quinta-feira, 23 de março de 2017

SER OU NÃO SER CIDADÃO POR COIMBRA






Sigo o percurso político do movimento Cidadãos por Coimbra (mCpC) desde a sua fundação, quando começou com reuniões embrionárias numa sala próximo do José Falcão e depois com o anúncio oficial e apresentação no Café Santa Cruz. Aqui neste dia, neste café, compondo uma canção para o efeito, "Aurora", participei com a desaparecida “Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra” -no qual fui o mentor e, com a ajuda de Emília Martins, presidente da direcção da Orquestra Clássica do Centro, juntando em grupo os instrumentistas que faziam a sua performance individualmente ao calor e ao relento, acabou a gravar-se um cd com treze temas originais -cuja venda reverteu para pagar a passagem para a Roménia do Paolo, um prestigiado músico de rua que, durante muitos anos, foi nosso companheiro diário e alegrou as ruas da Baixa.
Como estive ligado a alguns movimentos contestatários na cidade, entre a eles o atravessamento aéreo da Mata Nacional do Choupal por uma ponte rodoviária, de certo modo, aprendi o modo de agir do grupo e fiquei a conhecer quase todos os simpatizantes do Bloco de Esquerda em Coimbra, partido que, louve-se, sempre soube assumir uma certa liderança na cidade em questões fracturantes. Concorde-se ou não, pela capacidade de mobilização pública e forte convicção na defesa das suas teses, esta agremiação partidária veio a revelar-se uma pedrada no charco na adormecida urbe estudantina.
Nunca enganei os presentes. Sempre disse que, ideologicamente, era liberal, independente de qualquer facção político-partidária. Estava ali somente por me identificar com a reivindicação.
Penso que foi através deste conhecimento que teria sido convidado por, salvo erro, José Dias a participar nos encontros preliminares de constituição do mCpC junto à Escola Secundária José Falcão. Nessas congregações de cerca de uma dúzia de pessoas, cedo me apercebi que, através de discursos inflamados, este movimento de cidadãos pretendia ser e agir intrinsecamente na margem dos ideais de Esquerda. Numa daquelas reuniões pedi a palavra e chamei a atenção para um paradoxo notório. Se aquele agrupamento político pretendia constituir-se em representativo de cidadãos, livres e descomprometidos de partidos tradicionais, não fazia qualquer sentido que apenas coubesse nele pessoas identificadas com a Esquerda -até porque, do ponto de vista estratégico, para um projecto que estava a começar, era um erro crasso dispensar a aderência e os votos fosse lá de quem fosse. Disse mais: a ser assim, sendo exclusivo a uma facção ideológica, eu não faria nada ali naquelas conversações de organização. Salvo erro, citando de memória, assim respondeu José Dias: “claro que o Luís tem razão. Este movimento é dirigido a todos os cidadãos. De facto, só faz sentido abrangendo todas as tendências”. Passados mais de quatros anos, recordo que aquela tese, arrancada a ferros, não me convenceu e o tempo veio a mostrar que aquelas palavras não tiveram qualquer significado prático nos usos e costumes do mCdP. Aliás, a meu ver, a actual crise que o movimento está a passar assenta exactamente nesta declaração que, ao longo dos últimos quatro anos, nunca foi levada à prática. Mais à frente serei mais claro na defesa desta tese.
Foram constituídas listas para as eleições, Executivo, Assembleia Municipal e Freguesias, e fui convidado para integrar e concorrer, em nome do mCpC, à Junta de freguesia de São Bartolomeu. Declinando por motivos profissionais, nunca perguntei nem me foi dito qual o lugar que seria integrado.

