segunda-feira, 14 de abril de 2014

O ÚLTIMO DIA DO PAULO




O Paulo Simões está há mais de três décadas na Sapataria “Clarinha”, na Rua da Louça. Começou como empregado em 1981 e como patrão em 2003. Como a maioria dos comerciantes, há cerca de quatro anos, em 2009, quando a economia nacional, por arrastamento, foi apanhada no tsunami do subprime, começou a verificar a queda abrupta das vendas no seu comércio de sapatos – subprime é a designação que se atribui a um crédito concedido a um tomador que não oferece garantias de bom pagamento e que começou nos Estados Unidos e com a falência do Banco Lehman Brothers. Então há cerca de três anos, ao lado do seu estabelecimento comercial, tinha encerrado um pequeno estabelecimento de hotelaria havia pouco tempo e, porque é preciso continuar a malhar duro para pagar as despesas, o Paulo, sem grande experiência, entrou no mundo hoteleiro. No princípio, apesar de começar com uma renda de 1100 euros, o negócio ia correndo sem grandes preocupações. Dava trabalho a dois funcionários. Depois, progressivamente, quase gota-a-gota, começou a sentir diariamente uma diminuição nas receitas e um aumento nos custos fixos. Dispensou um dos empregados mas o desnível continuou. Apesar do senhorio ter baixado para 800 euros de renda –montante que paga actualmente-, é impossível continuar a segurar o “Snack-bar Paulos” em funcionamento. Encerra amanhã. Vamos ouvir o Paulo:

“Não há hipótese nenhuma de continuar. As despesas são cada vez mais e as refeições que sirvo são cada vez menos. Devido à crise económica nacional as pessoas não têm dinheiro para comer. Todos os dias constato isto mesmo no meu pequeno snack. Tenho 46 anos. Sempre trabalhei e irei no mesmo sentido, mas sinto faltar-me o chão. Sei que não posso perder a esperança, mas vejo o amanhã muito complicado. Mesmo com as vendas fracas tenho de continuar a lutar na sapataria. O ter entrado na hotelaria foi uma tentativa arrojada, um defender para a frente, porque gosto e preciso de labutar. Mas não resultou. Saio pior, muito pior, do que entrei. Se pudesse voltar atrás, se fosse hoje, não me tinha atirado. Ui… Ui! Hoje em dia, quem pense em iniciar uma casa de negócio que abra a pestana. Não faça como eu! Digo isto com a maior franqueza! Pode ser uma desgraça! Seja lá onde for, por amor de Deus, pensem duas vezes antes de dar o primeiro passo. Podem até começar bem mas, passados meia-dúzia de meses, estão em queda! Foi uma má experiência. Foram três anos perdidos da minha vida. Gosto muito de trabalhar mas, como as coisas estão, vale mais estar quieto. As pessoas não têm poder de compra –este é o verdadeiro problema. Mas há outro que está a secar a esperança: a Baixa tem cada vez menos gente a passar nas ruas. Vejo o seu futuro com preocupação. Se pudesse ia-me embora rapidamente. Só estou cá pelos compromissos assumidos e pelos meus filhos. Não sei se, no limite, acabarei por emigrar. Sinto-me vazio e num mundo à deriva. É um desastre o que está a acontecer! Sinto-me muito triste e deprimido. Não tenho vergonha de dizer: tenho chorado muitas vezes no silêncio da noite, a analisar a minha má sorte! Não vejo futuro para a minha vida. Não sei para onde caminha este nosso Portugal. É muito triste!”

O “NOSSO” CHEFE VAI PARA A “ESTRANJA”

O António Gonçalves, durante cerca de três anos, foi o “chefe de serviço”, o braço direito do Paulo Simões na cozinha e no balcão do pequeno restaurante. Tem 39 anos e, por altura do seu aniversário, falei dele há uns tempos atrás, aqui. Para a próxima semana vai para a Suíça. “Tenho lá um irmão e foi ele que me deu a mão neste meu tropeçar –diz-me, naturalmente ensimesmado. Sou obrigado a emigrar porque não tenho trabalho aqui. Nem para trás vou olhar. Tem de ser, tem de ser! Mas levo muita mágoa comigo. Deixo cá os meus amigos. Tenho muita pena de ser obrigado a abandonar a minha cidade. É uma tristeza!”


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