sexta-feira, 5 de setembro de 2014

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "ROMAL; O TERREIRO DE NINGUÉM", deixo também as crónicas "A JESUS O QUE É DE JESUS"; "UMA SEMANA DEPOIS AS CEBOLAS AINDA FAZEM CHORAR"; "REFLEXÃO: A BURROCRACIA"; e "O PCP PREOCUPADO COM O FUTURO DO COMÉRCIO LOCAL"; e "UM PROCESSO KAFKIANO".


ROMAL, O TERREIRO DE NINGUÉM

“Senhor Luís, não se pode estar na minha rua com tantos mosquitos, provindos do Largo do Romal, e ratos, que mais parecem coelhos, saídos de um prédio decrépito no Beco da Boa União”. Maria de Lurdes Sousa, moradora na Rua dos Esteireiros, está desolada com o abandono a que a Câmara Municipal de Coimbra votou o histórico largo onde, ao longo do último século, tantas fogueiras e bailes mandados ali foram realizados.
Quase a pegar-me na mão, pede-me para a seguir e aponta uma entrada esconjuntada de um prédio a cair no Beco da Boa União. Enquanto caminha aponta as muitas manchas negras no asfalto empedrado e diz: “este chão não é lavado há meses e meses!”. E entramos na antiga praceta. Lurdes aponta o cenário em frente ao Café “Zé Figueiredo” e ordena: “olhe para isto!”. O que se vê é um prédio entaipado, que ameaçou ruir em Fevereiro último e desde essa data para ali jaz enclausurado entre os andaimes perfilados a apontar o Céu. Mas o que indigna e enoja ainda mais o nosso olhar é um monte de areia cheio de lixo, excrementos e um cobertor velho. Segundo a minha guia, o amontoado de inertes, para além de auxiliar como retrete pública, serve também para rebolar corpos e refrear hormonas, o que, convenhamos, qualquer um destes espetáculos não é muito edificante para quem reside à sua volta.
Acompanhado de Lurdes Sousa, continuo a caminhar no Largo do Romal. Diz esta moradora: “há um mês dei conhecimento na sede da União das Juntas de Freguesia, mas até agora não fizeram nada! Há uma semana telefonei para a autarquia e mandaram-me ligar para o Algar, para o serviço de Higiene. E eu liguei, mas até agora o mesmo. Olhe para este chão, veja a altura da erva! Olhe aqui estas águas lodosas. Por favor, sinta como cheiram mal! Alguns mosquitos saem de aqui!” –e aponta um pequeno lago que até há uns tempos teve repuxos. Entretanto chega outra vizinha, a Maria da Glória, que tem um estabelecimento de costura mesmo em frente ao recetáculo esquecido e confirma que dali sai um cheirete desgraçado que prejudica o seu negócio.

O DEGREDO DE FIGUEIREDO

José Figueiredo, antigo presidente da Junta de Freguesia de Souselas, com o seu estabelecimento de comes e bebes, é quem está mais lesado com toda a inércia da edilidade. Talvez por que durante muitos anos foi autarca e conhece por dentro as dificuldades, o seu queixume é contido. “Este atraso nas obras do prédio está a prejudicar muito o meu estabelecimento mas eu entendo a demora. Quanto julgo saber, a revitalização do edifício vai ser englobada numa candidatura especial para o Centro Histórico. Compreendo que Manuel Machado apanhou o “menino” nos braços. O imóvel foi adquirido por Carlos Encarnação que se limitou a realojar os seus inquilinos e nunca mais ligou a isto. Nada me move de pessoal, mas a falta de limpeza e esta atmosfera de abandono dá uma imagem degradante. Este largo, que tanto respeito deveria merecer, parece esquecido no tempo. Olhe aqui esta boca de incêndio –e verifique a outra ali  mais à frente-, veja que está toda destruída. Foi a estudantada, há cerca de um ano, na Queima das Fitas. Não é minha intenção aborrecer ninguém mas tudo isto me deixa vulnerável. Você entende? O negócio já está muito mau! Estou a trocar comida por dinheiro sem ter lucro e só para fazer para as despesas –e nem sempre dá. Há meses que tenho prejuízo!”


