Li com atenção, no Diário de Coimbra (DC), as declarações de Sidónio Simões, Director do Gabinete do Centro Histórico da Câmara Municipal de Coimbra, enquanto convidado para falar sobre a “Área central da cidade de Coimbra –Potencialidades e debilidades ao nível do comércio e serviços”.
Confesso que não me surpreende a sua posição demolidora em relação aos lojistas e, em particular, ao apelidá-los de individualistas. Eu já o tinha constatado, há cerca de dois meses, aquando da apresentação da nova direcção da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, no Salão Nobre da Câmara Municipal. Também aí, nessa apresentação, tal como agora ao ler as suas declarações no DC, fiquei com uma dúvida: O senhor engenheiro, enquanto funcionário, representa apenas a autarquia? É que nessa reunião do Salão Nobre, em minha opinião, em face do seu exagerado protagonismo, este senhor defendia acerrimamente a ACIC e a Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra. Ora bem, enquanto parte interessada no futuro da Baixa, é legítimo que defenda estas instituições. O problema é quando as suas intervenções vão ao ponto de substituir e apagar completamente o presidente do Agência, senhor Armindo Gaspar, e o presidente do Sector Comercial, Senhor Arménio Pratas, ambos presentes nessa noite, no Salão Nobre. E isso aconteceu realmente.
Mesmo aqui, nas declarações prestadas no Colóquio enunciado e transcritas no DC, é notório a invasão e extrapolação em áreas fora da sua competência, sobretudo quando afirma que “a ACIC fez uma proposta de cursos, que foram um êxito noutras cidades, aos comerciantes, mas só dois é que se inscreveram; temos (sic) curso de vitrinismo para arrancar, mas precisamos, no mínimo, de oito pessoas e só temos quatro”.
Vamos por partes: É verdade que os comerciantes são profundamente individualistas. Já o escrevi neste jornal e concordo. Porém, não é por esse facto, como parece querer transparecer, que se lhes pode assacar todas as responsabilidades da falência dos Centros Históricos e nomeadamente o de Coimbra.
Comecemos pela pouca aderência ao projecto da Agência para a Promoção da Baixa: esta ideia foi apresentada, em 2002, numa assembleia, na ACIC, por Paulo Ramos, da Românica. A partir daí, começou a ser trabalhada dentro daquela Associação Comercial, com a participação directa do seu criador. Passando à frente alguns episódios que não interessam aqui, passaram 5 anos de gestação, e resultados do Condomínio da Baixa continuam a não ser visíveis. O único facto saliente são umas bandeirolas pregadas ao lado dos estabelecimentos aderentes. Como quererá o senhor Director que os comerciantes acreditem neste projecto, sabendo que os dogmas estão em declínio, se nada se vê em concreto? Acusa-os de não ajudarem? Ajudarem como? Saberá o senhor Director as dificuldades porque passam os comerciantes? E irão continuar, ainda hoje o Diário de Notícias refere que até 2010 estão projectados 90 novos “shoppings”. Todos assistimos impávidos ao “genocídio” do comércio tradicional.
Em relação a um estudo que refere que a Baixa tem mais potencialidades que a Solum; tem (teria) se fossem explorados convenientemente os seus recursos, tais como o património religioso e laico, e se fossem desenvolvidas políticas e acções coerentes com o interesse do Centro Histórico. Acontece que não são. -Este estudo foi apresentado no Salão Nobre da autarquia, em 5 de Junho, deste ano, por Henrique Albergaria, do Instituto de Estudos Regionais e Urbanos, sobre o lema “Baixa de Coimbra que Futuro? Estratégias de Revitalização Comercial” e inserido num projecto comunitário “Urbe Viva”, em que engloba várias cidades, como Bolonha, Pádua, Veneza, Patras e Santa Cruz de Tenerife. Este programa comunitário surgiu da necessidade de revitalizar os centros das cidades, em face do seu acelerado declínio.
Só para lhe dar um exemplo de políticas contrárias à revitalização do Centro Histórico: há vários prédios entaipados há mais de um ano, com obras embargadas sob a alçada do IPPAR, agora IPHAN.
A falta de residentes é outro problema que refere. Indirectamente, o senhor Director sabe que os PDM’s em diarreia têm sido um dos factores da diáspora. Assim como os continuados Regimes de Arrendamento Urbano anacrónicos, com rendas de miséria, têm contribuído para o abandono do edificado e para este esvaziamento. E as Câmaras Municipais, nomeadamente a de Coimbra, não podem, depois do mal feito, agir em contraciclo? Podem, e não o têm feito. Em 2005, foi feito pela Universidade de Coimbra um Estudo de Diagnóstico (SIGURB), que consistia num estudo exaustivo de todos os prédios da Baixa, incluindo as suas patologias. Custou à autarquia um milhão de euros. Ou seja, a autarquia , possuindo todos os dados referentes ao edificado do centro histórico deveria envolver-se directamente, contactando, caso a caso, os proprietários das casas vazias, no sentido de os convencer a arrendarem os seus locados. Deveria discriminar positivamente o IMI, à taxa zero, todas as casas de arrendamento no Centro Histórico para trazer novos residentes. Tudo continua na mesma como a lesma.
Se a CMC estivesse verdadeiramente interessada em trazer novos locatários para a baixa, poderia disponibilizar os projectos de obras e licenciamento gratuitamente. Há imensas casas vazias na baixa, por cima das lojas, sem acesso exterior aos estabelecimentos. Outrora eram armazéns dos comerciantes. Ora, só com a implicância directa da autarquia, no sentido de facilitar, se pode e deve resolver este problema, aparentemente sem solução. Actualmente, o único facto palpável que se vê é a oferta das tintas para pintar as fachadas. É muito pouco.
Se permite a opinião, em vez de direccionar a sua frustração nos comerciantes, talvez em catarse, porque não se questiona se tem feito tudo o que deve e o que está ao seu alcance para os ajudar e, todos juntos, revitalizarmos o Centro Histórico? Sem o esforço de todos não é possível manter os centros das cidades vivos. Concordo consigo que o interesse individual terá obrigatoriamente de dar lugar ao interesse colectivo, porque só no âmbito deste é possível salvar o individual. Ora esta mudança de mentalidades não é possível sem a parte coerciva do Estado, neste caso das autarquias, ao onerar as casas e lojas vazias com um IMI elevado.
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