O ANÚNCIO DO MESSIAS

Foi anunciado como um produto novo, inovador, que viria alterar todo o situacionismo. Em Fevereiro de 2013, na carta de princípios, na sua apresentação ao povo citadino prometia uma mudança nos usos e costumes:
É nossa ambição tornar Coimbra um concelho que aprofunde a democracia representativa através do exercício alargado da democracia participativa, que promova uma cultura de apresentação pública, de responsabilização e de prestação de contas das decisões camarárias estruturantes da vida da cidade e do concelho”.
A memória e a tradição têm de ser modernizadas para fazerem parte do projeto de futuro que ambicionamos para Coimbra-cidade e Coimbra-concelho. Ambição é, também, resgatar a Baixa da cidade e tirá-la do seu estado de marasmo e agonia. É devolver-lhe dinamismo no comércio, nos serviços, na componente residencial e na convivialidade cívica. Ambição é pôr a cidade de corpo inteiro na agenda do turismo e ter ousadia no entendimento do que pode ser uma cidade Património da Humanidade.
Coimbra, a cidade e o concelho, merecem mais e melhor. Merecem não continuar a ser tratados como mero objecto de disputa partidária. Merecem outra governação. Mais democrática e mais ambiciosa. É este o nosso compromisso.
Coimbra é a nossa causa!”

QUATRO ANOS EM POUCAS LINHAS

Vieram as eleições e, para além da representação na Assembleia Municipal, veio a ser eleito um vereador no Executivo: o advogado José Augusto Ferreira da Silva. Viria também a ser designado coordenador do mCpC. Sendo um homem de convicções na defesa dos seus valores, entre outros desempenhos, ocupou lugar no Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados. Na Baixa, por quem o conhecia na altura, foi sempre respeitado pela sua assertividade e postura cordial. Tendo a esquerda como convicção, diz quem o conhece bem, foi sempre um seguidor de consensos, um moderado.
Porém, apesar do razoável desempenho de Ferreira da Silva como vereador eleito para o Executivo, o seu expediente nem sempre foi seguido com a mesma argúcia por outros pares quando, em sua substituição, ocuparam o seu lugar no executivo. E também por posições assumidas pelos deputados do seu grupo no hemiciclo. É verdade que foram dados passos importantes entre o cidadão e o poder político. Mas também foram dados tiros nos pés. O resultado de todo este trabalho conjunto, executivo e parlamentar, foi que acabou por desiludir tanto os eleitores como a super-estrutura constituída pelos fundadores -estes que, de certo modo e implicitamente, nunca quiseram largar a mão do seu menino, o mCpC. Sendo conotados com o Bloco de Esquerda – o manto diáfano da transparência obscura que sempre gravitou em torno do movimento mas que só se tornou mais clara quando, em final do ano passado, este partido veio a desistir de concorrer à Câmara coimbrã e a declarar o seu apoio ao mCpC. Quiseram impor a mesma doutrina organizacional bloquista a um agrupamento político que, pela sua carta constitucional, deveria ser e seguir completamente o oposto.

A AURA DE SANTANTONINHO

Para entornar o caldo, a SIC, sem confirmar as fontes, deu como certo que José Manuel Silva, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, seria o candidato do mCpC à Câmara Municipal de Coimbra nas próximas eleições autárquicas e em substituição de Ferreira da Silva -este que na reunião que deu origem à notícia da televisão privada apoiava esta solução considerada como de “alargamento”. Apesar da moção vir a ser chumbado no plenário, caiu o Carmo e a Trindade na maioria dos aderentes do movimento de cidadãos. A consequência foi uma reunião dos fundadores à revelia de Ferreira da Silva. Este, enquanto coordenador, considerando-se desautorizado, em resposta, veio a marcar um plenário aberto a todos os simpatizantes no Rancho das Tricanas de Coimbra.

