sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A ÚLTIMA TAREFEIRA



A empurrar o seu carrinho de duas rodas, cruzamo-nos tantas vezes por ela que até achamos perfeitamente normal. Sem nos questionarmos, achamos que esta popular mulher trabalhadeira faz parte do edificado, da paisagem urbana, de todos nós. Acontece que a Senhora Lucília Ferreira é a última tarefeira, a derradeira ponte que liga o Mercado Municipal Dom Pedro V e os restaurantes da Baixa. O seu serviço de entregas ao domicílio é contratado por algumas reputadas casas de hotelaria desta zona histórica cujos proprietários, parece-me, já estarão com alguma idade ou por problemas de saúde que os impede de carregar pesos.
Com uma vitalidade impressionante, apesar dos seus 78 anos, curiosamente, Lucília também faz do seu trabalho uma catarse, um encontro consigo mesma na tragédia e na purificação da alma, uma ocupação que obstaculiza relembrar continuamente os problemas familiares que a afligem e lhe causam tanta mágoa. Aquele sorriso no rosto não impede a tristeza dos seus olhos. Mas, se tem que ser, o que se há-de fazer? Somos seres predestinados entre a causa e a consequência e divididos entre o sofrimento e a felicidade.

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