quinta-feira, 8 de novembro de 2012

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "REFLEXÃO: QUE ESTADO É ESTE?", deixo também as crónicas "ARRUMADORES LEGAIS PEDEM AJUDA"; "UMA ORQUESTRA ESPECIAL NA BAIXA"; "OS PARABÉNS DA CLARA"; e "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: "O MÚSICO ROMENO"



REFLEXÃO: QUE ESTADO É ESTE?

 Na semana passada um comerciante da Baixa de Coimbra, a braços com uma divida às Finanças embora a cumprir com plano de pagamento, viu todo o dinheiro desaparecer da sua conta bancária. Volto a sublinhar que, segundo as suas declarações, “embora a data de vencimento do pagamento do acordo entre nós celebrado fosse esta quinta-feira, 1 de Novembro, no princípio da semana, logo na segunda-feira, quando passei o cartão para poder levantar dinheiro, verifiquei que a conta estava limpa. Fiquei alarmado. Fui ao banco e fiquei a saber que as Finanças retiraram-me tudo. Apesar de ter ido à repartição da minha área e ter sido admitido o erro e me ter sido dito que a ordem tinha sido emanada de Lisboa, durante três dias a minha firma e a minha família ficaram sem meios para prover os seus desenvolvimento e sustento. Só Deus sabe o que passei! Nunca pensei chegar a esta altura da vida e sentir-me achincalhado desta maneira” –diz-me de lágrimas nos olhos e algumas delas a correrem pela face gretada de tanta noite mal dormida.
Este comerciante, de 61 anos e que trabalha desde criança, teve várias lojas na cidade e, durante décadas, deu emprego a vários trabalhadores. Hoje labora sozinho com a esposa no seu pequeno estabelecimento e as poucas vendas que vai fazendo vão servindo para cumprir o débito ao Estado e, dali, poder alimentar a sua família.
Entre várias questões que se colocam, numa altura em que tanto se fala em Estado Social, podemos começar por interrogar: que Estado é este que, num assalto descarado de completa insensibilidade perante um cidadão que trabalhou a vida inteira, deixa uma família sem um único euro e entregue à sua sorte? Poderemos aventar vários ápodos: Estado selvagem? Estado de confisco? Ou Estado sem merecer o nome tal como o conhecemos, enquanto Contrato Social de Hobbes e Locke e Montesquieu e Rosseau, desde os séculos XVII/XVIII?
Seja lá qual for a denominação que arranjarmos, este procedimento desumano é mais selvático do que as relações entre animais irracionais. É simplesmente inqualificável.
Outra questão que se coloca, para a administração fiscal, que diferença existe entre um homem que sempre trabalhou desde criança e um outro que pouco contribuiu para a riqueza nacional? Não há nenhuma diferença? O passado não conta para nada? Estamos perante obrigações iguais? Voltamos ao positivismo jurídico, puro e duro, em que, pelo simples facto de se ser cidadão, para o Governo, são todos iguais? E a humilhação por que passou este comerciante, que numa altura da sua vida em que legitimamente merecia ter alguma segurança e desafogo económico, a quem pode ser endereçada? Tem futuro este contrato social e este Estado que assim (mal)trata os seus “filhos”? Poderemos falar em relação paternal? Que sistema é este?


ARRUMADORES LEGAIS PEDEM AJUDA

“Ó senhor Luís queria pedir-lhe um favor: o senhor pode pedir ajuda no jornal para nós?”. Quem assim me roga é o António Andrade Rocha, arrumador autorizado pela Câmara Municipal de Coimbra. O Rocha e o José António Costa, a troco de uma simples moeda, estão há muitas décadas a prestar um reconhecido serviço social a ajudar os automobilistas junto ao Estádio Universitário, na margem esquerda. Depois de algumas multas, pela Polícia Municipal (PM), por estarem ilegais, a autarquia, admitindo o seu préstimo em direito adquirido, viria a dirimir esta questão pela melhor forma de compensação e viria a conceder-lhes autorização em 24 de julho, último.
Mas, afinal, o que é que se passa, senhor Rocha? Interrogo. “Sabe o que é? É que andam para aqui uns tipos a oferecer-me pancada… Querem vir para o meu lugar, entende? Eu sou muito doente, não posso com eles, mas preciso deste dinheiro que ganho aqui. É o único rendimento que entra em casa… A minha mulher está desempregada. Isto está acontecer todos os dias. Sinto-me muito inseguro. Até já ameaçaram o Costa, que até tem um “cabedal” de respeito… Ó “Zé”, chega aqui!”. E chama o colega, que se encontra uns passos mais à frente.
Fala o Costa, “é verdade, sim, também já fui ameaçado. Eles querem tomar o nosso lugar a qualquer jeito. Já viu isto? Tanto tempo à espera que nos “passassem cartão” e agora, que estamos legais, querem vir tomar o nosso lugar? Estou aqui há 30 anos, não é brincadeira nenhuma. A PM deve repor a legalidade, não deve?”


