segunda-feira, 3 de julho de 2017

EDITORIAL: OS ARTISTAS PODEM ESPERAR





Hoje foram as cerimónias fúnebres de Vasco Berardo, conhecido artista multifacetado em várias áreas como a cerâmica, escultura, medalhística e artes plásticas.
Há meses faleceu Mário Silva e há cerca de um ano faleceu Cunha Rocha, outro grande vulto das artes pictóricas. Sem particularizar, anteriormente outros grandes nomes se finaram. É nestas alturas que, enquanto cidadão e munícipe ligado profissionalmente ao oficio dos talentos, dou por mim a ser tomado de um sentimento de ingratidão por parte de Coimbra para com todos aqueles que isoladamente, como embaixadores culturais, levam longe o nome da cidade. Se a morte é o pano que se abate sobre o espectáculo da vida criativa, e aqui termina tudo, contudo, também em vida raramente os executivos da Câmara Municipal, enquanto órgão de governo local e de representação pública, tem uma homenagem simples, ou preocupação pelo seu estado financeiro, para estas pessoas. Individualmente, só lhes dá atenção se os visados atingirem uma notoriedade além fronteiras e amiúde ocuparem espaço nos media ou então se estiverem ligados aos partidos que compõem o governo da urbe. Para estes dois grupos, seguindo o exemplo do país, podem os seus nomes serem perpetuados em ruas, campos de futebol e bustos espalhados pela cidade.
No limite, pode perguntar-se: e porque raio há-de a autarquia diferenciar os artistas entre si e do comum dos cidadãos? Diferencia-os entre si, por que se associados, sabe-se, a edilidade concede subsídios ao seu desempenho. Portanto, não fazendo o mesmo enquanto criadores sozinhos, estou em crer, estamos perante uma discriminação negativa do particular e benefício exagerado para o grupo associado. O que separa o artista do comum dos cidadãos trabalhadores, no essencial, é que o primeiro é um visionário que só ele acredita no seu mundo encantado. É um Ser contraditório em potência. É um lobo solitário no meio da multidão. Afirma-se racional e é um emotivo de coração lacrimejante. Personagem algo mediúnico, transcendental e metafísico, sente-se um obreiro iluminado e, para manter viva a sua criatividade, se necessário, está disposto a morrer pelo seu sonho. Já o segundo, o trabalhador, faz o que for preciso para sobreviver. Ou seja, enquanto o verdadeiro artista é um personalista centrado numa linha de originalidade e acérrimo defensor da dignidade da pessoa humana e com esta singularidade, abdicando do lucro fácil, projecta a sua obra para a posteridade social, já o segundo, o vulgar artífice, buscando proveitos imediatos, tem uma ideia de massificação e, tomando a amostra pelo todo, não distingue o lindo do belo.

MAS, EXPLIQUEMO-NOS...

Todos sabemos que não vivemos num mundo perfeito, e se assim fosse, pela exacerbada perfeição perante um humano incompleto e imperfeito, logo seria tomado como defeituoso. No entanto, sendo cada um de nós um eventual revolucionário em potência -mesmo que seja no campo opinativo-, tomando consciência social de que não está tudo feito e que, enquanto cidadãos interessados, nos cabe ajudar a tornar o nosso meio melhor, podemos perfeitamente apresentar ideias. Se irão ser aproveitadas? Isso já é outra questão. Ora, o que quero dizer com isto é que, independentemente do seu grau de fama, os artistas enquanto vivos deveriam ser acompanhados, merecedores de apoio social local, e vistos com um outro olhar de grandiosidade cultural.
Aquando da sua morte, nas exéquias, o seu caixão deveria ser coberto com a bandeira da cidade. Para além disso, na subsequente reunião do executivo deveriam todos, sem excepção, merecer um elogio de louvor -tanto quanto julgo saber só alguns são mencionados depois da sua morte.
E mais ainda, deveria ser criado um mural em pedra, um recordatório, onde gravados na laje ficariam identificados para memória futura. Certamente locais apropriados não faltarão, mas, por exemplo, o Centro Cultural São Francisco, cujas paredes exteriores em mural abundam, poderia ser um local apropriado.
Valerá a pena pensar nisto?

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