sábado, 4 de maio de 2013

UMA NOVA LOJA CHINESA NA MINHA RUA



 No antigo espaço comercial da Casa Sacril, na Rua das Padeiras, abriu esta semana uma nova loja de pronto-a-vestir chinês. O seu proprietário é o Guangsong, que já alguns anos detém um estabelecimento do mesmo género, embora mais multidisciplinar na oferta, na Rua da Gala.
A família Guangsong, marido, mulher e filha –que veio quase imberbe e hoje está uma bonita adolescente-, está perfeitamente integrada. É muito considerada por todos e respeitadora. Tal como os seus congéneres, são trabalhadores incansáveis. Não é a primeira vez que escrevo que, enquanto portugueses e latinos, temos muito a aprender com este nobre povo do Oriente. O seu desprendimento é enorme. É um prazer viver ao seu lado. São meus vizinhos há alguns anos e gosto muito deles.
Voltando ao seu novo estabelecimento que agora abriram, está muito bonito e os artigos que apresentam são de grande qualidade. Oxalá tenham muita sorte. Enquanto colegas do mesmo ofício, da arte de comprar e vender, desejo-lhes tudo de bom. Muitas felicidades.

NOSSA SENHORA DA UNESCO NOS ILUMINE E DÊ ESPERANÇA PARA O FUTURO



Bendita sejas, Nossa Senhora da Unesco. Está de ver que é um milagre. Uma classificação positiva numa Coimbra tão negativa do ponto de vista dos cuidados arquitectónicos monumentais só pode ser a mãozinha do transcendente. Haja ao menos uma boa notícia que nos retire desta apatia e desânimo. Ainda bem para todos. Que este parecer seja acompanhado de uma classificação de facto. A cidade pode não merecer tanta generosidade, mas as suas gentes, o outrora povo que lavava no rio e agora já nem banho toma por não ter dinheiro para pagar a conta da água merece esta distinção.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "JORNADAS CIDADÃS DO CPC", deixo também as crónicas "UMA IMAGEM, POR ACASO..."; "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O FURAMUNDOS";  "MÚSICOS DE RUA ACTUARAM NO PAVILHÃO DE PORTUGAL"; e "POLÍCIA MUNICIPAL CUMPRIU O SEU DEVER".



JORNADAS CIDADÃS DO CPC

 Na tarde deste domingo, último, num anfiteatro bem composto do Conservatório de Música de Coimbra e com cerca de duas centenas de pessoas, o independente Movimento Cidadãos Por Coimbra (CPC) apresentou a síntese das sessões de debate programático realizadas durante a manhã e a apresentação dos cabeças de lista à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal de Coimbra.
Com uma mesa de painel constituída por Luísa Bebiano Correia, Catarina Martins, Isabel Campante, José Dias, José Vieira Lourenço, Fátima Carvalho e Pedro Rodrigues foi exarado o resultado das intervenções matutinas. Em resumo de explanação dos vários oradores, fica um cheirinho do que lá se passou. Por parte de Catarina Martins, professora universitária, foi dito o seguinte: “É preciso travar a discussão do PDM, Plano Diretor Municipal, que está a ser feito no maior dos segredos. É necessário acreditar na reabilitação urbana, impedir a edificação de novas construções e apostar na renovação de novos moradores para o centro da cidade. É preciso travar a privatização da água. Deve-nos preocupar também os SMTUC, Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra.”
Fátima Carvalho, ex-sindicalista, defendeu que “estamos todos a precisar de esperança. É necessário envolver os cidadãos. Por isso mesmo temos de saber o que pensam. Se eles não vêm aqui, teremos nós de ir até eles. A economia da cidade é melhor do que a sua política. Há uns anos atrás viam-se alguns dos seus sectores a fazer parte do empobrecimento. Agora verificamos que há muitos mais sectores a incluir este enfraquecimento. Há na cidade um empobrecimento encapotado. Temos de nos preocupar com esta pobreza envergonhada. Há muita gente desesperada com os serviços públicos.”
José Vieira Lourenço, professor, enfatizou: “A política de inclusão não pode ser uma política de exclusão. Porque não criar sítios para os cidadãos dormirem a sesta? O Conselho Municipal de Educação não funciona. A última ata é de 2008. Vivemos em uma cidade cujo peso do passado pesa demasiado na relação com o presente. É preciso colocar as desigualdades de avesso. Todos temos a ganhar com a partilha.”
Pedro Rodrigues, ator e encenador, em sumário das jornadas, concluiu que “não há falta de oferta cultural na cidade, há é uma insuficiente e desequilibrada visibilidade para o exterior do que aqui se faz. As instituições trabalham de costas voltadas, como por exemplo a Câmara Municipal e a Universidade. Temos aí dois fatores muito importantes na cidade: a candidatura a Património Mundial, pela Unesco, e a inauguração do Convento de São Francisco.”
No período reservado ao público presente, Carlos Sá Furtado, professor, interrogou: “Há 2000 fogos desabitados na cidade? Havendo tantas casas vazias vai-se continuar a construir?”
Serafim Duarte, deputado na Assembleia Municipal, exclamou: “Se há um assunto importante a tratar é a revitalização do centro urbano. Por mais “Noites Brancas” e outras iniciativas que se façam serão sempre paliativos. É urgente desenvolver a revivificação e ocupação da Baixa. Não precisamos de mais espaços. É preciso densificar os existentes. A Rua da Sofia tem uma série de antigos colégios desabitados. O Terreiro da Erva e a Praça do Comércio precisam de atividades âncora.”
Pedro Bingre, professor, em resposta a uma intervenção na plateia de um cidadão sobre o que se passa na Baixa comercial, defendeu que “construiu-se uma casa nova em cada 6 minutos. (Na última década) o PIB, Produto Interno Bruto, subiu cerca de 40 por cento e a dívida hipotecária cresceu para os 2300 por cento. Vivemos em uma cidade que vive do rentismo –especulação absolutista das rendas. Os comerciantes têm de vender cada vez a mais baixo preço e as rendas mantêm-se. Aos estudantes a mesma coisa. É urgente acabar com esta exploração. Não se pode permitir que alguns proprietários parasitem num setor tão importante para a cidade.”
Sob a música de fundo dos Deolinda, “Agora sim, damos a volta a isto. Agora sim há pernas para andar”, subiram ao palco o mandatário, Abílio Hernandes, docente da Faculdade de Letras, e os candidatos à Assembleia Municipal e à autarquia, respetivamente José Reis, diretor da Faculdade de Economia de Coimbra, e Ferreira da Silva, reconhecido advogado na cidade.


