segunda-feira, 6 de março de 2017

A PRETENSA DISCUSSÃO PÚBLICA SOBRE O REGULAMENTO MUNICIPAL SOBRE TABELAS E PREÇOS QUE POUCOS (OU NINGUÉM) DISCUTIRAM

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





Começo por uma ressalva, considero-me um cidadão medianamente informado. Diariamente e semanalmente, leio todos os jornais de informação da cidade. Como a maioria, umas notícias tomo mais atenção, nomeadamente sobre a Baixa, outras menos. Confesso, vou poucas vezes ao sítio da Internet da página oficial da Câmara Municipal de Coimbra. Em contrapartida, sou um leitor diário e participante da “Página da Câmara Municipal (Não Oficial), no Facebook.
Depois da justificação, vamos ao que me levou a escrever esta crónica. O meu interesse sobre a questão citada em título, sobre a audiência pública -em que se pedem contributos aos cidadãos para melhorar o edital antes do arranjo final e aprovação na Assembleia Municipal e posterior promulgação em Diário da República- de actualização de “Tabelas, Taxas e Preços do Regulamento Municipal sobre Ocupaçãode Espaço Público”, começou nesta última sexta-feira, 03 de Março, pelas 16h44, quando recebi o seguinte e-mail:

Boa tarde,
Enviamos em anexo o regulamento municipal e tabela de taxas e preços para vossa apreciação.
Aguardamos os vossos comentários e/ou sugestões até dia 9 de Março de 2017.
Gratos pela vossa atenção,
Jerónima”
APBC - Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra
Rua João de Ruão, 12 Arnado Business Center, piso 1, sala 3
3 000-229 Coimbra
Tel. 239 842 164  Fax. 239 840 242 Tel. 914872418
apbcoimbra@gmail.com

Eu não lera nada nos jornais sobre a abertura desta discussão pública. Estava de ver que o que estava em cima da mesa era um assunto muito importante para a Baixa -mais à frente, vai-se compreender a razão. Como tal, mal tive tempo, comecei a ler o enorme documento, que parece uma obra de arte de Christo a embrulhar edifícios em pano pelo mundo fora. Comecei a tomar notas sobre possíveis alterações que, a meu ver, seriam muito importantes para a reanimação da Baixa e que posteriormente iria apresentar na Câmara Municipal de Coimbra. Desde o estacionamento público, passando pela ocupação de sinalética dos estabelecimentos, até aos banhos públicos, em que serão cobrados quarenta cêntimos aos que nada têm, muito haveria para contribuir.
Por não conseguir perceber a data da publicação no Diário da República -em que se autoriza a autarquia a abrir o procedimento- e que, neste caso, eram dados 15 dias de audiência prévia aos cidadãos, hoje, fui à Secção de Atendimento da Câmara Municipal para saber exactamente quando terminava o prazo de comparticipação cidadã. Foi então que o coração me caiu aos pés. A data de publicação foi a 7 de Fevereiro e, depois de 15 dias úteis, terminou em 28 de Fevereiro.
Ou seja, um assunto tão importante para o desenvolvimento da Baixa, como são os custos com ocupação de espaço público e em que, no mesmo regulamento, está inserido sobretudo, o estacionamento na via pública, fora, a meu ver, “escandalosamente” pouco publicitado -lembro que muitos editais têm um prazo de 30 dias. As razões para tal comportamento adivinham-se: a edilidade precisa de gerar taxas a todo o custo. Saliento que não se pode acusar a autarquia de não ter cumprido a lei. Não é isto que está em causa. O que se chama à colação é que o procedimento, a bem da cidade e da recuperação da Baixa, deveria ter ido muito mais além.

ATÉ TU FOSTE ESQUECIDA, APBC?

