sábado, 22 de novembro de 2014

PISCINA DA PRAÇA INAUGURADA À SURRELFA






O relógio electrónico da farmácia Universal, na Praça 8 de Maio, marcava 22h00 e 14 graus Celsius nesta última sexta-feira de Novembro. Como se estivesse à espera de alguém importante, um grupo de cerca de uma dúzia de ingleses, dez rapazes e duas raparigas, todos na casa dos vinte anos, está sentado no rebordo do agora lago público da praça do Conquistador. Ao longo do lambril, estão acompanhados de umas garrafas com vinho e copos em plástico. O barulho da confraternização, regado com o etílico sangue de Cristo, ouve-se a metros de distância. Sempre que uma botelha se acaba, como acrobata chinês, faz uma pirueta e vai tomar banho no lago. Uma das raparigas, saindo do amontoado, vai apanhar todo o lixo na envolvente feito pelos espalha-brasas incluindo tudo o que foi lançado à água e vai colocá-lo no depositário para o efeito –graças não sei a quem, e contrariando a sua carência nas ruas largas, ainda persistem na velha praça de Sansão.
A oscilar entre a temperatura fria e tolerável e à medida que o tempo suportável vai avançando, os gestos dos jovens vão-se tornando mais evidentes e desconexos de uma harmonização social. O ruído, sem precisar de tradução, era cada vez mais saliente. Um carro da PSP aproxima-se e um agente fala com o bando mas naturalmente, como não havia nada de transcendente, prosseguiu a sua ronda pela cidade mergulhada no silêncio, excepto aqui quebrado pelos ingleses. Mais que certo porque quem prometeu vir não apareceu, alguns moços começam a despir-se e mergulham na piscina. Numa certa imaginação febril, poderemos sempre aventar de que, de facto, os britânicos estariam à espera de alguém para inaugurar o nosso mais recente e célebre monumento ao “far niente”, como quem diz que não serve para nada. Mas quem seria? Bom, especulando, poderemos imaginar que seria Manuel Machado, presidente da edilidade coimbrã, mentor da alteração do até aqui repuxo e agora um balde gigante com águas inertes e pronto a receber o lixo daqueles que pouco se preocupam com a paisagem urbana e apenas se servem dela para despejarem os seus maus hábitos nunca adquiridos, mau grado e debalde o esforço dos seus progenitores. Mas, continuando a supor, por que não teria aparecido Machado a benzer o banho santo dos turistas de mochila e violadores de sossegos nocturnos? E a gente sabe lá? Bom, porque cogitar não paga imposto, poderemos sempre pensar no pior. É que este dia 21 de Novembro, para os Socialistas, foi uma sexta-feira negra. O seu grande mentor, o criador de todas as obras públicas, senhor de todas as auto-estradas e scut’s deste país atrasado que mata mulheres a todas as refeições como se acompanha tremoços com uma “bjeca”, foi detido. Este homem provinciano, o “self-made-man”, que mais não avançou nas obras públicas por que a Troika não deixou –como o aeroporto em Alcochete mas, descansemos todos, ainda vai ser feito pelos seus seguidores, se Deus Nosso Senhor quiser, porque o povão ainda respira e enquanto assim for, Portugal, dividido entre a amargura e a felicidade, pula e avança. Era um dia muito triste, o grande Sócrates, o modelo que persiste em existir dentro de nós, o homenageado com a chave de ouro da cidade da Covilhã, foi preso por corrupção e alegadamente por possuir uma conta no estrangeiro de vinte milhões de euros. Se é certo que até ao transitado em julgado se presume inocente, em boa verdade, por que estamos todos ressentidos com ele e com toda esta classe de estupores e estupradores, todos exigimos a sua cabeça numa bandeja de barro. Alguém tem de pagar pela miséria, pelo empobrecimento, pela indignidade de tantos milhares de portugueses. Estamos numa guerra entre o opressor –em paradigma, um bloco extenso constituído por uma classe de políticos das últimas décadas que se locupletou com a riqueza de um povo e que, pelas suas teias de conhecimentos e instrumentos financeiros, continua a defender-se com meios não acessíveis à maioria- e o oprimido, uma população quase “pé-descalço” que, na última década perdeu praticamente tudo, incluindo a dignidade de se revoltar. Só o faz quando o agressor está tombado no chão. Então, nessa altura com as costas quentes, aproveita para o insulto e ensaiar uns sopapos. Mas é por pouco tempo e até a dúvida se instalar. Não tardará a ser classificado como mártire do sistema pelos seus acólitos.
Se é certo que alguns Socialistas estão de luto, sobretudo os homens de boa vontade, os sérios –por que felizmente há muitos-, os que sentiram e foram apanhados pelo choque, pela vergonha, pelo labéu, subiram as golas do sobretudo e enfiaram um chapéu. No entanto, a mancha, que alastra, é tão grande que poucos se podem rir, ou simplesmente comentar o que se passa no vizinho. Porque o poder corrompe, os social-democratas e os democratas-cristãos estão no mesmo estado. A política, a mais nobre arte de negociação humana, está encerrada para balanço. A Polícia Judiciária, transformada numa espécie de ASAE, ou outra qualquer polícia de costumes a fazer lembrar Chicago dos anos de 1930, aparentemente, está a varrer os iluminados sacrossantos e inatingíveis pelo longo braço da lei. Perante uma justiça acusada de inactividade, inoperacional e discriminatória, de só castigar os mais desgraçados, tal como teria dito Galileu, afinal move-se! E como a provar que “podemos”, e a copiar a vizinha Espanha acabemos a ressuscitar Marx, antes que seja tarde e o caldo se entorne e fique tudo vermelho de raiva, revolvendo e volvendo a fé a uma sociedade sem esperança, pode ser que ainda nos salvemos.
Estava explicada a intrépida inauguração do lago da solidão pelos ingleses. É de supor que, como já não temos colónias e passámos a colonizados, esta invasão não tenha nada a ver com resquícios do Ultimato Inglês, de 1890.

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