segunda-feira, 21 de julho de 2014

EDITORIAL: A ESPERANÇA ARRUINADA



A novela está a decorrer num jornal perto de nós. Trata-se de uma peça teatral em três actos trágico-cómica e que anda na boca de toda a gente, localmente e no País. Uns porque até na desgraça acham graça; noutros porque provoca um corte na esperança de almejar um homem melhor. A música de apoio e de fundo, sem grande rasgo de originalidade, tem por título “ó tempo volta para trás e dá-me tudo o que eu perdi!”
O primeiro acto desenrola-se em torno da direcção do Teatro Nacional Trabalhista. Como o futuro se prevê profícuo na distribuição de lugares sentados, embora não traga nada de novo, aparece um segundo candidato ao lugar a agitar as águas já de si muito turvas já que o orçamento disponível não se mostra muito risonho para grandes aventuras cénicas.
O segundo rola em torno da mestra de guarda-roupa, mulher de fibra, de pelo na benta e verruga nos valores. Ao que parece, a roupeira apercebendo-se que, por meios pouco ortodoxos e contrário ao que defendiam com a mão no peito, desconhecidos assaltaram o camarim, abusivamente, falsificaram as assinaturas no livro de levantamentos, vestiram as togas e, com direito a voto, participaram na reunião quadrienal futura do teatro. Nesta parte de desempenho, ressalta a dúvida metódica, enquanto instrumento de pensamento existencial, da mestra-guarda-roupa. Vê-se a mulher de queixo apoiado sobre a mão em concha e a questionar: “se penso, logo existo; se existo, sou responsável pelas minhas acções, logo respondo perante os outros; se respondo perante os outros, devo denunciar o que viola os meus princípios!”
Esta mulher acaba por delatar os atropelos à chefia. Por incrível que pareça acaba expulsa.
O terceiro acto gira em volta dos actores, muitos deles convidados a integrar o elenco por serem nomes sonantes no “show business” da cidade hollywoodesca. Aceitaram integrar a peça e, para isso, na fase de inscrição receberam o regulamento interno onde constava o enredo, a história na forma de contracenarem e de se apresentarem em palco e ao público. Acontece que nos ensaios precedentes eram já perceptíveis sinais de que a narrativa estava a seguir a subjectiva interpretação dos performativos e em completo desrespeito pelos estatutos e obra. Foram avisados mas, talvez pelo seu currículo famoso, não ligaram. Acharam que a sua importância estatutária falaria mais alto. No dia da estreia seguiram o caminho por si traçado. Resultado: sem que estivesse previsto, o espectáculo acabou subdividido em várias cenas e quadros. Uma das cenas foi a de um parto ao vivo de um movimento de cidadãos independentes no burgo. Apesar de grande apoteose dos assistentes, caiu o Carmo e a Trindade no velho teatro. O “Carmo”, representado por um director Seguro, que na hora da estreia cantou vitória de peito-feito, e a Trindade afigurada pelo fantasma de Sócrates, a alma penada do filósofo grego e suas reincarnações. Esta cena foi fundamental para a cisão no teatro e dá argumentos fortes para enriquecer o primeiro acto.
Num dos quadros aparece um outrora candidato ao ministério das artes representativas, muito Alegre, de rima fácil e grossa verve, amigo e sempre solidário com todos aqueles que forem importantes. Não importa sol ou sombra, chuva ou temporal, ou ser injusto na apreciação dos factos. O que importa é que gente com estatuto, com peso na sociedade, não pode cair na lama e ser julgado como um qualquer “zé-ninguém”. Em paradigma, são postos a nu as teias e os interesses que grassam no “bas-fon”, por detrás da cortina, do grande teatro da Nação. Muito à portuguesa… de face moderna, está de ver! Que estes factos à luz do antigamente eram mesmo fascizantes e salazarentos. Nada de confusão!
Este vislumbre cénico, que dá pelo nome de “A esperança arruinada”, recomenda-se vivamente pela sua enorme força analógica do pensamento. É evidente que qualquer semelhança com um facto político que se atravesse é pura coincidência.




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