhor. Merecem não continuar a ser
tratados como mero objecto de disputa partidária. Merecem outra
governação. Mais democrática e mais ambiciosa. É este o nosso
compromisso.
Coimbra é a nossa
causa!”
QUATRO
ANOS EM POUCAS LINHAS
Vieram
as eleições e, para além da representação na Assembleia
Municipal, veio a ser eleito um vereador no Executivo: o advogado
José Augusto Ferreira da Silva. Viria também a ser designado
coordenador do mCpC. Sendo um homem de convicções na defesa
dos seus valores, entre outros desempenhos, ocupou lugar no Conselho
Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados. Na Baixa, por quem o
conhecia na altura, foi sempre respeitado pela sua assertividade e
postura cordial. Tendo a esquerda como convicção, diz quem o
conhece bem, foi sempre um seguidor de consensos, um moderado.
Porém, apesar do
razoável desempenho de Ferreira da Silva como vereador eleito para o
Executivo, o seu expediente nem sempre foi seguido com a mesma
argúcia por outros pares quando, em sua substituição, ocuparam o
seu lugar no executivo. E também por posições assumidas pelos
deputados do seu grupo no hemiciclo. É verdade que foram dados passos importantes entre o cidadão e o poder político. Mas também foram dados tiros nos pés. O resultado de todo este trabalho
conjunto, executivo e parlamentar, foi que acabou por desiludir tanto
os eleitores como a super-estrutura constituída pelos fundadores
-estes que, de certo modo e implicitamente, nunca quiseram largar a
mão do seu menino, o mCpC. Sendo conotados com o Bloco de
Esquerda – o manto diáfano da transparência obscura que sempre
gravitou em torno do movimento mas que só se tornou mais clara
quando, em final do ano passado, este partido veio a desistir de
concorrer à Câmara coimbrã e a declarar o seu apoio ao mCpC. Quiseram impor a mesma doutrina organizacional bloquista a um agrupamento
político que, pela sua carta constitucional, deveria ser e seguir
completamente o oposto.
A
AURA DE SANTANTONINHO
Para
entornar o caldo, a SIC, sem confirmar as fontes, deu como certo que
José Manuel Silva, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, seria o
candidato do mCpC à Câmara Municipal de Coimbra nas próximas
eleições autárquicas e em substituição de Ferreira da Silva
-este que na reunião que deu origem à notícia da televisão
privada apoiava esta solução considerada como de “alargamento”.
Apesar da moção vir a ser chumbado no plenário, caiu o Carmo e a
Trindade na maioria dos aderentes do movimento de cidadãos. A
consequência foi uma reunião dos fundadores à revelia de Ferreira
da Silva. Este, enquanto coordenador, considerando-se desautorizado,
em resposta, veio a marcar um plenário aberto a todos os
simpatizantes no Rancho das Tricanas de Coimbra.
A
DISSENSÃO NAS TRICANAS
Quem
esteve no passado Sábado no Rancho das Tricanas de Coimbra, na Rua
do Moreno, a observar os trabalhos do agrupamento, deu para perceber
que a palavra “dissensão” foi a mais repetida no velho salão de
baile e quase até à exaustão. Provavelmente, teria sido acometido
de vários sentimentos. Tais como:
O
primeiro, logo ao transpor a porta, contrariando o que esperava, foi
ver a sala bem composta. Cerca de seis dezenas de aderentes estiveram
presentes na popular colectividade.
O
segundo, foi uma certa animosidade contra Ferreira da Silva, o
coordenador e rosto materializado dos cidadãos por Coimbra na
cidade. Ficou bem patente por parte do grupo de fundadores o não
quererem abrir mão do controlo do movimento. Ficou bem vincado que,
contrariando a vontade de Ferreira da Silva, aqueles querem a escolha
de um novo candidato a partir das bases para o vértice da pirâmide
organizacional e não o contrário como tentou implementar o
coordenador. Ou seja, notou-se ali um choque de procedimento entre a
esquerda moderada, de Ferreira da Silva, a querer imitar os partidos
do arco do poder, e a esquerda radical, dos fundadores que, digo eu,
estão agarrados à forma de agir dos comunistas.
