quarta-feira, 17 de junho de 2015

TOLERÂNCIA ZERO PARA OS IMUNDOS




São nove e meia da manhã. Muitas lojas ainda estão encerradas e a Baixa, tal como os raios solares, começa a espreguiçar-se para ganhar alento para mais um dia. No Largo da Freiria, para não variar do antecedente, o lixo está espalhado num raio de um metro da papeleira. Um cão negro olha para um lado olha para outro, mergulha o focinho na massa fedorenta e, com as patas, mexe e remexe no entulho. Suponho que, fazendo-se substituir aos humanos que tem essa função atribuída, procura obsessivamente um qualquer endereço que remeta para o porcalhão, ou porcalhona, que gozando com ele e com todos nós, diariamente ali coloca os detritos. Tento estabelecer diálogo com o bicho mas, sei lá porquê, olha para mim fixamente, não me passa cartão, suponho que seja político –assim a parecer o outro: “você não manda nada!”- e, num desprezo total pela minha pessoa vira-me as costas. Não é por nada, mas apeteceu-me morder-lhe –já que não o posso fazer no biltre que me presenteia com entulho.
A seguir um parvo qualquer, que me pareceu conhecer de vista, vai apanhar o lixo para dentro de um saco. É mesmo palerma, o gajo que vai tratar de manter o meio-ambiente agradável. Tentei também obter uma declaração do animal de duas patas mas, como a provar que tenho de me enfiar na concha, nada disse.
A vinte metros do Largo da Freiria, na Rua da Fornalhinha, o cenário é parecido ou talvez pior. Não se via por lá nenhum fiscal negro de quatro patas. Suponho que, como é um panorama recorrente, não haverá garras a medir para esgravatar em tantos resquícios de uma sociedade em frangalhos. Enquanto procuro alguém para me fazer uma declaração que me ajude a salvar esta crónica, vem um comerciante e diz: “não mexa aí! Não apanhe o lixo! Já liguei para a Câmara! Sempre quero ver quando vem alguém apanhar essa vergonha. Esse lixo saiu, com certeza, do prédio à sua frente. Volta e meia fazem isto! Acho que são uns rapazes novos!”.
Cerca das 11h20 veio um funcionário da Recolte –a empresa a quem foi concessionado o serviço de pequenas limpezas na via pública- levantar a esterqueira. Eu não percebo nada de nada, nem mando seja lá o que for, mas tenho uma certa racionalidade lógica e, no meu pensar, digo para mim, sem que ninguém ouça, que se mandasse isto acabava rapidamente. Bastaria aplicar meia dúzia de coimas aos prevaricadores que este abuso acabava rapidamente. Bem sei que isto, em período de eleições é muito chato, assim a cair para o aborrecido, e o transgressor pode ficar incomodado e depois não vai votar no Costa. Entendo perfeitamente isto. Quem não sabe ser caixeiro fecha a loja. Mas então, façamos alguma coisa mais simples: todos os dias, logo de manhã, abram-se as portas do canil e mandem-se para a Baixa duas dúzias de farejadores de quatro patas para compor o ramalhete e aproveitar os resquícios alimentares. É que, pelo menos, não se perde tudo.




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