UMA IMAGEM, POR ACASO…

 Esta mulher, retratada esta semana à hora do almoço na Baixa, vasculhava num caixote de fruta fora do contentor umas laranjas abandonadas no lixo. Certamente ali deixadas por uma loja de fruta da zona porque impróprias para vender no estabelecimento mas ainda boas para suprir carências alimentares.  Ainda bem que houve o bom senso de não as colocar dentro do recipiente da imundice.
Não é a primeira vez que assisto a um quadro do género nos últimos tempos. Atente-se no pormenor de a senhora estar bem vestida e apresentar a mala a tiracolo. Olhando o anúncio ao lado, especulando, é mais que certo já ter vendido todo o ouro, a prata, a joia de família e o último prato de Sacavém que, como memória de um país industrial que se perdeu nas chinesices,  ainda resistia na parede da sala. Agora, numa declarada pobreza envergonhada, o estômago fala mais alto e, mesmo atentando contra a dignidade subjacente e impróprio de uma nação que se outorga Estado de direito não respeita os que sempre trabalharam para o seu Produto Interno Bruto, esta pessoa e outras como ela, terão de se atirar à procura e o que jamais pensaram algum dia fazer.
Até há um ano atrás era comum ver alguns sem-abrigo a apanhar géneros diretamente dos escolhos, hoje, curiosamente, poucos se avistam em imagens assim –talvez porque a cobertura por parte de instituições é salutar. Numa inversão que deve fazer refletir, como se pode verificar, são pessoas como esta que, no ato e em modelo, ocuparam o lugar deixado vago na imagem de ferir a consciência. São cidadãos que viveram bem até há pouco tempo e agora, pelas políticas discriminatórias de austeridade apenas para alguns, foram empurrados para a indigência.
Devemos pensar seriamente sobre o que está acontecer à frente dos nossos olhos. Não se sabe se amanhã seremos nós. Tomemos atenção!



