terça-feira, 23 de setembro de 2014

O SENSEI (O MESTRE)





São 19h00, acabadinhas de bater na torre da Universidade e mais conhecida pela Cabra. Várias pessoas de escalões etários diferenciados, com um saco a tiracolo e em passo apressado, acorrem ao velho pavilhão do Estádio Universitário, na Guarda Inglesa, que ostenta na parede a inscrição “dojo” –que, em japonês, significa sítio do caminho, local onde se treinam artes marciais. Mais do que uma simples área reservada, é um lugar sagrado onde se entra descalço e o respeito, através de uma reverência, impera entre todos os praticantes, independentemente do seu grau de escala hierárquica. O termo milenar tem origem no Zen Budista, significando lugar de iluminação e onde os monges praticavam a meditação.
Lá dentro a azáfama é grande, vai começar o treino de Karaté Shotokan – Shotokan -a casa de Shoto-, é um dos estilos desta arte de defesa pessoal que surgiu dos ensinamentos ministrados pelo mestre Gichin Funakoshi (1868-1957), no arquipélago nipónico.
Ouve-se uma ordem disparada de uma voz bem timbrada e firme: “vamos formar!”. Quem ordena e fala assim é o Sensei –aquele que forma discípulos pelo saber acumulado na sua experiência-, o Mestre, José Arlindo Figueiredo Lemos. Quando pensamos num praticante de Karaté imaginamos um indivíduo alto e de grande robustez física, ora, paradoxalmente, José Arlindo é um “little man”, um homem pequenino, o mais baixo de todos os seus alunos seniores. Por que o conheço bem há mais de trinta anos, em contrapartida é uma pessoa de coração enorme, senhor de uma calma contemplativa assente na meditação espiritual, e de uma humildade e simplicidade impressionantes. As suas actuais sete dezenas de aprendizes, entre adultos e crianças, e os cerca de sete milhares que, ao longo dos últimos quarenta anos, receberam o seu saber, divididos já em três gerações, que atestem se há exagero na minha apreciação.
E vai começar a aula de formação tendo por base o desempenho corporal. No aquecimento prévio há homens e mulheres de todas as idades e estão a correr ao longo do salão e a dar os primeiros passos de combate (kumite) tendo em conta o treinamento de competição. Segue a Kata, conjunto de movimentos de ataque e defesa e realizados em conjunto. A ideia de que o Karaté é elitista e não é para velhos é profundamente errónea e que se deve repudiar. Basta fazer uma visita ao pavilhão. Aqui pode ver-se que nem a profissão nem a idade são barreiras para a prática deste desporto. Basta ver o Adriano Moura, comerciante, de 63 anos, passando pelo Pedro Monteiro, funcionário público, de 53, o Fernando Gil, estudante, de 22, a Cristina Lopes, estudante de música, de 30, o José Faustino, doutorando, e o Leonel Simões, funcionário público e agricultor, de 56 primaveras contadas.
Mestre Lemos nasceu em Santo António do Alva, Oliveira do Hospital, há 56 anos mas foi levado para Lisboa ainda recém-nascido. Porque estava na moda a cultura oriental, em 1969, com 12 anos, começou a praticar as técnicas vindas do país do Sol Nascente. Três anos depois foi para Tóquio onde conheceu e recebeu aulas de Karaté do grande mestre Masatoshi Nakayama. Entretanto regressado a Portugal foi contactado por um grupo de estudantes ligados ao CAC, Clube Académico de Coimbra, para desenvolver a modalidade na Lusa Atenas, que já existia. Nestes entrementes foi abordado pela direcção da Associação Académica de Coimbra (AAC) para dar continuidade à secção fundada em 1974 –faz este anos 40 anos- no Estádio Universitário. 
Mestre José Arlindo, durante muitos anos residente na Real República do Prá-Kis-Tão, na Alta da cidade, é 6.º dan –a modalidade inicia-se no nível prévio kiu, cinto branco, e vai evoluindo até 3º kiu. A partir daqui, tendo em conta as dimensões Prática (execução corporal), Teórica (interpretação mental), e Curricular, o praticante entra no nível avançado de graduação, que vai do primeiro ao décimo dan. Mestre Lemos não se vê a fazer outra coisa. O Karaté é o seu universo onde desenvolve três vertentes: a lúdica, a formativa e a competitiva –esta mais dirigida aos jovens, já que a existência é uma constante competição. Esta arte marcial enquanto filosofia de vida, cujo lema é “aprende a lutar para nunca teres de lutar”, aumenta a autoconfiança, a ética, no respeito intrínseco por quem está no chão, desenvolve a igualdade, no princípio de que todos os praticantes são potencialmente iguais, e a noção de justiça, na busca da rectidão e correcção do injusto para o justo.
Se está a pensar em incorporar esta grande equipa ainda está muito a tempo. As aulas para adultos iniciados começam no próximo 6 de Outubro e decorrerão às segundas, quartas e sextas-feiras, das 20 às 21h00. Para as crianças serão às terças e quintas-feiras às 17h45.
Parabéns, Mestre José Arlindo. Esta é uma singela homenagem que se pretende pública. A cidade deve-lhe muito por tudo quanto tem feito pelo desporto de Coimbra. Um grande abraço, meu amigo!

2 comentários:

Ana Afonso disse...

Sem duvida que esta é uma justa homenagem em que me revejo. O facto de o meu filho ter o privilégio de de com apenas 6 anos poder assimilar toda esta filosofia e ensinamentos deixa-me imensamente orgulhoso.
Os meus mais profundos agradecimentos aos Mestre José A. Lemos.
José Carlos Marques

João Silva disse...

Tive o privilegio de ser aluno deste grande mestre e grande homem, mais tarde, privar como amigo e dirigente da secção. Posso afirmar sem rodeios, que o mestre, o meu mestre, estará sempre presente na minha vida com todos os ensinamentos que me deu ao longo dos anos que partilhámos naquela secção. Não podia deixar de escrever umas palavras em tua homenagem, mais que justa, diga-se...Para ti Zé meu amigo, o meu muito obrigado, para ti mestre, OSS...