quinta-feira, 12 de novembro de 2020

UM PONTAPÉ NO PRECONCEITO

  



Durante cerca de vinte anos, algumas vezes ao dia, passei pela mulher nas ruas estreitas. Trabalhando numa das lojas com o marido - ela é esposa de um empresário muito conhecido e com vários estabelecimentos na cidade que, recentemente, ficou muito doente. De olhos tristes e sempre inclinados ao chão, nunca no seu rosto vi um sorriso nem tal alma pareceu olhar para mim.

Durante esta semana deu para ver que o pensamento negativo acerca da senhora era transversal nos becos e ruelas em redor a um dos estabelecimentos, agora encerrado, do malogrado operador. Os colegas interrogavam-me: “sabes alguma coisa de fulano?”. Juntamente com o meu abanar de cabeça, perguntava: mas já interpelaram a esposa dele? A resposta era unânime: “nunca falei com ela, nem ela falou comigo. É uma pessoa antipática. Não fala a ninguém”.

Mentalmente, prometi a mim mesmo ir falar com a comerciante. Mais que certo iria levar para contar ao perguntar o estado de saúde do marido. Mas pouco importava, afinal a vida, na sua convivência diária, é um risco permanente. Para além disso, pontapés já levei tantos que até já tenho o traseiro com um calo maior que a careca de um meu amigo.

Pé-ante-pé, devagar, devagarinho, escolhendo as palavras mais adocicadas, lá fiz a abordagem. Para minha surpresa, a pessoa que estava à minha frente não tinha nada a ver com a outra que eu tinha formado em pré-conceito. Amável, com simpatia contida mas afável, falou comigo acerca do estado de saúde do marido como se fôssemos amigos de longa data.

Com a grande lição que levei, mais uma vez se prova que, repetidamente, não devemos confiar inteiramente nos nossos instintos.


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