UMA ORQUESTRA ESPECIAL NA BAIXA

 No passado dia 1 de novembro, durante a manhã, em frente ao Museu do Chiado esteve um conjunto musical muito peculiar, de sete elementos, a animar o peditório da Liga Nacional contra o Cancro. E o que a tornava tão fora do comum? Pode interrogar o leitor? É que os seus componentes eram, maioritariamente, músicos de rua e que, um pouco à pressa e para o efeito, se disponibilizaram para contribuírem para tão nobre causa. Esta banda, que animou a Rua Ferreira Borges durante cerca de três horas, era formada pelo Paolo, no acordeão, pelo Faissal, na percussão, pelo Lourenço, na viola, e pelo Bartolessi no Saxofone –como não houve ensaio prévio este músico foi obrigado a sair antes. Todos estes artistas foram acompanhados no baixo, pelo Rafael, no solo, pelo Armando, e no ritmo, pelo Quintans. Todas as composições eram originais e da autoria destes dois últimos “músicos”. Esta ideia de participação sonora surgiu na sequência do voluntarismo de Norberto Pires, professor universitário, que se tinha disponibilizado para, nesta manhã do dia de todos os santos e último feriado, rogar o óbolo aos transeuntes. Nesta caminhada solidária de bom exemplo, fez-se acompanhar por Adão Mendes, da Revista C, Mário Nogueira, da FemProf, e alguns outros cidadãos de boa vontade.


OS PARABÉNS DA CLARA

 Em metáfora, se os estabelecimentos comerciais são o “corpo” que dão vida a todas as ruas da cidade, os comerciantes, que com a sua identidade os representam, serão a sua alma. É de tal modo esta metamorfose de envolvência que ambos se chegam a confundir e se tornam num só. É o caso da Fernanda Clara Pessoa Espírito Santo. Desde os seus 18 anos de menina que é o rosto simpático da Sapataria Pessoa, na Rua das Padeiras. Esta semana fez anos, e soprou forte nas velas do tempo em direção ao futuro. Quantos seriam? Não faço ideia, nem ouso interrogar a Clara. Mas isso interessa? Aliás, não se deve perguntar a idade a uma senhora. Mas, pelo traço de felicidade, aposto que já fez meio-século.


ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS

“O MÚSICO ROMENO”

 Quantos de nós já fomos envolvidos pelo manto melodioso e cristalino das suas músicas executadas com mestria no acordeão, nas ruas largas da calçada? Quem é este músico de rosto cheio, de bonomia e de aparente resignação pela sorte que o destino lhe traçou? É o Paolo Vasil. Partiu da Roménia em 2003 diretamente para Coimbra, onde tem familiares. Rumou em busca de um mundo melhor, porque no seu país natal sopravam ventos de contradição. Desde sempre trabalhou na sua pátria. Durante muitos anos laborou numa fábrica de utensílios metálicos, até ao dia em que, com 53 anos, o dispensaram como se fosse um ferro velho. Para além de operário, sempre foi músico de coração. Tinha uma banda de baile de seis elementos, onde era acordeonista. Aqui, em Portugal, talvez devido à idade, foi sempre muito difícil arranjar trabalho. Foi assim que, como náufrago em oceano de infinito, se amarrou ao instrumento das suas horas livres. Hoje, com 63 anos, já não espera milagres, mas também não desespera. Vive um dia de cada vez. Adora esta cidade –e leva a mão ao peito. Sente-se acarinhado por todos. Tem um nó na garganta: há três anos a sua filha querida morreu de cancro. Mas os filhos são um fruto que Deus dá e Deus leva quando entende –e sorri enfaticamente.



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