quarta-feira, 18 de novembro de 2020

HISTÓRIAS MARCANTES QUE MARCAM A NOSSA VIDA

 

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Todos temos uma mãe, mas a nossa é, ou foi, a melhor do mundo. Tenho muita saudade da minha. Tanta que nem consigo quantificar. Que Deus a tenha em boa guarda, desde há quinze anos, em que a vi partir num dia cinzento de Inverno e de chuva copiosa.

O seu sorriso desbragado, algo libertino para uma esposa e mãe de cerca de setenta anos; a sua forma subtil de criticar algo que não concordava; sempre atenta ao seu rebanho e às suas necessidades mais ínfimas, era impressionante o seu lado imparcial e justo como tratava por igual os seus cinco filhos. Mesmo sem saber ler ou escrever, conhecia os números e somava as parcelas de cabeça. Dificilmente alguém a enganava nas contas. Tinha uma memória prodigiosa. Era uma mulher muito à frente do seu tempo.

Sem que o possa evitar, são muitas as noites em que a sua figura preenche os meus sonhos. Pressinto-a a falar comigo com aquelas “deixas” que me desarmavam completamente.

Como é normal, em cima de tantas virtudes, inevitavelmente, lá tinha a sua fraqueza, o seu maior defeito: sofria de hipocondria. Qualquer dorzinha, mesmo amável e serena, julgava ameaçar a sua existência e poderia ser perfeitamente o ranger da porta que divide a vida terrena e metafísica.

Quando sentia uma qualquer dor de cabeça alertava-me logo: tens de me levar ao Dr. Jorge Monteiro, o médico de muitos anos (actualmente denominado de família).

O clínico, homem calejado pelo sofrimento alheio e feito psicólogo pela experiência do tempo, quando via entrar a minha mãe no seu consultório logo afivelava ao seu rosto a máscara com o seu melhor sorriso e o abrir de braços que caracteriza o Cristo-Rei. Ainda ele estava a ensaiar a frase tradicional de triagem, “então, de que se queixa, Dona Rosa?”, e já a minha mãe, com imaginária metralhadora verbal em riste, o metralhava:

- Senhor doutor tenho muitas dores de cabeça, mais que certo vou morrer. Deve ser tumor cerebral, não deve?

No meio de um sorriso fechado mas simpático, aquiescendo, respondia o clínico:

- É sim, dona Maria!

E a minha mãe ficava à espera de uma longa lista de muitos medicamentos na receita. Mais que certo, o que lhe seria receitado eram placebos – substância neutra, que nem faz bem nem faz mal, para desencadear reacções psicológicas.

Mas se acaso o diagnóstico (feito por ela) não tivesse merecido a devida atenção e nada lhe fosse receitado, quando chegava cá fora, ao pé de mim resmungava impropérios a torto e a direito:

- Olha o grande cabrão... Que não me receitou nada! Grande filho da puta! Havia de ter as dores que eu sinto na cabeça num sítio que eu cá sei. Grande corno!”

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