Naturalmente que convém esclarecer o que aconteceu para, só depois do prazo legal ter expirado, a Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC) -a única entidade ligada ao comércio tradicional de rua- se dirigir aos comerciantes a pedir o seu contributo para melhoria do Regulamento Municipal.
Vitor Marques, presidente da APBC explica o que aconteceu: “os nossos serviços não souberam nem se aperceberam da abertura da discussão pública deste Regulamento. Foi por acaso, em conversa na semana passada, que soube da importância de contribuir para a melhoria deste documento. Infelizmente, quando tomei conhecimento, o prazo já estava esgotado e legalmente pouco poderia fazer. Como é óbvio, pelo lugar que exerço e em nome pessoal, tenho pedidos de alteração a solicitar à Câmara. Para tentar causar o menos dano possível aos comerciantes pelo desconhecimento, dei ordens aos serviços que superintendo para que, apesar do prazo ter esgotado, se enviasse o e-mail e para que cada um possa contribuir com opiniões para melhorar os custos. Depois de receber as alterações, conto levar as mensagens à Câmara Municipal e, apesar de fora de tempo, conseguir ser ouvido.

ESTA VERGONHA NÃO PODE CONTINUAR

Como sabemos, os políticos andam sempre com a cidadania e a participação pública na boca, mas é só como bandeira panfletária. Verdadeiramente nunca estiveram, nem estão, interessados em falar e ouvir o cidadão. Basta verificar que os Períodos de Intervenção do Público, no Executivo e na Assembleia Municipal, são demasiadamente rígidos na pré-inscrição, precisamente para evitar que o hemiciclo, contrariamente à sua génese, se transforme num fórum popular. Para intervir no Executivo a inscrição tem de obrigatoriamente ser feita com 7 dias de antecedência. Para pedir a palavra na Assembleia Municipal são necessários 5 dias -até à vigência do anterior executivo de coligação PSD/CDS/PPM qualquer cidadão que pretendesse interferir bastava no próprio dia e antes da abertura dos trabalhos pedir autorização ao presidente do congresso e seria admitido. É lógico que também não estava bem assim. Parecia que o cidadão andava de chapéu na mão a pedinchar.
Mas os socialistas, que alteraram o regimento em 2015, foram do oito para o oitenta. Vamos transcrever o artigo 72º:

PERÍODO DE INTERVENÇÃO ABERTO AO PÚBLICO

1- Os munícipes, ou os grupos que sejam portadores de interesses municipais relevantes, podem tomar a palavra nas sessões da Assembleia quando essa faculdade seja o meio adequado, para os promover ou defender.
2- O pedido de intervenção é feito ao Presidente da Assembleia, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias, que ouvida a Conferência de Representantes decidirá sobre a pretensão.

(Respirar fundo)

Ou seja, no número 1: os munícipes podem tomar a palavra quando essa faculdade seja o meio mais adequado, ou os grupos que sejam portadores de interesses municipais relevantes.
Por outras palavras, o cidadão só pode defender os seus direitos na Assembleia se forem considerados pela “comissão” o “meio adequado” para a manifestação; os grupos podem aceder ao pódio se forem portadores de interesse relevante (sobre a óptica do presidente e dos líderes dos grupos parlamentares).
No número 2: cabe ao presidente da Assembleia, que depois de ouvida a Conferência de Representantes decidirá da pretensão do cidadão -e onde mora o direito à manifestação e revolta do cidadão? Imaginemos que alguém se pretende manifestar sobre este absurdo regimento. É um assunto relevante? A comissão autoriza?
Não sei se estou a ser claro, mas estamos perante a inversão do Direito Constitucional. Quando estamos num (aparente) estado de Direito em que o cidadão, nas suas muitas prerrogativas constitucionais, tem direitos à livre expressão e manifestação, é o próprio texto da magna carta que o torna imperativo, eis que, salvo melhor opinião, a Assembleia Municipal, através do subterfúgio, coarcta o direito e o submete a uma comissão de análise (ou Censura).
É caso para interrogar: na autarquia, na Assembleia Municipal, no grupo de deputados que aprovaram este Regimento não há um único jurista que perceba qualquer coisinha de Direito Constitucional e peça, com urgência, a revogação deste estranho regulamento?

MAS, VOLTANDO À VACA FRIA...

Não esquecendo o que deu aso a esta crónica, era bom que Vitor Marques, em representação da APBC, apesar do tempo se ter esgotado para o efeito, fosse ouvido pelo executivo para este absurdo procedimento (de não fazer publicitar um acto público para além do Edital).
Este executivo PS ainda tem cerca de seis meses para provar que é menos mau do que parece. Ficamos todos à espera que o bom-senso impere.

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