Fez
anteontem três anos. Parece que foi ontem. Miss Curvy, nome
que nos remete para mulher curvilínea, veio para vencer e, para além
de convencer, venceu. Em passo de anjo, devagar devagarinho, entrou
na Rua Eduardo Coelho, mirou a estreita via de ponta-a-ponta e, como
renovador que vem para revolucionar, instalou-se a meio da ruela dos
antigos sapateiros no piso térreo do prédio mais bonito da zona.
Como baluarte de observação, para si e inevitavelmente para quem
passa, é impossível não dar por ela. Desconhecidos e amigos mais
chegados, procuram obsessivamente uma troca de olhares. É assim como
se, desse enleio de envolvimento psicológico, para estas almas
errantes dali pudesse sair uma solução imediata para as suas vidas
intrincadas e aparentemente fixadas unicamente nos problemas do mundo
mas, verdadeiramente, um simples gesto de ternura, como ponte a ligar
a catástrofe à felicidade, pudesse desvalorizar e transformar tudo
num manto de flores primaveris.
Entre
o raiar da manhã e o crepúsculo do anoitecer, entre o Sol que
abençoa todos os que calcorreiam a Baixa de Coimbra durante o dia e
a Lua que, à noitinha e depois do entardecer, se vai mostrando
brilhante e poderosa, é nesta divisão astral que Miss Curvy faz
milagres divinos entre casais desavindos no amor. No seu
estabelecimento, diariamente, homens e mulheres adquirem adereços
interiores que vão embelezar o corpo feminino.
Os
primeiros, os homens, entre grunho e esbelto, com o miminho à
sua amada(o), procuram encantar, e apimentar, as suas
existências tantas vezes monótonas e enfadonhas em resultado de
rotinas continuadas.
As
segundas, as damas de juventude perdida e as meninas prementes de
maioridade, sobretudo em fase de Lua cheia, quando o brilho lunar,
intenso, enigmático e afrodisíaco, lhes penetra na alma e as deixa
arrebatadas de paixão, os humores mudam e as mulheres se sentem mais
livres e plenas de sensualidade, é na loja Miss Curvy que
concretizam o desejo de entrarem balofas e saírem manequins e
realizam o sonho do desejo frémito.
MAS,
AFINAL, QUEM ÉS TU?
Supondo
que, em analogia, Miss Curvy, o nome da loja
encantada, seja a projecção da sua bela proprietária, vamos tentar
saber um pouco sobre a simpática Áurea Tiago. É ela que, na
primeira pessoa, levanta um pouco do véu:
“Trabalhei cerca de
cinco anos numa loja de lingerie, numa grande área comercial. Como
sou natural de Coimbra, tive sempre um sonho de um dia abrir um
negócio aqui na Baixa. Com a experiência adquirida atirei-me de
cabeça nesta linda loja e no mais bonito edifício da nossa rua
-concorda, não concorda?-, fez precisamente anteontem três anos.
O balanço é
francamente positivo. Gosto muito do que faço. Se fosse hoje voltava
a fazer o mesmo. Sabe que vim preencher uma lacuna de oferta
comercial nesta zona da cidade e até abrangendo as grandes
superfícies? Por um lado, vim oferecer boas marcas de lingerie, com
modelos sensuais para senhoras de todas as idades, por outro, onde os
soutiens marcam presença a partir do 28 de costas (que só os
ingleses fabricam) até à copa H. Isto tudo a preços médios.
Acredito muito nesta
zona comercial. Hoje a Baixa está em fase de mudança. Alguns
negócios mais antigos estão a desaparecer mas outros, mais
modernos, estão a ocupar o seu lugar. A meu ver, pela provável
oferta esgotada tantas vezes aflorada, o comércio continua a ter
lugar nesta área velha. Aqui há de tudo, existe uma variedade
imensa de artigos e ramos comerciais. As pessoas podem e devem vir às
ruas estreitas porque num raio alargado encontram de tudo. Desde
acessórios de moda, carteiras, roupas e sapatos para homem, senhora
e criança, ferragens e uma plêiade de produtos que é impensável
encontrar num shopping.
Vale a pena vir à
Baixa e, sobretudo, calcorrear estas encantadoras ruelas estreitas
por onde teriam caminhado Eça e até Camões.”
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