segunda-feira, 18 de maio de 2015

EDITORIAL: A LIBERDADE DA NOSSA IMPRENSA LOCAL

(Imagem da Web)





Embora já plasmasse vários textos sobre este tema nos últimos anos, de certo modo tenho andado a evitar escrever sobre o que sucedeu recentemente comigo. E o que é que aconteceu? Pergunta você, leitor, que não me acompanha todos os dias. Bom foi um acontecimento que me deixou bastante aborrecido e sem muita vontade de desabafar sobre o assunto em análise. A convite, e gratuitamente, durante mais de três anos escrevi semanalmente para O Despertar com uma página cujo título era precisamente “Página da Baixa”. Em Janeiro, último, pelo dono dos dois títulos, fui convidado para escrever também uma página para O Campeão das Províncias, que aconteceu até há pouco. Há duas semanas, como habitualmente fazia, escrevi e enviei as crónicas para os dois jornais e aguardei a prova de retorno para correcção. Só recebi a d’O Campeão das Províncias. A d’O Despertar não veio mas pensei que tinha havido um qualquer atraso e não liguei. Foi então que recebi um telefonema de um funcionário da empresa, e meu amigo, a dizer que o dono do jornal não tinha gostado de um dos textos e que, como considerava ser um insulto ao chefe da edilidade, pedia para eu o alterar. A crónica tinha por título “Dois fenómenos na praça velha” e, para além de ser dividido em duas partes, uma séria e outra satírica, na crítica focava Manuel Machado, enquanto actor político e presidente da Câmara Municipal de Coimbra. Isto é, o cidadão Manuel Machado não era minimamente beliscado. Aliás, é minha obrigação saber separar o trigo do joio. Quanto ao citadino Machado, para além de o conhecer mal, enquanto pessoa, nada tenho a apontar-lhe. Então, como me recusei a alterar fosse o que fosse, dei o recado ao porta-voz de que se não publicassem eu não colaboraria mais para os dois jornais. Nessa semana, sem qualquer explicação para os leitores, a página deixou de ser editada.

E PORQUE VOLTO A ESTE ASSUNTO?

Passando a enorme vaidade –que só me fica mal, mas o leitor tem de me desculpar-, depois da interrupção abrupta, quase todos os dias tenho aqui pessoas, leitores, a interrogar o que aconteceu e a lamentar a cessação. É óbvio que o meu ego incha mais que um balão de hidrogénio, ainda mais quando a direcção do jornal não se dignou plasmar um simples agradecimento no semanário quase centenário.
Mas hoje recebi um leitor habitual que, pela forma como falou, me impressionou deveras. Vim a saber que é padre, o que, para um blasfemo como eu, pelos seus elogios ao meu “trabalho” não remunerado, me deixou ufano. É bom saber que fazemos falta a alguém. É bom sermos reconhecidos quando quem o deveria fazer, nem que fosse com uma simples comunicação, não cumpriu a sua obrigação.

MAS O QUE É QUE SE PASSA COM A IMPRENSA LOCAL?

Embora nos últimos tempos se tenham realizado na cidade imensos seminários sobre a imprensa local, parece-me, em nenhum deles foi analisada a doença de que padece, o cancro que a mina com as suas metástases: a subserviência e o medo de desagradar ao poder instituído.
Nas muitas conversas que tenho tido com leitores do jornal que procuram saber o que aconteceu, quando, na maioria das vezes sem entrar em pormenores, explico que houve um “quid pro quo”, um tomar uma coisa por outra, a frase que mais ouço é: “censuraram-no, não foi? Você incomodava, não era?”. Respondendo o que sinto com honestidade, tento mostrar que não se tratou de uma acção de censura mas de uma aselhice e uma interferência –que não deveria acontecer, por parte do dono do jornal. Em juízo de valor, foi uma espécie de ultimato radical, no sentido do “quero, posso e mando”, onde, no limite, poderá caber a auto-censura, que, a meu ver, é muito pior do que a primeira, porque induz o leitor em erro.

EM ERRO, POR QUÊ?

Porque a impressão pública generalizada que se tem é que é o poder instituído que, através de vários meios de pressão, tenta calar o autor dos escritos. E para o fazer terá dois meios: ou exerce pressão sobre o instrumento difusor, neste caso, o jornal, ou tenta outros processos de coação sobre o gerador dos reparos. Sobre o primeiro, matando o mensageiro, isto é, exercendo influência sobre os donos das publicações, que pode acontecer, nem que seja no corte de verbas para publicidade institucional, mas nesta possibilidade não acredito. No segundo, podemos pensar que se se liquidar o emissor, matando o bicho, acaba a peçonha. Ora, até hoje e por parte de políticos, eu nunca me senti prejudicado por escrever seja sobre o que for. E já exerço este meio de intervenção política (apartidária) há cerca de 30 anos. Se é certo que nunca consegui grandes amigos, também é verdade que senti sempre um respeito pelos vários edis que já passaram pela Praça 8 de Maio. E, tenho consciência disso, em várias ocasiões fui bastante duro. Algumas vezes ficava a pensar: é desta vez que tenho à perna uma acção por difamação. É lógico, neste não ligar ao panfletário, há também o tal procedimento de tacitamente ignorar. Ou seja, ao não se dar importância aos gritos de alguém, é como se os seus lamentos se perdessem no vácuo, não existissem. Sendo assim, no quanto menos ondas melhor, os políticos tentam fazer de conta que nem ouvem, não vêem, não lêem. Por isso mesmo, se dessem troco, uma vez que a resposta é vertical, de cima para baixo, seria como elevar o escrevinhador a uma importância que não tem –e muito menos é intenção do poder que alguma vez venha a ter. Até porque, é da sociologia e psicologia de massas, um acontecimento só ganha importância a partir do momento em que pela notoriedade passa a ser apoiado por um grupo e este, ampliando o lamento, o leva ao grande público. Por isso mesmo, para não fazer o jogo do maldizente, quanto menos ondas melhor para o facto passar desapercebido. Com este procedimento de não inscrição, o criticador passa rapidamente a insignificante, que não merece crédito.

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