sexta-feira, 14 de março de 2014

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "BAIXA: POR DUAS CANAS DE PESCA"; "HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES"; "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O INTUITIVO"; e "PARABÉNS AO CHEFE"; "REABRIU A PASTELARIA "MUI CHOCOLATE"; e "UMA TROCA FELIZ"


BAIXA: POR DUAS CANAS DE PESCA

 A loja Baía, situada com frentes para as Ruas de Sargento-Mor e da Sota, foi assaltada em plena luz do dia do último domingo. Seriam cerca das 7h00, já o sol entrava pelas persianas dentro, quando uma vizinha do histórico estabelecimento, a laborar desde 1974, ouviu um estrondo. Foi à janela e apercebeu-se de um indivíduo debruçado sobre a montra e a retirar objetos do seu interior. Contactou imediatamente o Celso Magalhães Baía, o proprietário, e este rapidamente veio avaliar os estragos e contactar a Polícia de Segurança Pública (PSP). Tinham desaparecido 10 carretos e duas canas de pesca.
Vamos ouvir o Celso, cerca das 8h00, estava dentro da loja a contabilizar os danos quando um amigo veio bater à porta a dizer que o meliante tinha acabado de tentar vender uma cana e um carreto por 5 euros no Largo das Ameias e naquela altura, calmamente, estava a tomar o pequeno-almoço num dos cafés da praceta. Veio então a PSP e os agentes prenderam o arrombador de montras e violador de sonos soltos de velhinhas, um toxicodependente e reconhecido trabalhador polidor de esquinas na zona histórica. Foi recuperado todo o material e o homem, sob detenção, foi encaminhado para a Esquadra de polícia para ser identificado. Cerca de duas horas depois a PSP, porque outra coisa não poderia fazer à face da lei, soltou o meliante.”

COIMBRA, CIDADE DE TRABALHADORES
Pelo que vou contar a seguir, é óbvio que estamos perante um “workaholic”, um trabalhador compulsivo, que não se pode ver inativo. Continuando a citar o Baía, “conforme me disseram, passada uma hora já estava no interior da igreja de São Tiago a “dar a palmada” a uma carteira de uma velhinha. Mais uma vez, porque também será a sina dos polícias divididos entre o prende solta, lá colocaram o gatuno em liberdade.”
Pergunto eu, mero escriba e contador de histórias, o que seria de nós, coletividade, sem estas crónicas matinais de domingo? Saúde franca e duradoura para este trabalhador incansável destes becos e ruelas e para a PSP. Ah, é verdade, sem esquecer o legislador que, no seu remanso de pensador, que só quer o bem de quem labuta, cuida dos direitos, liberdade garantias de quem tanto faz para quebrar as rotinas das nossas cidades. Se assim não fosse tudo isto seria uma pasmaceira. E mais, provavelmente, se a mão da lei fosse dura lex para biltres como este e fossem arrecadados o mais certo era haver ainda mais insolvências e desemprego. Não só iam os serviços prisionais de vela como a própria PSP começava a não ter trabalho. E depois?


HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES

“Decorria o ano de 1968 quando comecei a trabalhar no comércio, como marçano -moço de recados. Tinha 10 anos acabadinhos de fazer e ainda não tinha largado os cueiros. Aprendi depressa a medir uma peça de pano e a cortar um retalho para um fato de saia e casaco. Fui testemunha viva do apogeu da Baixa e de muitos colegas, empregados como eu, que se tornaram empresários de sucesso. Acompanhei as suas vidas, desde o calcorrear das pedras e passando pela ronceira carrinha 4L, até ao Mercedes ostentatório. Numa interrogação que me há-de acompanhar até à tumba e sem resposta, pergunto-me: porque nunca fui capaz de arriscar num negócio meu? Sei lá! Sei apenas que, como destino pré-definido, me entreguei de coração à minha função e continuei a vender trapos por contra de outrem. Do alto dos meus 55 verões, olho para trás e recordo que conheci somente três patrões. No último estive 25 anos. Comecei lá em finais de 1980. Estava o comércio tradicional da Baixa a subir ao pico. Nesta altura e anos subsequentes não havia mãos a medir. Na última década, sem nada poder fazer, sempre a decrescer na vivência, assisti à sua morte lenta. Depois de umas falhas aqui e ali, no princípio do ano passado o patrão, dirigindo-se a mim e a mais colegas, afirmou que não tinha dinheiro para nos pagar e que fizéssemos o que bem entendêssemos. Foi um choque. Custou-me a acreditar no que ouvia. Durante três meses aguentei trabalhar sem receber até as minhas contas falarem mais alto. Foi então que contactei um advogado. Hoje estou a receber mensalmente uma parte acordada. Fui tratado com o mesmo desrespeito que a velhinha 4L. Estará certo este procedimento?”


ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O INTUITIVO

Quantas vezes nas últimas décadas já passamos por ele junto ao Centro Comercial Sofia? E, na sua ladainha tão própria dos invisuais, ouvimos: “ajude o ceguinho, por amor de Deus, Senhor!”. Tantas, tantas que até pensamos que o Valdemar Ribeiro Simões Martins é o porteiro de serviço do antigo Convento de São Domingos, na Rua da Sofia.
O Valdemar tem 67 anos e é completamente cego. Nasceu a ver, não muito mas alguma coisa. Aos 16 anos teve meningite e a visão encolheu. É solteiro por opção, porque teve um grande amor na sua juventude, mas não quer falar disso. Anda pela Baixa há cerca de quatro dezenas de anos e assentou praça há 35 no local onde o encontrei agora. É ali que vende a sorte aos outros porque para ele não precisa. É muito feliz e nunca andou triste, diz-me em palavras bem vincadas. Nasceu em Vila Nova de Poiares. É filho de uma prole muito pobre que deu ao mundo 11 rebentos. Como os progenitores não tinham possibilidades para os criar foram todos distribuídos por vários asilos do país. A ele calhou-lhe em sorte ir para Castelo de Vide. Para sua negra memória, foi a direção deste asilo situado no Alentejo que decidiu mandá-lo para Lisboa para arrancar os olhos. Embora fosse há 50 anos, lembra-se como se fosse hoje. “Foi a sangue frio. A anestesia não fez efeito e foi com um sofrimento atroz que mos retiraram. Foi para estudarem. Naquele tempo era assim!”, enfatiza. “Mas Deus compensou-me. É muito meu amigo! Eu não ando na escuridão. Caminho na luz do Senhor. Eu “vejo” tudo através da intuição! Para além disso, tenho uma memória geográfica e auditiva fora de série. Nunca me perco. Ainda há tempos um grupo de amigos me convidou para jogar à moeda. Limpei-os a todos! Sabe porquê? Porque pelo quase inaudível tilintar das moedas nas mãos dos jogadores eu sabia quantas levavam! Nunca mais quiseram jogar comigo. A gente sabe que há Deus, o Filho e o Espírito Santo, na Santíssima Trindade, é ou não é? Então entrego-me a Ele e cuida de mim!”


PARABÉNS AO CHEFE

O mais famoso cozinheiro da nossa Baixa fez anos esta semana. Claro que se você não sabe de quem se trata só pode significar que já não vem a esta parte velha da cidade há muito tempo. Pergunte ao “”, interrogue o “Manel”, indague a Carolina e qualquer um destes sabe que o António Manuel Jesus Gonçalves, do “snack-bar” o Paulo, na Rua da Louça, é o maior mestre de culinária do Centro Histórico. Quiçá da cidade. Então numa homenagem merecida, esta semana houve bolos e bolinhos, festa e foguetório na artéria em frente à Igreja de Santa Cruz. Perante tantos amigos e em face de tanto reconhecimento e carinho, ao soprar as velas, o António não pode evitar uma lágrima vadia que teimou em rolar pelo rosto nascido há 39 anos. Numa repetição criada pela enxurrada de solta ternura dizia: “obrigado. Obrigado a todos!”. Como se estivéssemos lá na mesma altura, também proclamamos: muitos parabéns, António!


REABRIU A PASTELARIA “MUI CHOCOLATE”

Depois de uns dias de encerramento e por cedência da anterior proprietária, reabriu há dias, na Rua da Gala, o café “Mui Chocolate” com nova gerência. Vindo de Figueiró dos Vinhos, onde durante muitos anos deteve um grande restaurante e experiência farta, o casal Martins, constituído pelo Jorge Martins e a Rosinda Nunes Martins, tomou em ombros o projeto já iniciado de dar vida àquela artéria e, com o seu esforço, contribuir para a revitalização da Baixa.
Quando pergunto como surgiu a ideia de virem para Coimbra, respondeu o Jorge: “Temos uma filha que veio para cá estudar para a Universidade. Então pensámos em mudar tudo para a grande cidade dos estudantes. Embora nascesse cá há 49 anos, já há muito tempo que estou fora. Vinha muitas vezes porque a ligação é quase umbilical. Porém, quando percorria estas ruas de calçada portuguesa era meramente um passante como outro qualquer. Surgiu então a oportunidade de pegarmos neste extraordinário espaço tão bem concebido na localização e na decoração e foi logo amor ao primeiro olhar. Começamos imediatamente a fazer planos para o futuro. Como é normal nas mudanças de administração, alteramos algumas coisas que consideramos essenciais. Agora temos fabrico próprio de pastelaria. Confecionamos a boa bifana e a saborosa sandes de carne assada e outros petiscos. Juntamente com quem cá está, estamos aqui para a luta e cheios de força para contribuirmos para a recuperação desta zona antiga. Tenho a certeza de que a Baixa vai superar o desalento. É uma questão de tempo. Se assim não fosse, se não acreditássemos, estaríamos cá de coração e alma? Venham visitar-nos. Como bons anfitriões que somos, contem sempre com um sorriso à vossa espera.”


UMA TROCA FELIZ

Há dias, durante a hora do almoço, encontrei o José Simão, funcionário da empresa Recolte, a lisboeta firma de resíduos contratada para a limpeza urbana da cidade, na Rua do Corvo na sua faina diária com a tradicional vassoura e pá na mão para a recolha de detritos. Até aqui tudo normal. O que me saltou à vista e deu origem a esta pequena crónica é o facto de se fazer acompanhar com um carro de duas rodas, em modelo igual ao de meados do século XX. Sabendo nós que a ERSUC, a anterior empresa concessionada, utilizava um grande aspirador a gasolina para o mesmo efeito, de repente, dei por mim a pensar se, nesta permuta de auxiliar máquina por força braçal, regredimos ou progredimos? Sem querer influenciar, cá para mim nem uma coisa nem outra. Trata-se simplesmente de uma troca (feliz) que cai bem numa zona velha e histórica.

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