Há
cerca de um mês que uma mulher acampou num banco público, de rua,
em frente à Igreja São Tiago, na Praça do Comércio. Durante o
dia, acompanhada de mantas e casacos de lã doados pela vizinhança,
permanece sentada a fazer malha e à noite dorme no patim superior,
por baixo da arcada, da vetusta igreja erigida no século XII.
Há cerca de três
semanas alguns comerciantes circundantes, preocupados com a situação
de acampamento voluntário, contaram-me o que se estava a passar.
Disseram-me que a senhora já tinha sido identificada por dois agente
da Polícia Judiciária e que, em face da recusa da mulher em sair
dali, não era possível fazer mais nada por parte daquela polícia.
Prometi dar conhecimento ao Gabinete de Acção Social e Família, da
Câmara Municipal de Coimbra. Enviei um e-mail em 18 de Fevereiro,
sexta-feira, e logo na segunda-feira seguinte recebi a comunicação:
“Face às informações que nos prestou, foi possível
de imediato fazer deslocar ao local a Dra. Joana Nogueira, técnica
superior desta autarquia (Divisão de Ação Social). Apesar do
estado de saúde da mulher não permitir uma abordagem mais pessoal
(aparenta um forte distúrbio mental), foi possível à Dra. Joana
apurar, através de testemunhos vários, que a senhora se encontra a
ser alimentada pela Associação Cozinhas Económicas, ou seja já
estava sinalizada. Apurou ainda que os pais, pontualmente, vêm ver
como se encontra, tendo inclusive pedido para não lhe darem
dinheiro.
Esta noite irão ao
local técnicos, para nova avaliação e nos próximos dias a Câmara
Municipal de Coimbra, continuará atenta a esta situação.”
O
TEMPO PASSOU E...
Segundo
o depoimento de quem conversou comigo, nos primeiros dias de
“acampamento” não falava com quem quer que fosse e,
consequentemente, não aceitava qualquer espécie de ajuda. Os
vizinhos temiam que estivesse a passar fome por opção. Depois,
progressivamente, tornou-se mais simpática e, embora muito
selectiva, actualmente já troca umas palavras com alguns.
Curiosamente, continua a não aceitar nada de desconhecidos mas,
volta e meia, lá "crava" umas moedas para ir almoçar à Cozinha
Económica, foi dito assim mesmo.
TENTAR
A APROXIMAÇÃO
Quem,
durante o dia, passar na Praça do Comércio, em frente à Igreja de
São Tiago, apercebe-se de um banco cheio de roupas em desalinho e uma
formosa mulher, com óculos escuros, parece tricotar qualquer coisa.
Hoje, pedindo ajuda a um
mediador da sua relação, perguntei como podia chegar à
comunicação. Enquanto falava com o nosso amigo comum, de vez em
quando ouvíamos umas risotas soltas provindas da estranha mulher
sozinha. Aproximei-me e, devagarinho, consegui entabular uma curta
conversa com ela. Com o argumento de que gostava de escrever a sua
história aqui no blogue, fiquei a saber que se chama Sónia, “que
está ali muito bem e que, por enquanto não o quer fazer”.
Agradeceu a minha atenção em ter falado com ela -”este é o
princípio que deve reger um jornalista”, disse. Ao que parece
a Sónia frequentou a Universidade e até ao 4º ano de jornalismo.
MAS, AFINAL, QUEM É A
ENIGMÁTICA MULHER?
Com
recurso à memória, lembrei-me que em Janeiro, último, o Diário as Beiras (DB) tinha publicado em primeira página a foto de uma linda
mulher de olhos verdes que estava desaparecida. Fazer a relação
nexo-causal foi o que me levou a concluir que se trata da mesma
pessoa. Citando o DB de 24 de Janeiro, “Ninguém sabe de Sónia
Monteiro desde Quinta-feira”. Prosseguindo a notícia de
primeira página, “A mulher de 36 anos saiu de casa dos pais,
onde vive, às 10h00 de quinta-feira. Terá sido avistada na tarde
desse dia em Coimbra, mas desde então nunca mais conseguiram falar
com ela. Tem 1,60 metros de altura, cabelo castanho e sofre de
“problemas psíquicos”. A GNR já está a investigar”. E no
caderno interior continuava, “Sónia Monteiro, de 36 anos, está
desaparecida desde quinta-feira. É natural de Alfarelos (concelho de
Soure), onde vivia com a família e “sofre de problemas psíquicos”,
revelou ao DB fonte da GNR de Coimbra. (…)”.
