sexta-feira, 26 de maio de 2017

EDITORIAL: COIMBRA TEM UM ENCOSTO?

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Há muitos séculos que se consta que Coimbra está endemoninhada. Ao longo do tempo, quer os eclesiásticos, quer os bruxos, quer os estudiosos da matéria todos sempre coincidiram num ponto: o diabo anda por aí, está por cá instalado, pode encarnar em várias personagens ou entidades que conhecemos e nos são próximas, mas o problema propriamente dito não recai na entidade maléfica mas sim nas muitas forças negativas que andam por ai à solta.
Pelo menos, ao longo dos últimos cinquenta anos, estando os fenómenos publicamente elencados, mas nunca totalmente explicados à luz de uma racionalidade crítica e científica, todos nos habituámos a conviver com eles harmoniosamente e, apesar do desassossego, nunca, como até agora, aconteceu realizar um congresso sobre parapsicologia que verdadeiramente se debruçasse sobre a matéria paranormal que assombra a cidade.
Graças a alguns cardeais exorcistas já venerados nas capelinhas e outros recentemente convertidos à causa parapsicológica que se fizeram anunciar, em Outubro, próximo, vamos ter um simpósio que se espera ser o mais comparticipado.
Apesar de ainda faltarem quatro meses, os ex-comungados andam por aí a levantar o oculto, alegadamente à vista de toda a gente, e a pregar a expulsão do demónio. Ainda não aconteceu a dobra de garfos e colheres – na linha de Uri Geller- pela força da mente, mas a cada dia que passa ficamos a saber mais dos segredos obscuros que, apesar de conhecidos, reconhecidos e recalcados no inconsciente colectivo, supostamente estariam enterrados no seu âmago -assim como as talhas romanas recentemente descobertas.
Num misto de renegados, em ironia, descrédito e superstição, fazendo-nos sorrir pela falta de convicção retratada, levantam o dedo acusatório ao demo causador de todos os males: o pretor urbano instalado na Praça 8 de Maio.
O encosto-maior, consequência de uma dominação absolutista de subserviência secular, está também identificado praticamente por todos -menos um por razões familiares que se entendem: a Universidade. Em boato de ruela estreita, aventa-se que desde que este grande colégio de estudos superiores perdeu o seu prelado estatutário, por volta dos anos de 1940, nunca mais deixou de estar malignamente acompanhado em espírito satânico. Talvez por isso se entenda, ao longo das últimas décadas, a indecente repetição de apelidos no seu corpo docente.
Ademoniomania” está inventariada e todos censuram as manifestações perniciosas de Satanás que condena Coimbra ao obscurantismo das trevas de Belzebu. Diz-se em surdina, como mandam os cânones, que a diocese local, por ordem superior da Santa Sé e através da Congregação para a Doutrina da Fé, proclama e apoia o reforço contra as forças do mal notadas na visível e acentuada discriminação da urbe por esta não ser contemplada nos grandes investimentos do Orçamento Geral do Estado. Por outro lado, e tão grave como tudo mais, por não sentir e não partilhar do crescimento económico nacional noticiado aos quatro ventos. Diz-se ainda que Francisco, o chefe-mor da igreja Católica, recomenda o uso e o abuso do apostolado pelos exorcistas, mesmo que sejam comunistas, é a favor da libertação dos possessos e considera ser uma tarefa fundamental da Igreja. Ao que parece o Papa não se deixou convencer pelas últimas políticas municipais de sinalização e reabilitação dos Caminhos de Santiago e de Fátima, incluindo a criação de um centro para peregrinos.

MAS, AFINAL, O QUE DIZEM OS EXORCISTAS?

Um diz que é preciso libertar a polis do jugo demoníaco que os governos centrais exercem maleficamente e, com esta iniquidade e desrespeito, provocam um desequilíbrio em todo o centro do país.
Outro, sem esquecer a sua matriz vermelha, está muito preocupado com as elites coimbrãs -e de facto, como a dar-lhe razão, hoje um jornal local, numa feira de vaidades, dedica 8 páginas com fotografias dos mais bem-quistos na cidade do Mondego.
Outro, ainda, diz que “devemos fazer uma análise SWAT (Armas e Táticas Especiais) e, de uma vez por todas, encontrar soluções para o futuro e uma dessas soluções passa por deixar de dizer que somos os melhores”.
Outro, mais, em quatro anos de feliz convivência entre as cores rosa e vermelho, só agora, neste tempo de exorcismos, descobriu que os mais de mil funcionários da edilidade cultivam um clima de medo.
Outro, mais ainda, defende a prossecução e realização do projecto metro ligeiro de superfície na cidade, sabendo que vários estudos de viabilidade feitos no anterior governo de Passos Coelho indicam que se for levado avante estaremos a hipotecar o futuro dos nossos netos. Pugna ainda pela recuperação da Baixa comercial... mas é a favor da instalação do IKEA no Planalto de Santa Clara.

E QUANTOS (POBRES) DIABOS EXISTEM NA CIDADE?

Segundo uma leitura recente que fiz numa revista do Século Ilustrado de 07 de Março de1986 -e onde fui buscar a inspiração para este texto-, desde Lucifer, Belsebu até Astarot, haverá cerca de 1758 milhões de nomes para a mesma entidade satânica que apelidamos vulgarmente como Diabo. Citando o Vaticano, diz ainda a popular revista já desaparecida do mundo das publicações vivas que o problema não reside unicamente na entidade mas, “sobretudo, porque muitos grupos e seitas carismáticas se dedicam à prática do exorcismo, caindo na rede de insidias do demónio. Há que ter em conta que em cinco mil casos de alegadas possessões demoníacas, só duas ou três são verdadeiras. As outras são fruto de neuroses e de demoniomanias -uma doença difundida por certos movimentos de falsa espiritualidade.
Continuando a citar o Século Ilustrado, “É preciso não esquecer que o diabo lê o pensamento e fala línguas desconhecidas. Sobretudo conhece e explora as debilidades de cada pessoa, manifesta-se não só através de vómitos de substâncias horríveis (…) mas também através de coisas belas e graciosas, como músicas deliciosas, mulheres esplêndidas, pinturas extraordinárias, revelações de coisas desconhecidas ou acrobacias fantásticas.
Claramente Coimbra não tem só um encosto espiritual que suga as energias de quem cá vive, traz desequilíbrio emocional e gera conflitos com a sua personalidade e com as pessoas ao seu redor. Depois do exposto, ficamos a saber que, apesar de já terem um bom encosto, anda muita gente a tentar encostar-se à cidade.
Não é necessário escrever mais nada, pois não?

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