terça-feira, 25 de outubro de 2016

ESTÃO A MATAR A FEIRA DE VELHARIAS (2)






No último Sábado, quarto do mês, realizou-se a tradicional Feira de Velharias na Praça do Comércio.
As previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera eram devastadoras, terríficas, para a Zona Centro: só faltava mesmo espalhar que iriam chover picaretas e ocorreriam trovoadas, com relâmpagos à mistura, entre Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, e António Costa, Primeiro-ministro. Fosse por este alarmismo todo ou não, a verdade é que poucos vendedores de velharias ousaram romper o pessimismo do instituto que mais parece uma associação de economistas a tentar acertar em previsões económicas e que erra mais do que acerta. Embora com Céu acinzentado a prometer água a rodos, praticamente pouco choveu. Resultado disto tudo, apesar do tempo meio-seco, cerca das 15h00 pouco mais havia do que uma dúzia de vendedores num recinto consignado à feira com demasiados automóveis estacionados. Se é certo que alguns deles pertenciam aos profissionais da venda, muitos outros estavam puramente parados num local impróprio. Um comerciante estabelecido com loja na antiga praça até se deu ao desplante de entrar no seu bom carro e estacionar no meio dos vendedores, provocando algum descontentamento, sobretudo por, àquela hora do dia, naquele local frequentado por milhares de pessoas, não haver um agente da PSP ou da Polícia Municipal, ou, como deveria ser obrigatório até ao encerramento, um elemento responsável pelo evento criado em 22 de Junho de 1991.

A FEIRA A ENCOLHER A OLHOS VISTOS

Por altura do virar do milénio, tinha a praça apenas uma esplanada, seriam cerca de uma centena de vendedores que ali tinham assento. Esta feira a par da de Aveiro eram as melhores da zona centro. Com uma diferença abissal entre as duas cidades, enquanto Aveiro mudou de um terreiro para o interior do centro histórico, dividindo os expositores pelas ruas estreitas, praça do peixe e Rossio, e obrigando a um pagamento de inscrição anual na ordem dos 100.00 euros -e espalhando publicidade à sua realização nas estradas da cidade, com setas indicativas-, Coimbra continuou como sempre esteve. Isto é, como feira-franca, sem pagamento de inscrição, sempre no mesmo local, e sem qualquer publicidade ao evento.
Na altura, lembro-me muito bem de falar com alguns vendedores do Porto que deixaram de vir a Coimbra por o espaço ser muito disputado e ser demasiado exíguo para a montagem dos seus expositores.
O tempo foi passando, chegou a crise, sobretudo a de 2008, e naturalmente os candidatos a vendedores foram escasseando, com muitos deles a desistirem da actividade, e passaram a ser cada vez menos. Por outro lado, com a feira a pedir uma vassouradaremodelação, nos últimos anos, as casas de hotelaria na Praça do Comércio foram crescendo e passaram de uma para cinco (hoje). Ou seja, em frente aos seus estabelecimentos passou a haver cinco esplanadas. Como é óbvio, para aumentar o número de cadeiras e mesas, inevitavelmente, diminuiu a área destinada a vendedores. Na actualidade, creio, serão cerca de três dezenas com poiso garantido. Este ano a Câmara Municipal de Coimbra passou a onerar brutalmente o espaço, até aqui gratuito, para esplanadas. Por silogismo, poderemos pensar que a edilidade está mais interessada em manter a ocupação dos cafés do que os vendedores de antiguidades e velharias. Saliento que não estou contra, aliás é legítimo e bom para o turismo, o que entendo é que ambos devem ser apoiados e conviverem harmoniosamente nesta parte baixa da cidade.
Ora, o que estamos a constatar é que o certame está a minguar mês-após-mês. Se não se fizer alguma coisa, o mais certo é desaparecer e ficar apenas a Feira sem Regras, em Santa Clara.
Soluções? Já ando há anos a falar do mesmo e não vou agora repetir. Escrevo somente que é preciso descentralizar e alargar, por exemplo, em elipse, pelas ruas estreitas e abarcando as ruas largas até ao Largo da Portagem -ou, para dar nova vida, se calhar, no Terreiro da Erva -conforme deu ideia o Daniel, um leitor do blogue e em comentário. Já se sabe que, a haver troca para este espaço, irá gerar forte contestação por parte dos vendedores -pelo menos no princípio. A ideia de a transferir para o Parque Manuel Braga, a meu ver, é uma má escolha.

O QUE DIZEM OS VENDEDORES SOBRE O ACTUAL ESTADO DA FEIRA?