VAMOS
LÁ VER SE A GENTE PERCEBE...
Sónia
Monteiro declaradamente sofre de “problemas psíquicos”.
Quem o afirma é um documento emanado da Câmara Municipal de Coimbra
e é o DB citando a GNR. Antes de continuar vamos ver o que quer
dizer “problemas psíquicos”. Recorrendo à Wikipédia, “Os
termos transtorno, distúrbio e doença combinam-se
aos termos mental, psíquico e psiquiátrico para
descrever qualquer anormalidade, sofrimento ou comprometimento de
ordem psicológica e/ou mental. Os transtornos mentais são um campo
de investigação interdisciplinar que envolvem áreas como
a psicologia, a psiquiatria e a neurologia”.
Ora,
pelo descrito, levando como verdade que Sónia Monteiro sofre de
anomalia psíquica, logo, por inerência, Sónia não estará plena
das suas faculdades mentais. É isto que parece, não é?
Então, depois de mais de
um mês, como pode continuar na rua, sobretudo, pelo argumento de que
é essa a sua vontade -pelos vistos foi o que os agentes da PJ,
aparentemente, alegaram a um comerciante. E, sem querer culpar
directamente alguém, incluindo familiares, como aceitar-se
pacificamente a inércia dos serviços da edilidade?
Em face do seu
comportamento desviante -sendo notório o desequilíbrio mental,
permanecer num banco de jardim e dormir na rua, pode ser
considerado, não pode? Pergunto eu que não sou psiquiatra. Como
pode entender-se que não se peça a intervenção do Ministério
Público? Existe uma Lei de Saúde Mental, não existe? E também o
Internamento Compulsivo em Portugal? Claro que sim. Vamos espreitar:
“O portador de
anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de
perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou
alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao
necessário tratamento médico pode ser internado em estabelecimento
adequado.”;
“Pode ainda ser
internado o portador de anomalia psíquica grave que não possua o
discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do
consentimento, quando a ausência de tratamento deteriore de forma
acentuada o seu estado”.
CUSTA
MESMO A ENTENDER...
Como,
para mal dos meus pecados, já me passaram vários casos idênticos a este,
confesso, para além de me irritar, não consigo entender a
morosidade em resolver casos análogos. Como se já não bastassem os velhos do esquecimento. O problema é que, pelo
arrastamento, por vezes, quando as autoridades intervêm já é tarde
de mais. Como foi há uns anos o pingue-pongue do caso Anildo Monteiro, que veio a morrer por intervenção médica tardia -o apelido é
mera coincidência.
3 comentários:
Fico realmente chocada e muito preocupada. Como podemos viver em "sociedade" se até em situações de risco como esta, mentem? Como pode ter havido comunicação entre algum dos órgão e nenhum ter dado conta que se tratava da Sónia? Hoje é ela. Amanhã pode ser qualquer um de nós.
O pedido de Internamento compulsivo foi feito no dia 22 de Fevereiro de 2017.
Hoje é dia 21 de Março e nada foi resolvido.
Apenas foi nomeado um advogado para a representar.
Está tudo pendente de avaliação médica que segundo percebi teria de ser feita num praso de 15 dias.
Nada pode ser feito porque existe Lei. Mas a Lei também determina prasos para obtenção de uma decisão para um caso de tal urgência, e não está a ser cumprida.
Entretanto a situaçao piora. Continua na rua como um animal abandonado!
Não se tratam assim as pessoas. Nem vale a pena comentar...TRISTEZA
FIQUEI MUITO TRISTE QUANDO LI O CASO DE SONIA MONTEIRO E MAIS TRISTE FIQUEI POR SABER QUE EM PORTUGAL AS INSTITUICOES QUE DEVIAM AJUDAR COM O PROBLEMA MENTAL QUE A PERTURBA IGNORAM ESSA PESSOA,QUE NAO SE PODE AJUDAR POR ELA PROPRIA,AONDE ESTAO OS DIREITOS HUMANOS,OU JA NAO HA DIREITOS HUMANOS SO HA DIREITOS ANIMAIS.
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