A DISSENSÃO NAS TRICANAS

Quem esteve no passado Sábado no Rancho das Tricanas de Coimbra, na Rua do Moreno, a observar os trabalhos do agrupamento, deu para perceber que a palavra “dissensão” foi a mais repetida no velho salão de baile e quase até à exaustão. Provavelmente, teria sido acometido de vários sentimentos. Tais como:
O primeiro, logo ao transpor a porta, contrariando o que esperava, foi ver a sala bem composta. Cerca de seis dezenas de aderentes estiveram presentes na popular colectividade.
O segundo, foi uma certa animosidade contra Ferreira da Silva, o coordenador e rosto materializado dos cidadãos por Coimbra na cidade. Ficou bem patente por parte do grupo de fundadores o não quererem abrir mão do controlo do movimento. Ficou bem vincado que, contrariando a vontade de Ferreira da Silva, aqueles querem a escolha de um novo candidato a partir das bases para o vértice da pirâmide organizacional e não o contrário como tentou implementar o coordenador. Ou seja, notou-se ali um choque de procedimento entre a esquerda moderada, de Ferreira da Silva, a querer imitar os partidos do arco do poder, e a esquerda radical, dos fundadores que, digo eu, estão agarrados à forma de agir dos comunistas.
O terceiro, deu para inferir que Ferreira da Silva é um homem respeitado por todos, mas seguido apenas por uma minoria. A maioria, constituída por simpatizantes do Bloco, está ao lado dos fundadores.
O quarto, deu para adivinhar que o candidato a anunciar dentro de dias, salvo melhor opinião e a ver vamos, sendo pior a emenda que o soneto, vai dar razão ao coordenador ao recomendar José Manuel Silva. Poderia apostar quem será, mas, como posso perder, vale mais não arriscar. Mas, para descansar as bases ligadas ao Bloco será um homem de esquerda retinta.
O quinto, deu para perceber que ninguém conhece, nem quer conhecer, o ex-bastonário da Ordem dos Médicos. É de Esquerda? É de Direita? É de Centro? Na dúvida, condena-se o réu. Vai daí, cola-se o candidato independente à direita.

Com isto tudo, e para ele o meu abraço de consideração, quem deve estar triste como a noite é José Augusto Ferreira da Silva, o coordenador, que, com a humildade reconhecida no Rancho de Coimbra disse que, naturalmente, sabia que não tinha feito tudo bem. Mas, avento eu, fez o que pode e quem faz o que pode faz o que deve, dizia Torga.

2 comentários:

Miguel Dias disse...

O problema de J.M. Silva para a maioria dos presentes ( e não apenas militantes do BE) não é saber se ele é de direita ou esquerda. Para mim,por exemplo, é me indiferente. Já não conhecer uma única em relação aos assuntos da cidade acho grave... Como diz e bem, o apoio a JM Silva estava a ser cozinhada à grande partido (embora o BE já tenha feito o mesmo e mal): as cúpulas apresentam como facto consumado. Acho que não é assim que deve ser. Quanto à simpatia pelo José Augusto acho que é real. De alguma maneira parece mal na foto, mas merece o total reconhecimento pelo excelente trabalho que fez. Lamento muito ele não querer continuar. Um abraço P.S. Leio nas tuas palavras sempre uma certa suspeita de instrumentalização por parte do BE. Alguma vez isso aconteceu na Plataforma do Choupal?

Cristina Paula Leite da Silva disse...

Subscrevo Caro Miguel Dias. Muitissimo respeito pessoal e civico pelo Jose Augusto Ferreira da Silva que considero um lutador no edil, honrado e tantas vezes só. Demonstrou o que é ser um grande e sério vereador. Tenho imensa pena que ele tenha, aparentemente, sido seduzido para este caminho de apresentação de um candidato como um facto consumado, sem os aderentes opinarem nada.Não é verdade, do que observei, , e passo a citar "perante a mera proposta, apresentada pelo Coordenador do CpC, de debater possíveis contributos de cidadãos exteriores ao movimento mas disponíveis para integrar uma candidatura centrada nos princípios do CpC, (...) viram-se confrontados com a rejeição abrupta de qualquer discussão política através de um acantonamento obstinado ". O que eu vi foi um anuncio na comunicação social de J Manuel silva como candidato do CPC. Quem o fez e quem enviou como facto consumado à Comunicação social, não sei - e francamente nem me importa - , mas não foi bonito e as lamentações agora surgidas não reflectem o que vi acontecer. Tudo um equivoco evitável julgo eu, mas muito lamentável num movimento de cidadaos onde as coisas impostas assim não podem ser absorvidas de bom grado, como é evidente. Foi uma situação absolutamente evitável, por ser por demais previsível. Mas o caminho faz-se caminhando e o CpC continuará o seu bom caminho. Há gente de grande valor e alma no Cpc e mais virão certamente. Ao José Augusto Ferreira das Silva devemos, como cidadaos, um grande agradecimento pelo trabalho tão empenhado e tão exemplar.