O
terceiro, deu para inferir que Ferreira da Silva é um homem
respeitado por todos, mas seguido apenas por uma minoria. A maioria,
constituída por simpatizantes do Bloco, está ao lado dos
fundadores.
O
quarto, deu para adivinhar que o candidato a anunciar dentro de dias,
salvo melhor opinião e a ver vamos, sendo pior a emenda que o
soneto, vai dar razão ao coordenador ao recomendar José Manuel
Silva. Poderia apostar quem será, mas, como posso perder, vale mais
não arriscar. Mas, para descansar as bases ligadas ao Bloco será um
homem de esquerda retinta.
O
quinto, deu para perceber que ninguém conhece, nem quer conhecer, o
ex-bastonário da Ordem dos Médicos. É de Esquerda? É de Direita?
É de Centro? Na dúvida, condena-se o réu. Vai daí, cola-se o
candidato independente à direita.
Com
isto tudo, e para ele o meu abraço de consideração, quem deve
estar triste como a noite é José Augusto Ferreira da Silva, o
coordenador, que, com a humildade reconhecida no Rancho de Coimbra
disse que, naturalmente, sabia que não tinha feito tudo bem. Mas,
avento eu, fez o que pode e quem faz o que pode faz o que deve, dizia
Torga.
2 comentários:
O problema de J.M. Silva para a maioria dos presentes ( e não apenas militantes do BE) não é saber se ele é de direita ou esquerda. Para mim,por exemplo, é me indiferente. Já não conhecer uma única em relação aos assuntos da cidade acho grave... Como diz e bem, o apoio a JM Silva estava a ser cozinhada à grande partido (embora o BE já tenha feito o mesmo e mal): as cúpulas apresentam como facto consumado. Acho que não é assim que deve ser. Quanto à simpatia pelo José Augusto acho que é real. De alguma maneira parece mal na foto, mas merece o total reconhecimento pelo excelente trabalho que fez. Lamento muito ele não querer continuar. Um abraço P.S. Leio nas tuas palavras sempre uma certa suspeita de instrumentalização por parte do BE. Alguma vez isso aconteceu na Plataforma do Choupal?
Subscrevo Caro Miguel Dias. Muitissimo respeito pessoal e civico pelo Jose Augusto Ferreira da Silva que considero um lutador no edil, honrado e tantas vezes só. Demonstrou o que é ser um grande e sério vereador. Tenho imensa pena que ele tenha, aparentemente, sido seduzido para este caminho de apresentação de um candidato como um facto consumado, sem os aderentes opinarem nada.Não é verdade, do que observei, , e passo a citar "perante a mera proposta, apresentada pelo Coordenador do CpC, de debater possíveis contributos de cidadãos exteriores ao movimento mas disponíveis para integrar uma candidatura centrada nos princípios do CpC, (...) viram-se confrontados com a rejeição abrupta de qualquer discussão política através de um acantonamento obstinado ". O que eu vi foi um anuncio na comunicação social de J Manuel silva como candidato do CPC. Quem o fez e quem enviou como facto consumado à Comunicação social, não sei - e francamente nem me importa - , mas não foi bonito e as lamentações agora surgidas não reflectem o que vi acontecer. Tudo um equivoco evitável julgo eu, mas muito lamentável num movimento de cidadaos onde as coisas impostas assim não podem ser absorvidas de bom grado, como é evidente. Foi uma situação absolutamente evitável, por ser por demais previsível. Mas o caminho faz-se caminhando e o CpC continuará o seu bom caminho. Há gente de grande valor e alma no Cpc e mais virão certamente. Ao José Augusto Ferreira das Silva devemos, como cidadaos, um grande agradecimento pelo trabalho tão empenhado e tão exemplar.
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