sábado, 25 de fevereiro de 2017

EDITORIAL: O INDULTO DO VÂNDALO E A ACEITAÇÃO TÁCITA DO PREJUÍZO

Foto de Bruno Alexandre Borges.
Foto de Bruno Alexandre Borges.
Foto de Bruno Alexandre Borges.
(Imagens de Bruno Alexandre Borges)




Anteontem no Facebook, no sítio da Câmara Municipal de Coimbra (página não oficial), um cidadão de nome Bruno Alexandre Borges, proprietário de um imóvel junto ao Largo da Sé Velha, denunciava a seguinte situação:

No passado fim-de-semana após ter, novamente, pintado as paredes exteriores do imóvel fui alvo de novas “pinturas”. Após alguma pesquisa descobri que as mesmas são relacionadas com uma manifestação organizada por estudantes. Identifiquei a página no facebook dos mesmos e enviei-lhes a seguinte mensagem:
“boa tarde... venho por este meio mostrar o meu enorme desagrado e tristeza ao ver que na luta de valores nobres e necessários na sociedade actual em que vivemos existem pessoas representantes do vosso grupo, luta e ideologia, que se manifestam danificando a propriedade privada e alheia!! Sou proprietário do imóvel em frente ao Bigorna bar e ando a arranjar e pintar o imóvel, pois pretendo reabrir o mini-mercado que lá existia... Em prol da vossa luta e manifestação, eu fui prejudicado... Venho informar-vos que, até terça feira dia 21 de Fevereiro de 2017, se não limparem... apagarem... pintarem... as "pinturas" por algum de vós feitas no meu imóvel irei apresentar uma queixa-crime na polícia por danos na minha propriedade, apontando a vossa organização como a minha suspeita de tais actos para que sejam apuradas responsabilidades.
Espero que valorizem a atitude que estou a ter convosco... e que resolvam esta situação o mais rápido possível até terça dia 21... cumprimentos”.
Não tendo obtido qualquer resposta nem o problema resolvido, no dia 21 liguei à polícia pois queria participar a ocorrência … prefiro saltar esta parte da situação pois foi para cima de ridículo e o que posso elucidar-vos é que acabou por não ser feita nenhuma ocorrência da situação referida.
Desisti e pintei de novo!”

(Respirar fundo antes de tecer comentários)

Vamos lá ver se percebemos alguma coisa disto. E para o conseguir nada melhor do que dividir o queixume do cidadão Bruno Alexandre Borges em várias partes.

Factos:

1 -Borges é dono de um prédio com estabelecimento encerrado há vários anos inseridos em zona protegida e classificada pela UNESCO e ponto de passagem de centenas de turistas ao dia;

2 -Em vez de manter o seu edifício em mau estado de conservação e a loja encerrada, Borges apostou, a suas expensas, na revitalização predial gastando, provavelmente, milhares de euros;

3 -Energúmenos, que nunca fizeram nada na vida, e que o que lhes falta em educação e bom-senso sobra-lhes em malvadez, no seu livre-arbítrio e apenas no seu bel-prazer, decidem conspurcar e destruir o trabalho realizado;

4 -Borges, mais que certo bom homem e crente na justiça e boa-fé das instituições, decidiu começar por exigir uma retratação a uma organização identificada no Facebook e relacionada nos escritos da sua parede. Não recebeu resposta.
Presumivelmente pretenderia ter apresentado queixa-crime na polícia contra desconhecidos mas, se calhar, teria sido aconselhado a não o fazer por tal intenção redundar em arquivamento;

5 – Conforme indica Borges na comunicação: “desisti e pintei de novo”.

UMA TRAGÉDIA DISFARÇADA EM COMÉDIA SOCIAL

Embora nos últimos anos esteja com tendência para aumentar, há muitas décadas que Coimbra estendeu o manto santificado da Rainha Santa por cima dos seus estudantes e, tornando a sua impunidade em facto e de direito, as autoridades, PSP, PJ, GNR, Ministério Público, e as instituições, Câmara Municipal, Universidade de Coimbra, Politécnicos e Escolas de Ensino Superior, Associação Académica, aceitam passivamente os seus desmandos.
Os desvarios de alguns estudantes -saliento que a minha intenção não é generalizar- são tantos que não vou elencar para não ser exaustivo. Basta apenas lembrar o que se passou nos dois últimos anos, nos Cortejos da Queima das Fitas e da Latada, com o pseudo furto de mais de mil carrinhos de compras das grandes superfícies e depois da festividade jogados ao rio Mondego por pura selvajaria.

UM POUCO DE NADA PARA FICAR NA MESMA

Naturalmente que o problema do vandalismo não se aplica unicamente a estudantes universitários. Infelizmente o lastro é muito maior e é praticado por muitos jovens e também mais velhos sem ocupação certa na maior impunidade. Nestas questões de psicologia social, tanto quanto julgo saber, há várias teorias. Numa delas, há quem diga que se vandaliza numa espécie de revolta contra a sociedade. Ou seja, o acto de destruir não é mais do que uma manifestação de várias carências, de afecto, solidão, sentimento de insignificância social, focada num enorme vazio existencial. A sua forma de agir carrega um enorme desprezo e ressabiamento pela riqueza material, pública ou privada.
Como os bens públicos são em co-propriedade -de todos mas individualmente quase não se dá conta do seu valor-, com o Estado a gerir e o cidadão a usufruir, cabe aos governos e autarquias assegurarem a sua manutenção. Como o poder está entregue a políticos de carreira, que raramente respondem civilmente pelos seus actos e optam por não fazer grandes ondas tendo em conta a sua reeleição futura, não previnem e não se ralam muito com o vandalismo e o apuramento de responsabilidades, já que dinheiro não é problema e vem do bolso das obrigações comuns, que se chamam orçamento autárquico ou Orçamento Geral do Estado. No fundo, estes políticos até consideram uma destruição criativa. Sempre vai dar trabalho a muitas pessoas e, entre o vai e vem, culpando o incerto sem esmiuçar a obrigação legal de corrigir, algum ganho político se apanha nas entrelinhas.

