LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "A ASCENÇÃO DO "ANIMALCENTRISMO"", deixo também as crónicas "OS MENDIGOS DAS PALAVRAS"; "PESSOAS TONTAS QUE NOS DIRIGEM"; e "REFLEXÃO: E SE A BAIXA FICASSE ALAGADA?"
A ASCENÇÃO DO “ANIMALCENTRISMO”
No último domingo, durante a manhã, junto às
antigas instalações da Garagem de São José, na Avenida Fernão de Magalhães, um
carro permanecia embrulhado em cartão e em toda a volta rodeado com fita
autocolante da Polícia Municipal (PM). Quem passou e não ligou, provavelmente,
teve o mesmo pensamento que eu tive: olha,
agora a PM já não emprega bloqueadores e faz uma espécie de embrulho surpresa
ao condutor. Acontece que achei aquilo estranho e fui ver o que tratava tão
surpreendente quadro. Não foi fácil deslindar o mistério, confesso, mas cheguei
lá. No vidro da viatura um papel manuscrito colado dava a seguinte mensagem: “Está um gato dentro do capô. Contacte-nos,
seguido de um número de telemóvel”. Dei a volta à viatura e vislumbrei um
recipiente com água e ouvi um miar.
Brincando um pouco com a situação, aos meus
olhos caricata, pelos vistos um felino resolveu acampar entre o motor da
viatura e, está de ver, como não tinha licença, a PM resolveu intervir. Presumo
que não conseguiu expulsar o “ocupa”.
Escrevendo sério, acho que isto passa das
marcas. Alguém está a instrumentalizar os recursos da PM para fins que não são
os seus. E a meu ver, o pior de tudo, é que esta força de polícia municipal não
se está aperceber da gravidade da situação. Por que o lóbi da defesa dos
animais é tão poderoso e está a tomar conta da solidão de tantos, vai ser
difícil não ser insultado e acusado de insensibilidade mas, mesmo assim, vou
prosseguir. Palavra que não diria nada se verificasse que, do mesmo modo, a PM
até sinalizou um homem que há vários dias dorme nuns papelões, na Rua Eduardo
Coelho, no prédio das desaparecidas Galerias Coimbra. Antes de prosseguir, vou
identificar este ser humano. Trata-se do António José Vaz Monteiro, tem 46 anos
e, antes de cair na rua e nas malhas do alcoolismo, trabalhou uma dúzia de
verões na antiga Sociedade de Porcelana de Coimbra e outras tantas primaveras
em vários empregos, incluindo o Ministério do Ambiente.
Penso que já se vê onde quero chegar, há
qualquer coisa que foge à minha compreensão. Estamos a perder de vista o
humanismo –a valorização do ser humano nas condições de generosidade, compaixão
e preocupação- e entrar no “animalcentrismo”
–um termo que inventei e que significa o animal como centro de tudo. Ora, no
meu entendimento, os serviços públicos, com recursos de todos, estão a
alimentar e a desenvolver esta nova filosofia. Reitero que o problema não
reside na ajuda aos animais mas sim nas soluções que falham para as pessoas.
Talvez valesse a pena pensar nisto. O que acha?
OS MENDIGOS DAS PALAVRAS
Estão em todas as encruzilhadas dos caminhos.
Encontramo-los em qualquer esquina de uma qualquer rua. Damos de chofre com
eles numa qualquer paragem de autocarro. As suas vestes tanto podem ser ricas
como, pelo contrário, serem humildes e retratos de indigência. Em todos há
pormenores que os aproximam: os seus cabelos desgrenhados e baços, o seu olhar desconsolado
e sem brilho, os ombros descaídos a deixar sobrar tecido para pouco corpo e o implícito
ar de abandono mostrado na barba por escanhoar, que carregam ao alcance de um
vislumbre mais apurado. Ao nosso lado, podem permanecer estáticos, como se
fossem portadores do medo de serem rejeitados ou, pelo contrário, chamarem a
nossa atenção com uma singela infantilidade.
São os novos mendigos das cidades. Não
estendem a mão, não rogam nada por palavras, no entanto são pedintes de
atenção. Os seus olhos amargurados, como paisagem bucólica de negritude,
mostram a tristeza que a sua alma carrega. Desde um amor desperdiçado, a um
filho perdido nas malhas da droga, até um casamento preso por fios de nada e
amarrado a conveniências mútuas para não se perder a segurança material, tudo
transportam na sacola da sua existência. Pelos recalcamentos e frustrações
marteladas, já há muito que deixaram de vociferar contra o Governo acusando-o
de ser o causador das suas dívidas camufladas e destruidor da sua felicidade
perdida. São baterias de energia acumulada. São as novas bombas humanas de
deflagração do Ocidente. São os surdos kamikases
do nosso tempo. Será sempre de supor que virarão a sua ira contra si mesmo, no
entanto, mesmo em possibilidade remota, tomemos atenção às suas manifestações
de ambiguidade entre a previsível loucura e a apatia inconsciente. Podem a
qualquer momento explodir e desencadearem tragédias iminentes.
Se por acaso, em conversa de ocasião,
despoletamos a sua descarga emocional teremos muita dificuldade em descolar. Colam-se
como molusco na pedra batida em busca do último reduto. As conversas, como
linhas e entrelinhas, engatam umas nas outras e dificilmente têm um resguardo
que lhe ponha fim. Querem apenas ser ouvidos. Se forem interrompidos, pedem
espera ao interlocutor e prosseguem a longa viagem através da memória. É
natural que a narração seja acompanhada por lágrimas ardentes de sofrimento.
Ali, na nossa frente, está uma pessoa desfeita em partículas de solidão. Ao
alcance da nossa mão está o nosso espectro, a projeção de nós, como se nos
mirássemos ao espelho.
Algumas vezes de cultura
superior, verificamos amiúde que são sujeitos de extrema sensibilidade para as
artes, quase sensitivos e carregados de espiritualidade. Parecem fantasmas que
trazem consigo um mapa malfadado de pecados praticados em outra vida e que, por
força de um destino desconhecido, têm de penar em busca de uma aceitabilidade e
um aperfeiçoamento terreno. São uma espécie de inadaptados a este tempo de
agora, que se diz moderno, onde poucos comunicam por palavras e muitos, a
maioria, se faz transmitir por dois dedos num teclado. São órfãos de pai e mãe
nesta época onde o individualismo é a argamassa que liga o eu ao eu e o eu ao tu. São os novos ciganos das urbes que, como nómadas em área
sedentarizada, desde o banco de jardim à cadeira de esplanada, poisam e acampam
em qualquer lugar.
A comunicação natural, enquanto significado de
partilha humana assente na frase, no olhar, no ouvir e no gestual, está
a desaparecer a grande velocidade. O seu lugar foi ocupado pelo artificialismo
da máquina -interessante como todos pensamos que o planeta encolheu e tudo está
mais próximo. Nunca como até agora houve tanta possibilidade de transmissão
entre pessoas. Mas se analisarmos ao pormenor, constatamos que cada vez estamos
mais distantes e esvaziamos os afetos. Sentimentos como a amizade, o amor e a
solidariedade são expressões praticamente sem sentido neste mundo globalizado.
Sem termos noção, estamos a destruir o intrínseco, a originalidade do ser
humano. Tudo indica que vão ser precisas várias gerações para recuperar o que
se está perder. A menos que, nesta dinâmica, estejamos a evoluir para um novo
homem, um passageiro do tempo. Mais autómato, mais frio de sentimentos e
calculista, facilmente manipulável pelo desconhecimento do que o rodeia, sem
opinião própria, este indivíduo não pode trazer nada de bom às sociedades
futuras.
Porque vai reconhecê-lo facilmente, quando
passar por um deste isolado mendicante dê-lhe um sorriso e uma palavra. Não
esqueça, todos estamos a caminhar para este mesmo isolamento. No limite, pode ser
que ainda se possa recuperar a essência perdida.
PESSOAS TONTAS QUE NOS DIRIGEM
Neste último domingo realizou-se a “I Meia Maratona de Coimbra/Corrida do
Conhecimento”, com partida no Largo da Porta Férrea e finalização na
Avenida José Bonifácio de Andrade e Silva –junto ao Fórum Coimbra. Durante a
manhã, a Baixa esteve sem acesso automóvel e praticamente sitiada. Na Estrada
Nacional 1, qualquer condutor proveniente de sul quando chegava junto ao Hotel
Dom Luís, por indicação de um agente da PSP, era obrigado a retornar à origem
sem qualquer indicação sinalética de via alternativa. Quem saía junto ao açude,
a mesma coisa, era empurrado para o Fórum Coimbra. Foi um verdadeiro caos
durante toda a manhã.
Não é a primeira que escrevo sobre os
malefícios remetidos diretamente para os motoristas sempre que há uma prova
desportiva na cidade. Estou certo, quem faz estes planos sem planos deve pensar
que todos os automobilistas que circulam ao domingo são turistas de passagem e
que andam a gozar o panorama. Acontece que há muita gente que trabalha neste
dia e, por estes absurdos cortes, é sempre assim: vê-se em palpos de aranha para conseguir chegar ao centro da cidade. Gostava
que me respondessem a várias questões: Em que é que esta prova pedonal promove
o património classificado pela Unesco? Para que serve o Estádio Cidade de
Coimbra? Por que não se realizam lá estas provas desportivas? Por que raio é
que qualquer corrida há de sempre prejudicar a acessão à Baixa? Entre todas
estas interrogações uma resposta emerge: é o populismo em toda a sua
grandiosidade. Faça-se festa para o povo e ilumine-se o céu com o estalejar dos
foguetes. Como sempre, alguém vai apanhar as canas e pagar a fatura.
Há duas semanas o executivo
municipal não aderiu ao movimento “um dia
sem carros”. Quanto a mim, muito bem! E então passada uma semana faz uma
coisa destas? Terá noção quem manda nestes licenciamentos nos custos económicos
que tais absurdas decisões têm para quem exerce a sua atividade na Baixa?
Bem sei que estou a ser especulativo e pouco
racional –no sentido de lançar uma suspeição sem provas, mas à mulher de César
não lhe chega ser séria- mas é pouco claro o facto de as viaturas serem
desviadas para o Fórum Coimbra. Pode-se até argumentar que todos os apoios
vieram das empresas sediadas naquele Centro Comercial. Mesmo assim é pouco!
Falta aqui equidistância, harmonização de interesses tendo em conta o menor
dano possível para alguns, e respeito pelas empresas do Centro Histórico. É
assim que se promove esta área comercial? Quem decide nestas coisas, saberá o
que está a fazer?
REFLEXÃO: E SE A BAIXA FICASSE ALAGADA?
“Autarquia não estava à espera de tanta chuva em tão
pouco tempo e queixa-se de não ter sido devidamente avisada sobre este cenário.
Várias zonas da capital ficaram alagadas e os bombeiros responderam a mais de
uma centena de ocorrências. Comerciantes dizem que a situação se agravou porque
as sarjetas estavam todas entupidas e que já deviam ter sido limpas.”–in
Expresso.
E se de repente este cenário acontecesse em Coimbra?
Seria de admirar? Não! De modo nenhum. O Rio Mondego, com a bacia freática em
frente à Baixa assoreada já há vários anos, tem vindo a anunciar que pode
inundar tudo num panorama já conhecido pelos mais velhos. Embora já tenha
havido ameaças com ruas submersas, a enxurrada que deu mais preocupações aos
comerciantes foi em 21 de Setembro de 2008. “Era um Domingo pacato, aparentemente igual a qualquer outro”,
escrevi na altura.
O que impressiona mais é que se
olha para o que aconteceu agora em Lisboa como se não tivesse qualquer relação
com a cidade dos estudantes. O que se espera para começar a planear para no
próximo verão retirar os inertes do “bazófias”?
Estão à espera de quê para mandar limpar os “boeiros” e outros coletores?
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