A JESUS O QUE É DE JESUS

No cemitério de São Martinho do Bispo, na passada segunda-feira 25 de agosto, foi a enterrar António Luís da Costa Jesus, de 68 anos de idade. Era um instrumentista de guitarra e intérprete de fado de excelência. Várias vezes o ouvi e vi no Café Santa Cruz. Enquanto vivo e nosso companheiro nesta vida, creio, nunca falei com ele. O António nasceu na Baixa logo, mesmo se não tivesse uma grande história de ator em prol do desenvolvimento da canção coimbrã, só por isso teria lugar de relevo nesta página. À sua família enlutada, em nome do Centro Histórico de Coimbra e se posso escrever assim, o nosso sentido pesar. Como o conheci mal, vou dar a palavra a quem conviveu com ele de perto. Vou retransmitir o depoimento de Paulo Gonçalves, sócio trabalhador do Café Santa Cruz:
“Vou para sempre guardar na memória a sua entrada, ao transpor a porta, aqui no café, enquanto cliente, amigo e impagável dinamizador do fado, ou canção de Coimbra, no nosso vetusto estabelecimento. Quando chegava, eu interrogava: amigo Jesus, como está? Acompanhado de um sorriso contido, numa resposta repetida desde há muitos anos atrás, enfatizava: “vai se indo! Vai-se indo!”.
Tocou no Café Santa Cruz até há cerca de um mês, e já bastante doente. Certamente um pouco fragilizado pela falta de saúde, depois da atuação comentava comigo: “Paulo, hoje custou-me um pouco. Até me doem os dedos!”
Para além de ter sido um bom executante de guitarra e viola, era muito nosso amigo. Ajudou imenso a desenvolver o nosso fado, aqui no café. Durante cerca de seis anos, quando vinha, com o seu grupo, atuar, eu sei, eu via e pressentia, o senhor Jesus tocava com alma! Era um apaixonado pelo café Santa Cruz! Ele gostava tanto da canção de Coimbra e da sua história que, mesmo não falando línguas estrangeiras, mandou imprimir um panfleto em francês e inglês e, lendo, explicava com uma ternura e pronúncia que ninguém diria que ele não dominava o verbalizado. Foi uma pessoa que passou nesta casa e deixa uma marca indelével que não desaparecerá tão cedo. O Café Santa Cruz está de luto! Onde quer que esteja, um enorme bem-haja!”


UMA SEMANA DEPOIS AS CEBOLAS AINDA FAZEM CHORAR

A Feira das Cebolas terminou no domingo passado, dia 24 de Agosto. Hoje, segunda-feira, primeiro de setembro, os inestéticos barracões, como sentinelas a guardar um largo esquecido, lá permanecem na Praça do Comércio. Para além do estafado argumento de que no âmbito de reconhecimento de Coimbra Património Mundial é preciso haver um maior cuidado com tudo o que nos rodeia na paisagística, este abandono raia o incompreensível. Repare-se que, já por si mesmo, os ditos cujos barracões são mais feiinhos que o raio que os parta. Já há muitos anos que venho a escrever que esta Feira das Cebolas deveria ser pensada de outro modo e com outra dinâmica e, sobretudo -por amor da Santa, da padroeira, por exemplo- aqueles absurdos stands deveriam ser substituídos. É certo que fazem “pendant” com as estruturas dos vendedores “ambulantes”. Isto é verdade! Mas, se calhar, modificava-se uns e outros e dava-se outra dignidade à ancestral praça mercantil.
Fixando-me novamente nos casarões, pouco importa se a propriedade é da Câmara Municipal de Coimbra ou do Grupo Folclórico os Camponeses de Vila Nova, de Cernache –esta agremiação é a promotora da antiga feira de São Bartolomeu. Sem ofensa para o responsável agora, os nossos vereadores locais viajam pouco. As feiras que se realizam na zona da Baixa são repetidas até á exaustão e há muito que precisam de alterações substanciais. Até agora, só mudaram os dirigentes. O atual, e se aceitar a sugestão, que saia da Praça 8 de Maio e, por exemplo, vá até Berna, na Suíça, e verifique como se faz lá a Feira da Cebola. Naquela República Federal composta por 26 estados, para além de estar dividida por todo o casco histórico, é um espetáculo de criatividade e arte. Como gosto de participar na cidadania e calculo que o edil responsável tão depressa não se poderá deslocar ao país helvético, deixo aqui o endereço eletrónico para poder aceder, na Internet, ao fantástico certame: http://www.nature-jardins.com/bellesimages/zibelem%E4rit_Bern_suisse.pdf.