E OS PRIVADOS?

O problema maior são os danos na propriedade particular, cujos proprietários, sem ajuda pública, tem de pagar do seu próprio bolso os desmandos de uns quantos. Como parte das entidades judiciárias olha o vândalo como uma espécie de joio no meio do trigo social, isto é, considera a devastação praticada como fazendo parte do sistema, continua-se a aceitar tacitamente que a uns cabe erguer e a outros destruir. De tempos-a-tempos, lá se apanha um menos cuidadoso e, para mostrar que a justiça é tardia mas não falha, a espada de Dâmocles cai sobre o coitadinho, que na maioria das vezes é dado como demente, ou de sanidade mental reduzida. Veja-se o que se passa todos os anos com os incêndios que devastam o país. Quantos incendiários estão presos?


E NÃO SE PODE FAZER NADA?

É da lei da Natureza que para tudo existe solução. Se não podemos caçar com cão, caçamos com gato. Quero dizer que não se consegue combater o flagelo social do vandalismo com os métodos até agora empregues há que usar outros.
Até agora o sistema judicial, nomeadamente o Ministério Público que acusa, ou não, e os tribunais que julgam, tem-se preocupado obsessivamente com a prova para condenar. Isto é, um selvagem, quando identificado, é equiparado a um qualquer arruaceiro que, ocasionalmente embriagado, mostrando o rosto parte umas mesas num qualquer café. Acontece que, como se disse atrás na classificação da psicologia social, o vandalismo, como carrega consigo uma patologia, é mais particular, singular, e menos geral. O bárbaro é um guerrilheiro anti-sistema que, com inteligência, actua no calor da noite e no coberto do dia. O vândalo é “um indivíduo que se mostra hostil a princípios moralistas, que não respeita tradições, que destrói símbolos, que destrói obras de arte, que destrói monumentos, que destrói imagens religiosas, que ataca crenças enraizadas e é contra qualquer tipo de culto ou reverência”. Por conseguinte, tendo em conta as premissas enunciadas, apanhar estes disfuncionais utilizando meios tradicionais é o mesmo que tentar pescar um tubarão com pesca à linha.

E O QUE SE PODERIA FAZER?

A meu ver o sistema judicial está petrificado na individualização da culpa formada. Em sede de julgamento, disseca os factos até à exaustão, até presumivelmente chegar ao núcleo da verdade. O que o preocupa é o princípio de que mais vale mil culpados à solta que um inocente encarcerado. Penso para mim que este princípio do Direito Romano estaria muito certo há mais de dois mil anos, hoje, com a evolução dos meios para o crime, tenho algumas dúvidas de que continue actual.
Até agora a justiça, enquanto virtude das virtudes -como escreveu Cícero-, é sobretudo um psicológico calmante social que, num equilíbrio precário, pretende convencer o criminoso e a vitima da sua imparcialidade na aplicação do direito penal. Do seu modo na justeza depende a paz social. Fica escrito, portanto, que a justiça, almejando o estado ideal, embora por camadas societárias, usando de alguma rigidez transcendental, formalismo e tradição, impõem-se verticalmente de cima para baixo. Talvez o conceito estivesse muito certo noutros tempos. Hoje, se calhar, porque o universo é diferente, é necessário inverter o sentido e, de baixo para cima e horizontalmente, envolver e responsabilizar a colectividade através das suas agremiações. Por outras palavras, é preciso que o julgador perca um pouco da sua precisão, procurando sempre acertar em cheio no alvo, e, pelo princípio da prevenção, alargue o seu âmbito de sanção, co-responsabilizando a co-autoria com as instituições que na presunção de interesses se co-relacionam com o autor material (des)conhecido. Para exemplificar, neste caso, no grafite na Sé Velha, a PSP, sem entraves e avisos esparsos, deveria receber a queixa do cidadão como outra qualquer. Por sua vez o Ministério Público, contrariando o que já se torna uma rotina e faz desistir o cidadão na queixa policial, estabelecendo a relação nexo-causal nas inscrições murais, deveria remeter o caso para Tribunal e acusar as entidades associadas ao desconhecido autor material, as Repúblicas estudantis envolvidas no protesto, a Universidade de Coimbra e a Associação Académica. O resultado desta nova aplicação de justiça, parece-me, seria, para futuro, estas entidades passarem a ter uma outra postura e formação dos seus discípulos e preocupação em os afastar do seu seio.
Penso que fui claro mas, mesmo assim, ainda mostro outro exemplo: o dos carrinhos "furtados" às grandes áreas comerciais -com a complacência, conivência e colaboracionismo destas. Embora seja fácil chegar aos detentores do objecto "furtado", bastava o Ministério Público sancionar, em co-autoria e proporcionalmente aos carrinhos apreendidos, as marcas representadas, as comissões da Queima das Fitas e Latada e os Polítécnicos. Será que os sancionados iriam permitir mais infracções?

Sem comentários: