sexta-feira, 17 de junho de 2016

A BAIXA EM MARCHA LENTA





Quando os ponteiros do relógio indicavam um ângulo recto, nas 15h00, numa organização conjunta da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, Câmara Municipal (CMC) e a Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRSP), a Praça 8 de Maio encheu-se de crianças. Em seguida, três centenas de meninos e meninas, em desfile e divididas por quatro marchas alusivas aos santos populares, percorreram as ruas estreitas e largas da Baixa.
Também mais logo, por volta das 20h00, na continuação de anos anteriores, 12 marchas populares, compreendendo adultos e com arcos alusivos à quadra, vão dar colorido a toda a zona histórica.
Dentro do âmbito de revitalização da Baixa, esta semana está a decorrer também a iniciativa “A minha rua é linda” e a Festa da Sardinha com 32 restaurantes ligados a esta iniciativa.

EM BUSCA DE UM ALENTO PERDIDO

Em metáfora, estas iniciativas –meritórias, sem margem para dúvida- são como uma grande equipa médica numa grande sala de operações a tentar salvar um doente que não responde aos estímulos vitais.
Fugindo ao politicamente correcto, estas alegorias, como as que se descreve –que se devem enaltecer, repito-, funcionam como ansiolíticos para um estado depressivo cuja causa é conhecida mas, num defender para a frente, prefere-se esquecer. Num “enquanto o pau vai e vem folgam as costas”, vão-se fazendo festas ao “morto” para fazer crer que se está a fazer tudo para o salvar.
Há muitos anos que se fala e escreve sobre o estado calamitoso da Baixa. Mas medidas concretas de reanimação ainda não se viram nenhumas –não é a anunciada recuperação de uma dúzia de imóveis camarários degradados que vai resolver a questão de fundo. É preciso muito mais e, para isso, é preciso envolver todos, comerciantes, moradores, proprietários e inquilinos, numa espécie de Contrato Social para se levar a bom porto o navio com enorme rombo no casco.
Se Manuel Machado, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, estivesse minimamente preocupado com a sorte de centenas de famílias, que directamente e indirectamente vivem da Baixa, convocava todos os munícipes interessados para o Salão Nobre para, numa humildade que não lhe é reconhecida, ouvindo-os, buscar soluções. Pelo menos, se se dignasse olhar olhos-nos-olhos os operadores da Baixa, mostrando a sua solidariedade, já capitalizaria dividendos políticos. Mas, quem o conheceu antes de Encarnação e agora depois de Barbosa, sabe que Machado é um duro, um pragmático que visa o objecto sem levar em conta os custos operacionais e as dificuldades na aceitação, que não delega e gosta de centralizar e decidir sozinho. O que lhe sobra na acção falta-lhe na arte de relacionamento com o povo, e os pares no executivo municipal. É evidente que no desempenho popular, porque lhe falta a empatia, é um desastre. É respeitado com adoração de conveniência hipócrita pelo estatuto e lugar que ocupa quando está em cima –como é o caso agora-, mas saindo da ribalta depressa é envolvido por um manto de anonimato e é esquecido sem apelo nem agravo –aliás, a meu ver, embora de facções opostas, muito parecido com Carlos Encarnação.
É evidente que, devido ao estado de desânimo a que a Baixa chegou, se Machado convocasse os comerciantes para debater a situação comercial, corria o risco de ser maltratado verbalmente –mas, como é lógico, um político experiente, como é o seu caso, tem de estar preparado para levar nas orelhas e ouvir o que não gosta. É nos climas adversos, quando tudo e todos parecem estar contra, que se avalia o carisma e a coragem dos grandes estadistas.

DESÂNIMO NA BAIXA? ONDE?

Para melhor analisarmos o estado anímico dos comerciantes basta verificar que, não respondendo ao apelo da APBC para enfeitar as ruas, entre dezenas existentes, só três artéria e dois largos corresponderam ao pedido. O que, em extrapolação, mais logo poderá contar-se o número de lojas que, conforme o solicitado pela agência, vão estar abertas até à meia-noite –saliento que não estou de acordo que os lojistas não colaborem nestas iniciativas. É um desrespeito para as entidades, APBC, CMC e AHRSP, que se esforçaram para tornar possível este evento.

DESALENTO? PORQUÊ?

Resultado de uma anémica situação económica do país, entre outros, a meu ver, a Baixa está atravessar o seu pior momento. Naturalmente, como em tudo, para uns o copo está meio cheio e para outros meio vazio. Tudo depende da posição de avaliação.
É certo que a procura de imobiliário para investimento nunca esteve tão em alta nos últimos anos, mas, como é óbvio, isto tem a ver com a rentabilidade negativa dos juros de capital. Ainda na coluna do haver, pela classificação de Património Mundial pela UNESCO, devemos levar em conta o fluxo turístico que, desde o ano passado e pela instabilidade securitária de países vizinhas, veio ajudar a transformar a cidade para melhor, e Portugal, em porto de abrigo para muitos turistas do mundo inteiro.
Por outro lado, desde Janeiro último, novos negócios têm surgido o que, ilusoriamente, podem dar a parecer que a Baixa está a mexer no caminho de um futuro que se espera risonho. O problema é que, retirando o investimento de grandes marcas, estas aberturas servem de balões de ensaio –uma espécie de “ver se a coisa pega”- que dura, em média, seis meses. Por parte de pequenos investidores particulares, que querem fugir ao desemprego, continuamos a verificar uma procura intensa de rendas comerciais baixas –e deslocalização de umas lojas para outras mais baratas. O problema das rendas, a par com os impostos e taxas, num momento de afogo financeiro para os consumidores em que a procura é cada vez mais diminuta, está a ser a maior barreira ao desenvolvimento do comércio interno, com o Estado a chamar a si a posição de usurário –desde o governo de Passos Coelho, a incidência do imposto sobre as rendas passou de 15 para 25 por cento.



LOJAS DE TRADIÇÃO A AVIAR

Há várias semanas encerrou a Coimbra Editora, junto à porta de Barbacã, “a quase centenária empresa livreira que espalhou o nome da cidade por quase todo o mundo”. Parafraseando Rui Avelar, director do Campeão das Províncias, a incapacidade de indignação perante encerramentos de marcas que durante décadas fizeram parte de nós, conimbricenses, dever-nos-ia fazer reflectir para que tipo de sociedade intervencionista se está a caminhar.
Dos grandes estabelecimentos que marcaram um tempo na Baixa os jornais ainda vão falando, mas no caso das pequenas, a começar por mim, já ninguém liga. É um desassossego que se entranhou e, virando normalidade, encaramos como usual no dia-a-dia. Só para exemplificar, entre a Praça do Comércio e o Largo da Portagem, nos últimos meses, encerraram seis lojas.

DO MAU PARA O ASSIM, ASSIM

O comerciante sempre foi conhecido pelo epíteto de “chora”. Noutros tempos de ouro quando se interrogava um lojista como estava a decorrer o negócio a resposta era sempre pronta e a mesma. “Muito mau. Isto está muito mau!”. Era uma pergunta de retórica, uma vez que não se levava em conta a resposta.
Hoje, que todos sabemos como estão os negócios, no vermelho retinto, paradoxalmente, a resposta para uma questão igual implica o “assim, assim. Vai andando!”. Ou seja, por vergonha encoberta –por alegadamente demonstrar fraqueza e insucesso- ninguém mostra o estado financeiro em que verdadeiramente se encontra. Só sabemos quando encerra o estabelecimento num mutismo completo.
Os tempos são de mudança natural para a Baixa, levada a cabo pelos privados, mas era bom que os políticos com assento na cadeira do poder local, em vez de pensarem nos seus interesses partidários, fizessem alguma coisa para inventariar os problemas sociais e procurar dar-lhes solução.


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