quarta-feira, 17 de junho de 2015

QUINZE ALMAS PERDIDAS NO BRAZIL





Cerca das 19h45 de ontem, no relógio da parede onde funcionou durante décadas o Salão Brazil e agora o Jazz ao Centro, proposta pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, iniciou-se uma reunião que tinha por mote “ouvir as sugestões dos comerciantes, relativamente ao comércio e espaço da Baixa de Coimbra”. Com a bela sala da saudade praticamente vazia, onde até há cerca de vinte e cinco anos meia Baixa por lá passou, eram mais os fluídos espirituais do que os humanos presentes. Para exemplificar melhor, dois fotógrafos de imprensa, três jornalistas, um painel com cinco elementos da direcção da APBC e na sala uma dezena de comerciantes.
Vitor Marques, o presidente da direcção da agência de promoção, perante uma assistência tão numerosa (ao contrário) começou por dizer o que levou a instituição a que preside a efectuar esta sessão, que há cerca de dez dias que andava a ser publicitada. “A ideia é, disse, debater o futuro da APBC. Por outro lado, também receber os comerciantes. Tentámos nos últimos seis meses e apareceu uma pessoa. Esta é a segunda tentativa. Tomámos posse em Abril de 2014. A APBC é constituída por oito elementos; sete são ligados a actividades comerciais e um faz a ponte entre os anseios dos comerciantes e a Câmara Municipal. A agência tem 70 associados na actualidade” – salvo erro, no pico, chegou a ter 160 e em finais de 2013 teria cerca de 120, digo eu.

QUE RAZÕES PARA ESTE DIVÓRCIO ENTRE COMERCIANTES E A APBC?

Do meu ponto de vista –que para aqui conta pouco- as razões serão várias e distribuídas pelos comerciantes e a agência. Sendo sério, não me parece correcto atribuir a culpa apenas a um dos lados. Poderia explorar melhor a minha opinião, mas a minha intenção é outra e, como tal, prefiro ouvir razões alheias do que escrever o que penso.

DIGA-ME, POR QUE NÃO FOI AO BRAZIL?

O que salta à vista é investigar a razão das razões que levaram os lojistas da Baixa a fazerem ouvidos de mercadores e a não comparecerem ao convite. Como não quero que falte nada aos leitores –e a APBC também não precisa de agradecer, ora essa!-, fui para a rua ouvir comerciantes de várias ruas. A todos foram feitas duas perguntas:

SABIA QUE HAVIA ONTEM UMA REUNIÃO? POR QUE NÃO FOI?