Por que me foi chamada a atenção por dois vendedores, sobre o que está acontecer, tratei de ouvir os seus queixumes. O primeiro, o Moreira, um meu velho conhecido da cidade, disse o seguinte: “A feira, devido ao aumento exponencial das explanadas, está a encolher a olhos vistos. Por este andar, vai desaparecer. Tenho saudades de outros tempos quando mal nos podíamos mexer neste espaço reduzido quando, provavelmente, éramos mais de uma centena aqui a vender -e todos fazíamos negócio. Hoje, mais que certo, não chegaremos a trinta e vendemos pouco. É verdade que estamos em crise, mas este facto não explica tudo. Vendo aqui há muitos anos. Se assim continuar neste declarado abandono, deixo de vir. Até parece que, intencionalmente, querem matar esta feira e fazer crescer a de Santa Clara.“
Outro vendedor, meu amigo também e que pediu o anonimato, natural de Aveiro, e que conheço há décadas, desabafou assim: “Querem arrumar a feira deste espaço para ir para o parque da cidade. Se o fizerem, é para acabar de vez com isto. Lá não se vende nada. Se isto acontecer nunca mais cá ponho os pés. Acaba-se de vez no Natal”.


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1 comentário:

Marcio Ramos disse...

Antes de mais seria um erro monumental tirar a Feira de Velharias da Praça do Comércio, mesmo que fosse para o Terreiro da Erva. Fazer isto, seria o mesmo que alterar o percurso da Queima das Fitas, ou, por exemplo, das procissões da padroeira. É já uma tradição nesta cidade. Acho sim que devem ser feitos alguns reparos, que a meu ver mudariam por completo esta praça centenária.

O Terreiro da Erva devolveu à cidade um espaço que outrora era preenchido por estacionamento. Hoje quem lá vai vê apenas alguns carros de moradores parados em sítio identificado para o efeito. A delimitar o terreiro, até nas entradas, como na Sofia, há pilares que podem descer a fim de deixar passar uma ambulância.

Agora pergunto: com tantas obras a decorrer na cidade, não haverá uns tostões para colocar uns pilaretes de ferro junto da igreja de São Bartolomeu, a fim de evitar o estacionamento abusivo? Seria uma solução simples e fácil de realizar.

Outra questão, as esplanadas. Será que é mesmo preciso ocupar mais de metade da praça com mesas e cadeiras? Encurtar o espaço ocupado, sobretudo nos dias em que se realizem eventos, não seria mais sensato? E não são muitos, relembro a Feira das Cebolas, de Velharias, e da Passagem de Ano Novo. Não poderiam estes comerciantes serem alertados para colocarem apenas metade da explanada nestes dias? Assim a feira iria crescer um pouco. Bem sei que os hoteleiros pagam a área por si ocupada a peso de ouro, mas cabe à autarquia harmonizar os interesses das partes.

Como já disse no inicio não acho que a Feira das Velharias deva mudar de sítio. Primeiro, está num local central da cidade, onde passam muitas pessoas. Depois, dá um pouco de alegria ao coração da Baixa, e que, retirando o turismo, está muito desertificada, com poucos moradores. Depois, por que já está gravada na memória de muitos compradores. Não seria sensato mudar de local.

A meu ver, a câmara deveria investir nesta e noutras feiras, anunciando a sua realização nos jornais e rádios locais, nas redes sociais. Por outro lado, nem que começasse a cobrar, deveria dar às pessoas que vão lá fazer o seu comércio melhores condições. É verdade que às vezes o tempo não ajuda, mas terá de se fazer alguma coisa. Também não entendo a razão de não haver policia, quer fosse por causa do estacionamento, quer fosse para proteger os comerciantes e os visitantes.

Outra questão. Nas vastas feiras que se fazem nesta cidade noto uma coisa: são todas muito iguais e pouco se distinguem entre si. Realiza-se em Coimbra um certame que atrai milhares de pessoas e só se realiza uma vez por ano, a Feira Medieval, no Largo da Sé Velha. Por que não realizar, durante o ano, outros eventos parecidos e na linha do antigo. Este género de alegorias trazem consigo muita animação. E a propósito: por que não há a participação de grupos alegóricos? Ou até teatro de rua, gaiteiros, performers? Por exemplo.



Andam agora a requalificar certos pontos da cidade, como o parque de estacionamento junto ao Estádio Universitário. Pergunto, quando vai ser requalificada a Praça do Comércio, retirando de vez os automóveis? Quando é que este largo volta a recuperar o brilho de outros tempos? Ou será que há interesse em deixar ficar tudo como esta? A bem do interesse egoísta de alguns moradores e comerciantes acaba-se com a tradição e desfigura-se uma praça magnifica?