sexta-feira, 12 de julho de 2013

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "REFLEXÃO: ACICATAR", deixo também as crónicas "UMA SEXTA-FEIRA NEGRA... DEPOIS DE AZUL";  "A ÚLTIMA GRANDE VIAGEM DO MAGALHÃES"; e "PATRIMÓNIO DA DESUMANIDADE".


REFLEXÃO: ACICATAR

 O Diário as Beiras do último dia 9 falava disto mesmo em título. “ACIC ameaçada por penhoras vê os seus funcionários pedirem rescisão de contratos”. Para quem não souber ACIC é a sigla de Associação Comercial e Industrial de Coimbra. Está na falência. E depois? Interrogamos. O problema, ainda que gravíssimo para os seus credores, é que a sua direção faz lembrar o filme Titanic. Enquanto o barco se afunda o comandante e a tripulação, para ofuscarem o desastre eminente, dançam alegremente no salão. Só assim se pode entender com os consecutivos concursos de vinhos medalhados a ouro e muita hipocrisia dos convidados.


UMA SEXTA-FEIRA NEGRA… DEPOIS DE AZUL

 Encerrou a semana passada o restaurante Blue Friday Club, no Edifício horizonte, ao fundo da Rua Direita. Vinte meses depois, passando por cima de um investimento avultado, e de um sonho gorado, este estabelecimento de hotelaria claudicou. Para além dos patrões, pelo menos quatro funcionários foram para o desemprego.
Em Outubro de 2012, em entrevista para o blogue, o proprietário investidor capitalista, na altura em sociedade com um sócio trabalhador, quando lhe perguntei se acreditava na regeneração da Baixa, retorquiu assim sem pestanejar: “não tenho dúvida! Esta vai ser a zona do futuro. Aqui está o amanhã dos nossos filhos!”
Como salvaguarda, ultimamente várias pessoas se me tem dirigido a criticarem o facto de os meus escritos serem muito “carregados de dor”, demasiadamente pouco otimistas. Estou a lembrar-me de uma minha amiga que vai abrir um negócio proximamente e, perante os meus alertas de muito cuidado, me replicava: “Bolas, senhor Luís! O senhor está muito pessimista! Temos de ter esperança!”
Entendo perfeitamente o facto de partimos para uma aventura cheios de força. O mal seria se estivéssemos derrotados logo a começar, mas, diz o povo, cuidados e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Também é verdade que me sinto sem alento e com pouquíssima fé no futuro desta Baixa –confesso que sim, também e sobretudo, derivado a alguns problemas familiares que atravesso e, juntando ao que assisto à minha volta, mantenho-me quase sem forças. Juntando tudo, quando assim acontece, não há otimismo que resista.
Cada vez mais é necessária temperança nas pessoas que, investindo o que têm e não têm, legitimamente procuram ganhar a vida com dignidade. Estou farto de escrever textos a chamar atenção para este facto. Estão acontecer falências demais aqui no Centro Histórico. Jovens e pessoas de meia-idade que apostaram tudo numa única cartada e, como gelo que se transforma em água, veem a sua vida ir para o charco. Ainda a semana passada escrevi aqui uma crónica sobre os maus investimentos que estão acontecer nesta zona. São feitos sem pensar nas consequências futuras. Em parte por uma ignorância assente em falsos pressupostos, não olham à renda e aos custos fixos dos projectos que pretendem encetar. As tragédias estão à vista de todos. Para além de uma notória omissão de quem deveria aconselhar estas pessoas, há muita irresponsabilidade por parte de quem está a abrir um estabelecimento.
Apenas como exemplo, e para melhor se entender, vou voltar ao Blue Friday Club –e vou tentar não parecer um moralista armado em sabichão. Há cerca de 18 meses, segundo me contou na altura o empresário, a renda andava muito próximo de 3000 euros mensais –sei que atualmente, num ato de boa-vontade do senhorio que viu o desastre antecipadamente, o montante já estava em pouco mais do que 1000 euros. Mais ainda, foi-me dito também na altura pelo gerente do restaurante que haviam sido gastos cerca de 100 mil euros na decoração do estabelecimento. Que me perdoe o senhor, mas coisas destas não podem acontecer; são demasiadamente levianas para ocorrerem. Mais ainda, terá lógica criar um restaurante, com uma apresentação fantástica e com uma área fora do comum, numa zona decrépita, com prédios a cair, e onde os toxicómanos, agora mais do que nunca, estão a dar imensos problemas a toda a zona envolvente com assaltos nocturnos a pessoas e bens? No limite, se calhar, até fará sentido uma casa destas, outras e outras mais, numa zona degradada. Mas, para isso, seria preciso que vivêssemos numa cidade, de um país, preocupada com quem investe e tudo aposta. Acontece que não é assim, todos falam na criação de emprego, mas apoio verdadeiro, em assessoria técnica, informação e desoneração de impostos para pequeníssimas empresas, não há. Os resultados estão ao virar da esquina.
E mais ainda: por mais culpas, na negligência, que se atribuam aos que tentam abrir um negócio, o Estado, essencialmente ao não garantir o cumprimento da segurança pública que deveria estar obrigado, está a ser o coveiro destes pequenos empresários. Até quando?


