sábado, 1 de outubro de 2016

O COVEIRO QUE JÁ FOI ARRUMADOR E QUE A CÂMARA EMPURROU P'RA COVA





Conheço-o deste o meu tempo de menino. O José António Ferreira da Costa, nos seus quase dois metros de altura, rosto arredondado, voz meiga e trato gentil, parece recordar-nos a imagem do bom gigante. Como navio em busca de ancoradoiro, depois de uma tormenta que o mandou para o desemprego, ancorou na margem esquerda, a arrumar carros, e por lá se manteve durante mais de três décadas e até ao ano passado. Como durante muito tempo estacionei no território à sua guarda, estabeleceu-se entre nós uma amizade mútua. Como ele sabia que eu escrevia, para além de plasmar a sua história de vida, volta e meia lá vinha ele queixar-se de espinhos que perturbavam a sua existência. Era um profissional encartado, com licença passada pela autarquia para poder exercer, e, tanto quanto julgo saber, enquanto permaneceu por lá o estacionamento foi sempre mais ordenado. Com o anúncio na imprensa de que a área de acesso gratuito, pertença da Universidade, iria ser requalificada e colocados parquímetros, o José António começou a temer pelo seu futuro, e desse receio, em conversa, me deu conta.
No ano passado, por esta altura de Setembro, quando as folhas amarelecem e se desprendem das árvores, numa das vezes que nos encontrámos, contou-me que, através do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), se tinha candidatado a um concurso para técnico de profundidade, vulgo coveiro, promovido pela Câmara Municipal de Coimbra, que tinha sido seleccionado, e já estava a trabalhar no Cemitério da Conchada. Parecia irradiar felicidade. Pensei para comigo como, contrariando a precariedade e a insegurança do rendimento, um trabalho garantido pode constituir o fermento para uma boa cozedura no futuro de cada um de nós.

UMA NUVEM NEGRA

Esta semana o Costa, de andar desengonçado, ar tristonho e cor deprimida de Outono, entrou pela porta adentro e, de rompante, atirou: “Mais uma vez venho pedir auxílio. Ajude-me, senhor Luís! Não sei o que fazer da minha vida. Sinto-me vazio, como coisa sem utilidade, uma folha seca calcada pelos pés de desconhecidos...
Mas, o que é que se passa, José António? Que raio de conversa é essa? Interrompi o estender da manta retalhada a tristeza e mágoa sentidas no rosto de um homem de 58 anos.
Depois de um ano a trabalhar no Cemitério da Conchada, por conta de um contrato estabelecido entre os Recursos Humanos, da Câmara Municipal, e o IEFP, sem que nada o fizesse prever, mandaram-me embora. O meu vínculo contratual era através de um POC, Programa Ocupacional, do desemprego. Anteriormente ouvi o engenheiro dizer ao encarregado que o contrato era para revalidar se eu me portasse bem. Como eu precisava deste trabalho como pão para a boca, é claro que fiz tudo para cumprir. Estava convencido que era para continuar. Sem uma palavra de despedida, no dia 31 de Agosto, no último dia do contrato, o encarregado ordenou apenas que deixasse o fardamento, e mais nada! À minha pergunta se o que estavam a fazer estava correcto, o mestre respondeu que, embora não entendesse a medida do superior hierárquico, estava a cumprir ordens. Tinham falta de pessoal. Este despedimento não fazia sentido, disse-me o encarregado à laia de despedida, sem abraços nem palavras de incentivo. Não lhe disse mais nada. Valia de alguma coisa? Que lhe importava a ele ou ao superior se eu, sem aquele ordenado de 508,00 euros, ficava literalmente na miséria? Se eu lhes dissesse que sem a minha mensalidade o único rendimento que passa a entrar no meu lar é o da minha mulher, que ganha cerca de 450 euros, iriam perder o sono? Se eu mostrasse o meu recibo da renda de 300,00 euros, quereriam eles saber disso? Se eu contasse que agora não tenho direito a qualquer subsídio e estou a passar mal?
Preciso de ajuda, senhor Luís. Estou a ficar sem forças, desmoralizado e sem ânimo. Tenho corrido tudo em busca de trabalho. Estou mal, senhor Luís! Pode ajudar-me? Aceito qualquer coisa, desde que me permita viver honestamente. Por favor...”

1 comentário:

Graça disse...

Boa tarde;

Desculpe Sr. Luís mas o Senhor António não se candidatou aos concursos que estiveram abertos na autarquia à cerca de 1 a 2 meses? Havia para assistente operacional.

O encarregado estava a cumprir ordens, mas numa questão de ética a secretaria do cemitério tem os administrativos, que vinculam as situações com recursos humanos do Município.
O Sr. António quando se candidatou ao trabalho foi parceria com a CMC e a Seg Social devia ser um CEI, não lhe explicaram o tipo de vinculo?
Porque não o aconselha a ir aos recursos humanos ou ter com o DR Machado e falar pessoalmente com Ele...O homem pode por vezes ser por vezes um qui mas é humano... e a seg social ajudar de igual modo.

Desculpe eu me meter mas... dá pena certas situações de vida e todos temos umas melhores ou não.
Muita força para seu amigo.