REFLEXÃO: A BURROCRACIA

Ficámos a saber, nesta última terça-feira, pelos diários da cidade, que o concurso de adjudicação do Café Cartola, na Praça da República, foi anulado por vício processual. Até aqui, embora se lamente e alguém deva ser responsabilizado por isto, penso eu, tudo mais ou menos normal. Se eu transcrever a notícia publicada do facto deste espaço camarário ter sido concessionado pela importância de 12 mil euros continuo a chover no molhado. Até agora nada tem de importante que requeira dois olhares ou faça saltar os olhos do leitor.
Imaginemos, eu escrevia que o penúltimo concessionário deveria pagar, por contrato, cerca de 1500 euros mensais e, alegadamente depois de ter cravado a autarquia com uma insolvência, não pagou e, segundo a imprensa, foram-lhe perdoados vários milhares de euros. Imaginemos ainda que continuava a escrever que, depois de novo concurso, ao último adjudicado foi atribuído o negócio por cerca de 14 mil euros e também não cumpriu. Ficaram em débito cerca de 100 mil euros e com uma caução de trinta mil –ou seja setenta mil vai pagar o “Zé”. Perante estes desaires, não é preciso ser empresário espertalhão para verificar que, perante os valores incomportáveis a raiar o escândalo, estamos perante uma espécie de visão de óptica e seguida de poço da morte. Ora o que fez novamente o executivo camarário? Numa irresponsabilidade, voltou a abrir concurso e aceitou uma oferta de 12 mil euros. As perguntas são simples e diretas. A primeira: quem é o especulador e louco? O empresário ou a autarquia? A segunda: será que os senhores vereadores e presidente incluído não teriam perdido o bom senso e estarão a brincar com o nosso dinheiro?


O PCP PREOCUPADO COM O FUTURO DO COMÉRCIO LOCAL

Numa ação que é de relevar, o PCP, Partido Comunista Português, encabeçado pelo vereador local Francisco Queirós andou na Baixa, na quarta-feira passada, com um grupo de trabalho para ouvir os comerciantes sobre o provável impacto da próxima abertura de uma nova superfície do Modelo e Continente na área da Auto Industrial e já licenciada pelo executivo municipal. Acrescento que, para vergonha de outras forças políticas, não é de estranhar o PCP mostrar esta preocupação. Desde há muitos anos que este partido de esquerda é o único a mostrar inquietação com a tragédia anunciada, continuada desde há vários anos, e eminente. Desde deputados a economistas, os comunistas, volta e meia, vêm saber o que passa na zona histórica. Podem até nem conseguir tocar o Governo, mas a disponibilidade manifestada toca o mais insensível. Não é isso que se espera de um partido político de oposição?
Uma grande salva de palmas para o PCP e para quem tem e conserva alguma sensibilidade social e tenta pelo menos erguer a voz na defesa dos pequenos e pequeníssimos empresários.


