sábado, 19 de agosto de 2023

EDITORIAL: OS SETE FÔLEGOS DAS GRANDES SUPERFÍCIES COMERCIAIS (2)

 

(imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



Em anterior apontamento trouxe à colação o título do semanário “Expresso” da penúltima edição sobre uma alegada transferência das grandes marcas mundiais dos centros comerciais

para a rua das cidades grandes e médias. Invoca o jornal que esta mudança de estratégia é devida ao grande afluxo de turistas que, como formigas, invadem os grandes centros urbanos.

Por especulação, ao ler a notícia, somos levados a pensar que o fim destas grandes catedrais, onde entram todos os fiéis e infiéis por curiosidade e adoração do grande comércio megalómano. Como somos, por princípio, tomados por uma megalomania existencial, sejamos ricos, remediados, pobres, ao vislumbrar tal deslumbramento de riqueza arquitectónica, perante aquele espectáculo visual, todos somos levados a pensar que a obra também é nossa, não no sentido da propriedade propriamente dita mas, sim, intelectual e progressista. É como se com esta visão metafórica o nosso consciente fosse tomado de um alter-ego e nos sentíssemos a cavalgar uma onda de progresso social e a fazer parte de um país desenvolvido e feliz e, enquanto contribuintes de um sistema tributário enviesado, menos pobres e desgraçados. Depressa somos levados a esquecer que, com estratégias de “dumping” de destruição massiva através de preços abaixo de custo, primeiro foram aniquiladas as mercearias, depois os pequenos super-mercados, os cinemas independentes, as livrarias de rua, as lojas de brinquedos. Mas num pensamento apaziguador de contrição, sobretudo se for de meia-idade, relativiza-se com o excesso de oferta da superfície comercial e culpabiliza-se o antigo merceeiro que, fiando, é certo, vendia caro e tinha um lápis de dois bicos. Que importa que muitas aldeias na actualidade não detenham um único estabelecimento comercial para entrelaçar as gentes e torná-las mais socializantes?

E depois deste grande plasmar ao sabor da corrente, vou novamente voltar à notícia do “Expresso”. Por um lado, em especulação, somos levados a inferir que o grande comércio tem os dias contados. Isto é, num eterno retorno, numa justiça divina, ou Natureza de matriz primária, o que foi “roubado”, desviado, da rua, por voltas e mais voltas como boomerang perdido no espaço e que volta a encontrar o caminho, mais tarde ou mais cedo ao mesmo sítio voltará.

Tal como defendi na anterior crónica, embora pareça que assim é, na verdade não é. O que se assiste na actualidade são estratégias comerciais que, em presumidas políticas de terra-queimada, visam a sobrevivência individual, de cada um, durante o mais tempo possível.

E para ilustrar com um exemplo o que acabo de escrever vamos fazer submergir uma realidade. Aqui na Mealhada, onde com duas médias-superfícies a laborar, o “Lidl” e o “Intermarché”, mesmo vivendo em concubinato aparentemente não declarado, foram muito felizes. Mas tudo indica que os bons tempos para ganhar dinheiro já lá vai.

Até agora o “Intermarché”, numa promoção que se entende, tem vindo a oferecer 10 euros em cartão em cada 50 euros de compras. Ou seja, o cliente adquire 50 euros em géneros e são-lhe creditados 10 para descontar passados uns dias no que quiser levar para casa.

Na semana passada, o “Pingo Doce”, inaugurado há cerca de um ano na cidade do leitão, ofereceu em cada 100 euros de compras 20 euros em cartão e 20 euros em combustível.

Ressalvo que não estou armado em moralista, eu também lá fui.

A questão que subjaz, para além de ser muito interessante para os lados do consumidor, é: em cada 100 euros podem ser oferecidos 40 em géneros? Qual a margem de lucro que sustenta tal medida?

Estamos, ou não, perante um ataque destrutivo à concorrência?

Na qualidade de clientes, esta medida deve-nos deixar contentes ou tristes?

Vale a pena pensar nisto?

Sem comentários: