terça-feira, 17 de setembro de 2013

NAS BARBAS DO DEIXA-ANDAR



O homem que sobe a encosta e caminha na minha direcção, apoiado numa bengala, parece puxado por fios invisíveis que lhe dão alento e fazem esquecer o peso de muita história corrida em muitas décadas passadas. De seu nome Augusto Bastos Dias, nasceu em Lograssol, uma pequena aldeia irmã-siamesa da Vacariça e que a dois passos tem o Luso como padrinho. Viu a luz pela primeira vez em 1926, ano da requisição de Salazar para Ministro das Finanças pela revolução militar de 28 de Maio de 1926 -que não aceitou, ocupando a pasta somente em 1928-, que instituiu a Ditadura Militar e viria a contribuir para a implantação do Estado Novo. Desde miúdo, de cueiros, que se lembra do País em crise, ou não tivesse sofrido no corpo as agruras da pré e após 2.ª Grande Guerra em que uma sardinha era dividida em três na humilde casa de trabalho árduo campestre. Se o calcar fogo imuniza os pés à dor, estas memórias de penúria não o acomodaram e, pelo contrário, fizeram de Augusto –do latim sublime, sagrado, grande- um combatente na arena da polis, habituado a lutar pela defesa das ideias em que acredita, em que nem a idade de 87 anos o faz render-se ao situacionismo crescente como erva daninha em campo sem cultivo. Foi emigrante muitos anos na Alemanha. Foi neste país teutónico que sentiu a disciplina e o respeito pelo bem-estar do cidadão comum. Ali, nesta grande nação europeia, aprendeu a dar-se aos outros para receber. Considerar o próximo para ser considerado.
Num tempo de sociedade acrítica, passiva e conformista, que apenas responde aos estímulos egoístas, Bastos Dias é a antítese do homem apagado, sem brilho nos olhos e sentado no sofá. Augusto é um revolucionário urbano que sente faltar-lhe o tempo para modificar as coisas. Lá em casa, na pequena sala, aquela velha máquina de escrever, se falasse contaria, é a testemunha viva dos desabafos despejados nas muitas cartas enviadas a tantas instituições que detêm o poder de decisão em Portugal. Raramente lhe respondem, mas, como maratonista persistente, este lutador de ringue não desiste. Ele sabe que, enquanto cidadão, está a fazer o que deve –e quem faz o que deve faz o que pode, dizia Torga.
Desta vez, ao vir ter comigo, Augusto traz consigo um desânimo que o atropela num caso que para ele, idoso vulnerável pelas dores do corpo, e para tantos outros da sua idade é um suplício. Mas para se sentir o martírio de estar tolhido pela idade tem mesmo de se ser velho, estar lá no epílogo da vida, e experimentar a dificuldade de locomoção. Porém, como todos julgamos ser eternos nunca pensamos na velhice e quando se lá se chega à enseada de ancoradouro já é tarde para se alterar o que quer que seja.
Bastos Dias reside junto à Rua Carlos Seixas e diariamente toma o autocarro junto ao espaço onde se realiza a feira semanal do Bairro Norton de Matos. Se durante a semana não tem problemas em subir para os veículos, já ao sábado, dia do certame, não é assim. É que toda a área destinada a paragem fica ocupada com automóveis e, quase sempre, com carrinhas de tecto elevado obstaculizando a visão de aproximação. Em consequência, obriga os muitos idosos como ele a estarem em pé e a percorrerem mais uns metros até ao transporte colectivo. “Para a maioria –diz-me-, gente nova que se move bem, este queixume até é comezinho, mas, por exemplo, imagine-se andar de muletas, verá o quanto custa percorrer uma pequena distância ao calor ou à chuva. Sinto-me espoliado do meu direito. Já me dirigi verbalmente ao senhor Comandante da Polícia Municipal –a primeira vez que o fiz ainda era o senhor Manuel Lobão que dirigia este corpo de agentes-; já apresentei requerimentos ao senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra; ao senhor Comandante da PSP; ao administrador dos Transportes Urbanos de Coimbra –destes só obtive resposta deste último. Já fui à reunião do executivo municipal, mas tudo continua na mesma. Enquanto as forças não me abandonarem vou continuar a reclamar. Será que ninguém pensa que um dia também vai ser velho?”

1 comentário:

Luis Silva disse...

Sim é uma vergonha o que se passa. Os moradores desta zona escusam de utilizar os transportes na Rua D. Pedro Cristo, porque NÃO EXISTE PARAGEM!

A CMC e a Polícia Municipal não se interessam pelo assunto. Os moradores sabem que os SMTUC já comunicaram o facto às autoridades competentes, mas como diz...NADA!
Esta cidade está completamente ao abandono.