A empurrar o seu carrinho de duas rodas,
cruzamo-nos tantas vezes por ela que até achamos perfeitamente normal. Sem nos
questionarmos, achamos que esta popular mulher trabalhadeira faz parte do
edificado, da paisagem urbana, de todos nós. Acontece que a Senhora Lucília
Ferreira é a última tarefeira, a derradeira ponte que liga o Mercado Municipal Dom
Pedro V e os restaurantes da Baixa. O seu serviço de entregas ao domicílio é
contratado por algumas reputadas casas de hotelaria desta zona histórica cujos
proprietários, parece-me, já estarão com alguma idade ou por problemas de
saúde que os impede de carregar pesos.
Com uma vitalidade impressionante, apesar dos
seus 78 anos, curiosamente, Lucília também faz do seu trabalho uma catarse, um
encontro consigo mesma na tragédia e na purificação da alma, uma ocupação que obstaculiza relembrar continuamente os problemas familiares que a afligem e lhe causam
tanta mágoa. Aquele sorriso no rosto não impede a tristeza dos seus olhos. Mas,
se tem que ser, o que se há-de fazer? Somos seres predestinados entre a causa e
a consequência e divididos entre o sofrimento e a felicidade.
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