A ÚLTIMA GRANDE VIAGEM DO MAGALHÃES

 Nesta última terça-feira foi a enterrar o Manuel Magalhães, da desaparecida Sapataria Reis, na Rua Eduardo Coelho e com frente para o Largo da Freiria. Com 74 anos, sei que há pouco tempo tinha sido intervencionado nos Hospitais da Universidade e, devido à Diabetes, teria sofrido a amputação de uma perna.
O “Manel” da Sapataria Reis, como era carinhosamente conhecido por aqui, pela Baixa, com muito pesar, faz parte de um leque de profissionais que trabalharam toda a vida no comércio –em criança, entraram sem nada e saem de mãos vazias- e, devido a várias peripécias –sobretudo, pelas políticas destrutivas e de abandono a que a venda tradicional foi votada- acabam muito mal. Pelo respeito que este meu vizinho sempre me mereceu não devo aprofundar mais esta análise. Mas é com uma imensa revolta que, mais uma vez, com tristeza, vejo um homem que se dedicou completamente, com alma e coração, a comerciar -mais um caso, entre tantos, infelizmente- partir sem orgulho e sem glória.
Para além de ter sido comerciante, o Magalhães foi um grande atleta do Sporting Nacional, hoje ainda com instalações decrépitas no Largo da Freiria. Para quem o conheceu bem fica a saudade da sua sapataria Reis aberta ao público, a sua própria projeção –repare-se que após dois anos do fecho do estabelecimento o “Manel” desistiu também de viver- e a quem dedicou toda a sua existência. Fica a recordação de tantos jogos de moeda que numa vozearia efervescente, em “uma… três… cinco”, ecoavam em redor do Largo da Freiria. Se na altura, para muitos, aqueles gritos eram inapropriados, para mim, sempre foram apanágio de vida, símbolos de uma cidade que, através do pregão e destas manifestações, recusava morrer. Com a viagem do Magalhães a antiga rua dos Sapateiros fica mais sozinha e em silêncio; com a sua partida vai-se um pouco de nós; memórias de um tempo que, tal como ele, não voltará mais.
À sua família, nesta hora de incomensurável dor, um grande abraço de solidariedade. Nós, vivos, colegas comerciantes e muitos amigos, que por cá caminhamos ainda até um dia, fazemos votos para que o “nosso Manel” finalmente descanse em paz.


PATRIMÓNIO DA DESUMANIDADE

 São 10h00, nesta última segunda-feira dia de todos os homens, acabadinhas de bater na torre sineira da vetusta Igreja de Santa Cruz. A Praça 8 de Maio, onde está implantado este templo construído no princípio da nacionalidade e edifício arquitetónico dos mais importantes de Coimbra, está a começar a espreguiçar-se e a abalançar-se para o começo de um novo dia. O sol, luz ante luz, vai crescendo a abocanhar todos os recantos ensombrados.
Como malandro que usa e abusa do aforismo “vale mais quem Deus ajuda do que quem muito madruga”, esta parte da cidade começa a trabalhar tarde e vai para a cama cedo, como as galinhas. O movimento de passantes é ainda incipiente. Como é hábito, os poluidores de esquinas e do chão com cascas de amendoim, trabalhadores incansáveis, são os primeiros a assentar arraiais no antigo adro. Um velho comerciante, passa em frente à catedral. Para por segundos, faz o sinal da cruz sobre o peito e, hesitante entre penetrar na casa de Deus e Panteão Nacional sarcófago dos nossos primeiros Reis ou continuar em peregrinação para a sua loja a acreditar num bom negócio -que há-de surgir como milagre, se Deus Nosso Senhor quiser-, acaba a prosseguir o seu caminho. É possível que a sua escolha na vontade não fosse feita totalmente de forma racional. Provavelmente o grande furgon, de cor amarela das batatas fritas Lay’s, que, em presuntiva provocação ambiental, estava estacionado em frente e assombrava a reputação e quietude do memorial histórico, tivesse responsabilidade na opção do reputado homem de negócio. Mas também não ligou muito ao monstro de ferro que de forma abusiva e intrusiva barrava o seu olhar. Comerciante, mesmo com disponibilidade, agora mais do que nunca, não tem vagar para pensar em mais nada a não ser na sua salvação; a profissional, na razão de que está cada vez mais difícil aguentar; a terrena, porque o tempo já escasseia e está no epílogo da vida; e a eterna, porque, vale mais acautelar, não vá depois o Criador, como juiz parcial e tendencioso, ajustar contas e levar à letra tudo o que de menos bom se fez por cá.

Nas ruas estreitas o lixo, como monumento ao desperdício, apatia e deixa correr de um citadino e parte de um povo que não tem emenda a não ser pela coima, amontoava-se em tudo quanto era ruela, beco e viela estreita. Incluindo os mandatados para a responsabilidade da função, poucos se importam com esta afronta visual. Num estranho serviço, quase em contraposição, o Abílio, funcionário camarário, como jumento que puxa uma carroça, estava feito um humano transformado em máquina que se limita a fazer a sua programação diária. Num barulho prolongado, de zooonnn, arrastava o enorme aspirador em busca de beatas e papelinhos deixados por transeuntes mal formados e sem educação que ninguém em tempo útil ensinou e agora já é tarde. Disto tudo, deste marasmo conspirativo, não se saberá o que pensaria o funcionário desta surpreendente tarefa de recolher partículas no chão da calçada quando estava rodeado de entulho grosso abandonado –e será que a maioria admite que o homem que recolhe lixo até pensa como gente? Nesta sociedade formada por estereótipos e quadros discriminatórios lá imaginará que o Abílio, para além da sua função rotineira, também tem cérebro e vida como qualquer um de nós? Para muitos, uma pessoa apenas vale pela gravata que usa e pelo lugar estatutário que ocupa. É assim como avaliar um livro, na sua história e escrita, pelo nome sonante do autor e pela capa.
Mas, agora me lembro, eu estava a escrever sobre a Baixa e a sua recente classificação de material Património Mundial. Porque será que descambei na imaterial desumanidade? Nem sei bem. Às tantas, estes mentais desvios disfuncionais terão a ver com a vaga de calor que nos assola. É a canícula! É a canícula!

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