Iva Marina, gerente do restaurante Marcius, na Rua da Sofia: “Sabia que havia. Não fui porque era à noite. Tenho de estar com a minha filha. A hora é incompatível. Para estar presente na reunião tinha de fechar o estabelecimento mais cedo. Encerro às 22h00.”
Adílio Mendes, patrão da retrosaria Mendes, na Rua da Sofia: “Não tive conhecimento. Ninguém me convidou. A rua da Sofia é outra coisa. É uma zona periférica, não é uma extensão das ruas largas. Excepto as marchas, qualquer evento que se faça na Baixa nunca vem para a Rua da Sofia. Sinto-me arredado das festas promovidas pela APBC. Nas marchas é diferente. Este ano, tal como nos anteriores, correu muito bem.”
Hélder Gonçalves, da loja Gourmet “Coisas & Sabores”, na Praça 8 de Maio: “Sabia da reunião. Não fui porque tinha um trabalho em casa que não podia interromper.”
Madalena Martins, do quiosque Espírito Santo, na Praça 8 de Maio: “Sabia que havia mas não tive hipótese. Estou no meu estabelecimento desde as seis horas da manhã até às vinte horas. Mal encerro ainda vou para casa fazer o jantar e arrumar a casa. Achas que me sobra algum tempo para reuniões?”
Luís Braga, da chapelaria Bragas, L.ª, na Rua Visconde da Luz: “Sabia mas não me lembrei. Embora tivesse tido conhecimento, esqueci. Entregaram-me um papel na semana passada. Se me tivesse recordado teria ido. Apagou-se-me completamente!”
Ana Monteiro, do pronto-a-vestir Namibi, na rua Visconde da Luz: “Não tive conhecimento dessa reunião. Os únicos papéis que recebi da APBC foram referentes à penúltima “Noite Branca” e sobre a recolha do lixo. Sobre esta sessão não recebi nada!”
José Rénio, da Papelaria Cristal, na Rua Ferreira Borges: “Não sabia. Não me entregaram nada. Por desconhecimento não compareci!”
João Braga, da tasquinha “O Gato” e da retrosaria Ziguezague, nas escadas do Gato e Rua Sargento-Mor: “Sabia mas não pude ir. Estou sozinho aqui. Encerro o estabelecimento de comes e bebes às 22h00. Não poderia mesmo comparecer. Se pudesse, claro que iria!”
Helena Gomes, da casa Lena, na Rua Sargento-Mor: “Sabia sim! Não fui porque já não acredito neste género de reuniões de comerciantes. Já estive em muitas, demasiadas, e nunca deu em nada. Para além disso, tudo o que se realiza de eventos é tudo feito nas ruas de cima. Ainda agora, nestas últimas marchas, só aqui passaram quatro marchas, de um total de treze, e estavam algumas lojas de comércio, como a minha, abertas. Estou ressabiada pela forma como são (mal) distribuídos os eventos na Baixa. Nós, das ruas estreitas, somos enteados –se não pior. Os filhos queridos estão nas ruas e largos de cima. Estou cansada de andar a lutar e haver tanto egoísmo. Estou farta de ser carne para abater!”
Docília Soares, da Retrosaria Mateus, na Praça do Comércio: “Não sabia de nada! Mas, admito, se soubesse também não teria ido. Sobre o conhecimento do meu marido sobre o assunto não lhe sei dizer.”
Luís Pereira, da Casa Confiança, na Praça do Comércio: “Sabia da reunião mas, como moro em Condeixa, à hora a que se realizou não dava” –sobre qual o melhor horário para si não soube responder.
Francisco Veiga, Modas Veiga, Rua Eduardo Coelho: “Sabia da reunião, sim. Não fui porque estou cansado, saturado de reuniões cujo resultado é sempre igual -ou seja, nada!- ao longo dos últimos anos. Sinto-me prejudicado pela forma como dividem os eventos na Baixa. É tudo feito lá em cima, entre os Largos da Portagem e a Praça 8 de Maio. A Baixa é a Visconde da Luz e Ferreira Borges. Assim não contem comigo. No inquérito que fizeram há uns meses, escrevi isto mesmo em impresso próprio. Lá manifestei todo o meu desagrado na forma como os eventos de promoção são realizados, que deveriam ser para todos e não são só para alguns.”
Célia Neto, da sapataria “Hush Puppies”, na Rua Eduardo Coelho: “Sabia sim. Não fui porque tenho de fazer o jantar em casa e, para mais, ontem chegou a minha filha da Figueira da Foz. Se não fosse assim, claro que teria ido, com toda a certeza.”





1 comentário:

António Martins disse...

Meu Caro Amigo

Li notícia do evento no DC e não estranhei nada a pouca afluência.
O seu comentário, desde logo a informação decorrente do inquérito que se propôs fazer, em nada me estranha. Mais: estranhar-me-ia era o contrário, o saber que um grande número de comerciantes tinha estado presente, manifestando a sua preocupação, as suas ideias e apostando forte no comércio de rua.
Muitos anos de associativismo comercial ensinaram-me que, se há sempre um número reduzido de comerciantes que se preocupa, que dá o seu tempo, muitas vezes com gastos próprios, que enceta lutas e que as leva até ao fim ( arranjando, por vezes, antipatias de pessoas ou entidades ), a maioria esmagadora dos ditos comerciantes de rua desta cidade não tem espírito associativo, apenas se preocupa consigo própria e, se for possível, até prejudica e boicota realizações de mérito. Estão a ter, afinal e tão só, aquilo que merecem.
Pena é que arrastem aqueles que o não merecem.
Quanto à APBC ( sim, porque já não falo da ACIC ), entendo que os seus dirigentes não devem desanimar e interiorizar, isso sim, que esta é a realidade. Continuarem o seu trabalho, pela Baixa de Coimbra, com a certeza que a sua vitória reside na sua consciência de que fizeram o que podiam. E quem faz o que pode, faz o que deve.
Por mim, sempre que possível, vou fazendo as minhas compras na Baixa, começando logo pelo Mercado D. Pedro V.
Um abraço.

António Martins