quarta-feira, 1 de junho de 2016

TUDO IGUAL COMO DANTES





Largo da Freiria, quarta-feira, 10h30, 20 graus celsius, Sol a espreguiçar-se e a piscar o olho aos cantos e recantos escuros e impenetráveis dos becos e ruelas da Baixa de Coimbra.
Aqui nesta encantadora praceta tudo se mantém igual, com ligeiras diferenças pontuais, como, por exemplo, esta madrugada, quando a claridade ainda se embrulhava no escuro, se ouviu um “pum”, “pum”, “pum”, um ruído de algo a bater em ferro. Nos últimos meses o talho do Machado, na Rua das Padeiras foi assaltado duas vezes. Acordando pelo barulho inconveniente e invasor, pensei: lá estão outra vez a ir ao talho –e, abruptamente, levantei-me e fui à janela. Do andar do prédio, lancei o olhar até onde os olhos poderiam perscrutar. Tudo indicava que o talho não estava a ser violado. Então o que causava a atroada intempestiva?
Em baixo, um homem, certamente funcionário da empresa que ganhou o concurso encarregue da limpeza e higiene do Centro Histórico, equipado com roupa amarela, reflectora, acompanhado de um carrinho manual, varria a calçada. Na mão direita a vassoura, na esquerda uma pá, em ferro, que recebia os detritos previamente encaminhados. A cada gesto correspondia um “pum” consequente do batimento do ferro a bater na pedra. Atirei: ó camarada, você tem que fazer menos barulho. São cinco e quarenta e cinco da manhã!
O homem, de trinta e poucos anos, olhou para cima e, numa pronúncia estrangeirada, retorquiu: “ó “caralho”? Você não falar assim “pra” mim! Eu trabalhar. Vá dormir!” –e irritado continuou a fazer o mesmo atrupido. De pouco valeu explicar que o vocativo foi camarada e não pelo nome do pai.
Não sei se a aparente confusão na apreensão teria sido mesmo real ou intencional. Se, como político experimentado, foi uma forma de desviar a atenção da poluição sonora e, em defesa contorcionista, concentrar o caso num tratamento de cidadania pouco dignificante.
Em especulação, o que senti naquele curto diálogo foi uma espécie de mensagem de azedume pelo facto de ter de trabalhar quando outros dormiam. Foi como dissesse: “enquanto tu dormes eu trabalho, por isso, aguenta-te!”
Não é a primeira vez que escrevo sobre o ruído que alguns funcionários fazem quando laboram neste trabalho -que é digno como qualquer outro- durante a noite. Estamos perante uma falta de respeito por quem, legitimamente, tem direito a dormir. Se, por ventura, alguém que manda nestes funcionários ler este texto talvez fosse bom sublinhar a devida atenção no exercício da labuta.
Para não variar e provar que vale mais um costume arreigado que uma ordenação social disciplinada, e que o lixo pode e deve fazer parte da paisagem urbana, esta pequena praceta apresenta-se hoje, mais uma vez e como habitualmente, como ontem, antes de ontem e mais e mais atrás –, como quem diz, muito feliz por continuar a ser um depositário de esterco.
Aliviando o que escrevi atrás sobre o madrugador barulhento, sei lá se a sua má-disposição tinha a ver com os porcalhões que vivem e convivem em redor? Se foi por isto, pronto, está perdoado!


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