terça-feira, 16 de julho de 2013

MANUEL MACHADO EM ALMOÇO DE FAMÍLIA (2)




Por Arnaldo, Ver-p’ra-além-da-opacidade
(Sempre presente em todo e qualquer almoço desde que convidado)


  Voltando atrás no tempo, prossigo então a narrativa interrompida, ontem, por falta de vontade de trabalhar -que nisso não saio ao meu pai, que Deus tenha em boa guarda- e não querer fazer horas extraordinárias para o boneco. Então, hoje, façamos de conta que é ontem. Estou sentado na bonita sala do Restaurante Paço do Conde, em plena Baixa da cidade, no almoço de Manuel Machado, candidato à Câmara Municipal de Coimbra pelo Partido Socialista. Para além do “Manel”, estão presentes no repasto cerca de umas trinta pessoas. Nestas, uma dúzia serão comerciantes da Baixa.
Já passei pelas entradas, o couvert, e agora estou a começar a atacar uma deliciosa espetada de carne. Gosto de olhar os rostos. Tenho a mania que através deles consigo ler a alma. Cisma está de ver. Vou concentrar-me na face de Manuel Machado. Vou tentar ler os seus pensamentos. Não sei se consigo, está muito barulho. Shiu! Deixem-me concentrar. Estou a apanhar qualquer coisa. Estou a entrar na cabeça do candidato:
coitados destes comerciantes. Quem os viu e quem as vê! Olha o Veiga, está velhote! Olha o Arménio, tem um ar fatigado. Olha o Armindo, está muito acabado, carago! Já estou a ver que mal finalizem a sobremesa vão atacar-me. Talvez não! As pessoas nunca dizem totalmente o que pensam. Com receio, deixam sempre para trás o que pode ofender e magoar. O mais certo é falarem dos seus problemas e virarem os seus queixumes para a autarquia. Afinal já larguei aquilo há doze anos. Fiz tudo bem? Não, não fiz. Sobretudo os primeiros licenciamentos do Continente e da Makro, em 1993, foram assinados por mim e, nisso, me penitencio. Mas era o tempo da descoberta do consumo. Era a fase do renascimento de Coimbra. Havia um estranho sentimento no ar de que a cidade estava adormecida e precisava de acordar e se balouçar para o futuro. Havia uma unanimidade na colectividade de que não se poderia fechar as portas ao desenvolvimento. Perante os dados de que dispunha agi em conformidade. Perante o conhecimento circunstancial, fiz o que tinha a fazer. Se fosse hoje fazia igual? Naturalmente que não. Sei muito bem a consequência para o comércio tradicional, e para a economia em geral, no que deu os licenciamentos em larga escala para a abertura de grandes superfícies. Mas passou uma dúzia de anos. Agora é muito fácil avaliar os danos causados. Deveria ter sido mais cauteloso? Se calhar! Mas e adivinhar? Eu pensei que estava a fazer o melhor para a cidade. O poder, embora efémero, causa sempre deslumbramento e uma sensação de impunidade e irresponsabilidade na decisão. Sendo justo, os que vieram a seguir, certamente, também teriam pensado igual. Mas este assinar de cruz fez muitas vítimas. Eu sei. Naturalmente que não o posso dizer publicamente. No mínimo, quem sabe?, talvez eu afirmasse que lamento sinceramente. E lamento mesmo! Por conseguinte, até entendo que hoje estejam aqui, neste almoço, tão poucos profissionais do comércio. Já o facto de não ter os apoiantes fortes do partido, aqui, já me custa um bocado a engolir. Eu não me escolhi. Escolheram-me. Eu fui a reserva que se busca em caso de aflição. Convidaram-me porque não tinham mais ninguém capaz de derrubar os gajos da direita. Como militar de carreira na reserva, aceitei sem pestanejar. Bem sabia que a minha escolha não era unânime. Eu sabia. Além de mais os meus amigos mais chegados –que não são muitos- avisaram-me do risco que estava a correr. E, pela sua sinceridade, lhes ficarei para sempre muito grato. Se eu não aceitasse quem daria a cara para o confronto eleitoral? Quem? Pois essa é mesmo a questão. Havia a Helena, uma rapariga que gosto muito, generosa, honesta, simples e bela como poucas. Era uma boa aposta, mas não aceitou. A não ser ela, não estou a ver mais ninguém para avançar e com possibilidades de ser bem-sucedido. Vai fazer parte da minha propositura no executivo. Ainda não sei muito bem, mas provavelmente vai ser a minha vereadora da cultura. Há também o caso do Carlos. Um bom amigo, um bom ajudante de campo. Sempre disponível para ajudar. Há o Jorge, outro camarada sem igual. Foi por eles que me atirei a esta empreitada. Dentro de dias vamos apresentar as listas, já deveria ter sido. Ainda ontem estive a falar com o “Tó Zé”. Temos de acelerar. Vai ser difícil apear os gajos! Este tipo, o Barbosa, tem boa imagem. Mas também tem pontos fracos. É um professor habituado a dar a cátedra sem sair do pódio. Falta-lhe o lado popular de se conseguir misturar com as massas, com o povo. Embora eu também seja um bocado reservado, lá isso sou, eu conheço-me, mas facilmente penetro numa tasca e bebo um copo com um qualquer. Mas tenho uma grande mágoa de os meus camaradas não me acompanharem nesta minha missão. Eu entendo. Claro que entendo. Isto é um tabuleiro. Um jogo de poder, onde cada um, individualmente, tenta mostrar a sua melhor carta de trunfo para, no futuro, com ela poder jogar melhor e entalar o outro. O que sei é que estou nisto, nesta campanha, com a maior abertura e sinceridade. Vou ser bem-sucedido? Sabe-se lá? Em política não há favas contadas. O mais certo é o que parece não ser. O que sei é que, numa entrega sem limites, estou a fazer o melhor. Tal como em 1993, estamos novamente num tempo de mudança. Agora não é apenas Coimbra que espera um novo renascimento, é o país. Se eu puder fazer parte desta nova revolução, cá estarei. A ver vamos!”

Estou estoirado completamente! Esta coisa de ler mentes deixa uma pessoa completamente nas lonas. Vou descansar. Talvez amanhã, se Deus Nosso Senhor me ajudar, conte o que falta contar do almoço do candidato.

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