UM PROCESSO KAFKIANO

“Vinda do outro lado do mar, de Cabo Verde, decorria o ano de 2007 quando cheguei à cidade dos estudantes para estudar na Faculdade de Direito. Tinha 20 anos e trazia a bagagem carregada de sonhos. Quis o destino que me apaixonasse perdidamente por um rapaz de uma cidade do interior e quase vizinha de Coimbra. Com seria de prever, foi-se o curso e as imaginações passaram a incidir no pequeno ser que crescia no meu ventre. Estava muito feliz. Para além de um companheiro, ganhei também uma nova família já que, contrariando o meu temor de ser repelida por ser negra, parecia ser muito querida pela minha futura sogra. Amiúde me dizia que, pela minha forte personalidade, eu tinha sido um anjo bom que apareceu nas suas vidas para salvar o filho do álcool e do tabaco. Nasceu a minha pequenina e fomos morar para a terra do meu amor. Depressa me apercebi do controlo cerrado da mãe do meu marido, sempre a querer meter a colher na nossa intimidade, e que ele, frágil de condição, não se revelava para defender a nossa relação. Depressa vi que o melhor seria retornarmos a Coimbra e aqui arrendar uma casa. Mas nem assim a mulher, como espírito maligno de encosto, descolava da nossa privacidade. Recorrendo algumas vezes a ofensas e ameaças à minha pessoa, a relação foi esfriando e contagiando tudo à volta. Depressa o amor lindo que nos ligava, a mim e ao filho, se derretia como gelo fustigado pelo sol. E separamo-nos. Durante dois anos nem o pai da minha criança nem a sua família quiseram saber se eu podia alimentá-la, nunca se preocuparam, ou se estava bem de saúde, até porque sabiam que ela tinha nascido com problemas de desenvolvimento neurológico e que precisava de cuidados continuados.
Como tenho visto de residência, há dois anos pedi autorização para ir a Cabo Verde acompanhada da minha filha. Foi então que o Tribunal de Menores convocou o meu-ex-companheiro. Para minha surpresa, diante do juiz alegou querer ficar com a nossa filha à sua guarda. Perante o manifesto descuido anterior de desamor paternal, o magistrado negou a pretensão, estabeleceu visitas e impôs uma pensão de alimentos. Como naturalmente procuro que a minha filha cresça com o afeto de pai e mãe, cumpri sempre e até fui facilitando para que o meu bebé se fosse adaptando ao pai. Há dois anos tive um pequeno sobressalto. Com o meu consentimento, levou a nossa filha para férias e, durante uma semana, não me atendeu o telemóvel. Depois de alegar que o tinha perdido, veio a segunda inquietação: a minha ex-sogra propunha pagar-me para eu prescindir dos meus direitos maternos. Por todos os meios e mais alguns, tentou convencer-me para que a sua neta ficasse a morar de vez na sua casa. Logicamente que neguei tal vontade. Só quem carrega carne da sua carne na barriga sabe o quanto isto pode ser insultuoso. Mas deixei passar.
Com o acordo do Tribunal, no ano transato a minha menina foi passar quinze dias de férias com o pai e os avós. Quando regressou começou a ter incontinência urinária. Achei normal. Quem sabe a mudança de ambiente pudesse ter implicação, pensei. Como se prolongou, fui ao médico pediatra e este especialista confirmou de que nada de anormal se verificava. Mesmo assim receitou uns comprimidos e recomendou que desse menos líquidos à noite. Na continuação, ora desaparecia ora regressava a intemperança. Por alturas do último Natal, mais uma vez, a avó voltou à carga para eu deixar ir a neta viver com eles. Argumentava que a menina teria um futuro melhor na sua companhia do que no meu. Invoquei que, à custa de muito trabalho e esforço, tenho a minha casinha e, mesmo vivendo só, a menina está muito bem acompanhada e frequenta o infantário na parte alta da cidade.
No último dia 31 de Julho vieram recolher a minha filha para ir com eles para férias. Ficou acordado que passada uma semana trariam a menina para eu poder aguentar a separação. Como não cumpriram, comecei a ser confrontada com desculpas esfarrapadas. Como sabia que a minha herdeira estava bem coloquei alguma preocupação mais afoita de lado.
Na última segunda-feira, dia 18, no estabelecimento da Baixa onde trabalho, recebi a visita de dois agentes da PSP com uma notificação exarada pelo Ministério Público (MP). Dizia que em virtude dos indícios de abusos sexuais, descontrolo urinário, indicação de infeção urinária e comportamento de índole sexual, se afastasse a criança da área de risco e que a sua guarda seria concedida provisoriamente ao pai. Acrescentava ainda a intimação que a menor tinha indícios de ter sido abusada pelo companheiro da mãe. Assim, sem mais nem menos! Não procurou saber o MP que desde que me separei vivo sozinha. Não quis saber o delegado de que a menina se encontra com os avós desde 31 de Julho. Com a alegação jurídica da superior proteção da criança, como ficam os meus direitos de mãe ao saber que, se houve algum mau trato, a minha filha foi devolvida, presumivelmente, ao seio da agressão? Terá o delegado da Procuradoria da República noção da maldade e injustiça que me está a infligir?”

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