segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

BAIXA: O CASO DA DERROCADA NO 1.º DE DEZEMBRO DE 2006

Foto de Fernandes Dias José Jorge.
(Foto de Fernando Dias José Jorge)




No dia da hecatombe, às 11 horas da manhã o engenheiro
Repolhos, da CMC, com as mãos nos bolsos, disse-me:
esteja descansada que não vai morrer hoje! Não vê que isto é pladur?”.
Eu, bastante preocupada, retorqui: senhor engenheiro, a sensação
que tenho é que o prédio está a rachar todo! Às 16h20 o prédio,
arrastando outro confinante, veio para o chão.”

Foi no dia 1 de Dezembro de 2006, Feriado Nacional, que a Baixa da cidade sentiu um profundo estremecimento. O caso não seria para menos já que, de uma assentada, ruíram dois prédios na Rua dos Gatos. Embora os danos patrimoniais fossem muito elevados, milagrosamente, não houve ferimentos pessoais de monta a lamentar. Para além da queda dos edifícios, que para os seus proprietários teria constituído um enorme rombo na sua riqueza, para onde os detritos caíram e levaram tudo à frente, houve danos colaterais em três prédios vizinhos, propriedades de João Braga, Helena Gomes e uma óptica, entretanto falida, com as traseiras do edifício para a Travessa dos Gatos e entrada pela Rua Ferreira Borges. Helena Gomes, que foi prejudicada pelos detritos num seu imóvel ao lado, detinha uma loja de roupas num dos prédios que arreou. “Perdi tudo o que estava lá dentro”, enfatizou.
Se os danos provocados na envolvente em dois casos foi já resolvido há vários anos -um deles, o de João Braga, como se de novela se tratasse, com recurso ao Tribunal Administrativo, porque a responsabilidade da acção foi intentada contra a Câmara Municipal de Coimbra (CMC)- o dirimir do conflito cível com o terceiro só agora, passados 11 anos, conheceu o seu fim. Quem o noticia é o Diário de Coimbra (DC) deste Sábado, último, com título de primeira página: “Tribunal culpa donos do prédio pela derrocada”.
Numa prosa pouco clara, ficamos a saber que “Mais de dez anos depois da derrocada de dois prédios antigos na baixa de Coimbra, os proprietários de um estabelecimento comercial atingido pelos escombros vão receber uma indemnização de 61 mil euros. Um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), consultado pela agência Lusa, vem confirmar a decisão da primeira instância, responsabilizando pelos prejuízos causados os donos de um prédio secular que esteve na origem do desastre.
(…) Além de ferimentos numa pessoa que passava no local naquele momento, a derrocada afectou vários estabelecimentos que funcionavam no rés-do-chão dos edifícios contíguos, entre os quais uma empresa de produtos ópticos, entretanto declarada insolvente, que avançou com uma ação a exigir uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos.”
Quem conhece de perto este caso, ao ler o DC, teria pensado que esta notícia teria bafejado a inquilina de um dos prédios da ruína, Helena Gomes, que, ainda hoje, continua com o seu caso a arrastar-se em tribunal. Passados todos estes anos, numa espécie de processo de Kafka, sem ressarcimento à vista por parte da companhia de seguros e sem uma resposta conclusiva por parte da edilidade conimbricense, que também é visada na demanda por parte dos seus técnicos terem desvalorizado o estado decadente do prédio e, com esta omissão, terem contribuído para que viesse abaixo, Helena, que perdeu tudo na derrocada, continua sem receber o que tem direito. “Como intentei a acção contra a minha seguradora -eu era titular de um seguro multi-risco- e contra a CMC, estou presa num imbróglio. Para fundamentar o não pagamento, a seguradora sustenta que como a autarquia alega no inquérito que as causas da derrocada são inconclusivas, logo, dizem eles, falta o “leimotiv”, o motivo condutor, que originou a queda”. E, empurrando uma entidade contra a outra numa espécie de jogo maldito, continuo à espera que as coisas se resolvam”.
Continua Helena, “no dia da hecatombe, às 11 horas da manhã o engenheiro Repolhos, da CMC, com as mãos nos bolsos, disse-me: “esteja descansada que não vai morrer hoje! Não vê que isto é pladur?”. Eu, bastante preocupada, retorqui: senhor engenheiro, a sensação que tenho é que o prédio está a rachar todo! Às 16h20 o prédio, arrastando outro confinante, veio para o chão. Foi uma negligência da Câmara. Eu não percebo nada de obras, admito, mas este prédio foi negligenciado pelos serviços camarários. No meu entendimento, as próprias obras de restauro foram mal feitas. Começaram a descarnar a base sem ter em conta a parte de cima, que era a que estava mais degradada. Estavam lá todas as entidades responsáveis pela segurança, Bombeiros, Câmara Municipal, Proteção Civil, Universidade, etc, como é que nenhum destes técnicos se apercebeu do iminente estado de ruína do edifício?

UM PRÉDIO NOVO?...

Desde há poucos dias, uma placa de madeira ostentando “Vendo” e com número de telemóvel está presente no terreno de forma triangular que outrora foi ocupado pelos dois edifícios centenários. Em contacto travado com o número indicado, ficámos a saber que o preço de venda é de 145 mil euros -pela totalidade da área dos terrenos de implantação anteriormente ocupados pelos dois prédios. Fomos informados também que, por consulta prévia de viabilidade à CMC, “a edilidade respondeu que é possível construir um imóvel com cinco andares.

...OU UMA NOVA PRAÇA PÚBLICA?

Por inteira justiça e no seu legítimo direito, está de ver que os proprietários do terreno tentam valorizar e capitalizar o que resta de um desastre, cuja responsabilidade, digo eu, caberá a vários intervenientes. Se, por um lado, a CMC, ao optar pelo respeito inalienável do direito à propriedade pela autorização de construção, está a agir bem, por outro, não deve descurar exercer o direito de preferência e construir naquele gaveto uma praça pública.

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