O FURAMUNDOS

 Os centros urbanos, em metáfora, são um lago onde convivem harmoniosamente todas as espécies piscícolas. Há os peixões, aquelas castas que, residindo em luxuosas cavernas do fundo, descendem de grandes famílias que sempre governaram a mancha de água já desde pelo menos um século para trás. Quando emitem sons todo o universo local se coloca em sentido e a maioria bate palmas às suas manifestações sonoras, mesmo que anedóticas e patéticas. Lá no tanque, encontramos os seus apelidos na universidade da biodiversidade, na biblioteca de algas marinhas, nos funcionários do paço regedor da vida animal e que gere os destinos da peixaria.
Depois há os peixitos, aquele grupo que só conta enquanto alimento e mão-de-obra para os peixões. Como formigas em verão de estio, atrelados com alguns filhos, vemo-los esfalfados a atravessar o lago de um lado para o outro, num rodopio incessante em busca de alimento. Algumas vezes rebuscando as migalhas caídas dos opíparos repastos da classe soberana. Para além de serem os primeiros a cair no arrasto, aquando da faina dos predadores porque estão mais expostos, este agrupamento também serve para votar e eleger sempre os mesmos na autocracia da mancha líquida de história retorcida e sem narrativa reconhecida.
E no meio destas duas classes há então os híbridos, aqueles que, para além de andarem permanentemente de boca aberta como se estivessem continuamente a pedir comida, não servem para nada ou quase. Não trabalham, não votam, não bajulam. Mesmo desprezados por todos, pela classe dominante e pela classe dominada, como tábua de mandamentos, servem apenas para marcar as fronteiras entre a senilidade e o bom senso e o remedeio e a miséria. Apelidados por todos de loucos, estranhamente são livres. Não conhecem horários, dormem em qualquer recanto das profundezas do lençol de água, mesmo que imundas, e, ainda mais extraordinário, sorriem, sorriem como nascituros livres de preocupações.
Estranhe-se também como é que eu querendo escrever sobre o senhor Mendes, personagem de mistério, que vagueia por estes becos e ruelas, e que apelidei de Furamundos, dei uma volta ao figurativo interior dos elementos somente para dizer que pessoas como ele, cromos e projeções de nós, e que existem em todas as comunidades, têm um encanto natural. Dificilmente conseguimos passar ao lado das suas interessantes formas de estar e (com)viver a pulular pela cidade, nem que seja, pelo menos, com um olhar fugidio.


OS MÚSICOS DE RUA ATUARAM NO PAVILHÃO DE PORTUGAL

 A denominada “Orquestra de músicos de Rua de Coimbra”, num gentil convite de Emília Martins e presidente da Direção da Orquestra Clássica do Centro, atuou no Pavilhão de Portugal. Inserido na comemoração da 39ª comemoração do 25 de Abril esta banda constituída essencialmente por fantásticos músicos de rua, mais uma vez, esteve presente neste grande salão cultural da cidade. Este agrupamento, formado em finais de novembro do ano passado, com cerca de uma dezena de executantes, depois da fase de maturação sempre normal nestas coisas, neste momento e já em resultado de escolha apurada tem seis componentes que nunca falham, o Lourenço, o Emanuel, o Paolo, o Luís Cortês, a Celeste e este vosso servidor, que é uma espécie de faz-tudo, compõe e musica os temas (pessimamente, porque não há outro), toca (desafinado), canta (mal, evidentemente) e faz umas palhaçadas (porque é um desavergonhado) na rua para levar os transeuntes a contribuírem para ajudar estas generosas pessoas que fazem o favor de o acompanhar. Para além dos que nomeei, há ainda um eventual, o Gastão, um espetacular instrumentista, de clarinete, que sempre que pode nos segue. Já agora, aproveitando este momento de publicidade que eu próprio me concedo e aos meus colegas, gostaria muito de ver outras pessoas a tocar connosco. Tem sido muito difícil de conseguir. Juro por minha honra que, a começar por mim, para além de uma certa demência notória, com queda para o show business, não sofro de nenhuma doença transmissível e não tomo qualquer medicamento ou droga, incluindo álcool. Pelos meus colegas, atesto que, para além de serem humildes e umas ótimas pessoas (que são grandes defeitos nos tempos que correm) também não padecem de qualquer patologia assim de mais e que possa prejudicar alguém. Nenhum deles tem uma qualquer doença grave e que possa ser nocivo à comunidade. Quer dizer, estou a lembrar-me agora, a Celeste Correia, para além de ser uma bonita mulher, não tem complexos de tocar com os músicos de rua. Ora, vendo bem, e olhando à volta, tenho dúvidas de que tenha mesmo os parafusos todos na rosca certa. Quase aposto que não tem. Como é que pode? Como é que uma mulher, que não precisa daquilo para nada, se expõe a estar com estes malucos de sanidade de normalidade acima da média? É certo que não lesa ninguém, antes pelo contrário alegra todo o meio envolvente, mas, mesmo assim, cá para mim, esta senhora está muito doente. Só pode. Provavelmente será maleita de gaiteira. E isto, convenhamos, é uma doença gravíssima. Curável não será de certeza, porque, penso, é crónica e não há ainda medicamento inventado. Isto tudo para dizer que se aceitam candidatos envergonhados e que queiram perder os “três vinténs” da timidez. A entrada é imediata e não precisam de ter experiência.



POLÍCIA MUNICIPAL CUMPRIU O SEU DEVER

 Na sexta-feira da semana passada, agentes da Polícia Municipal deixaram umas lembrancinhas a uns certos abusadores que, reiterada e abusivamente, fazem da Praça do Comércio, uma das mais antigas pracetas da Baixa, um estacionamento privado. Como já se viu, os cívicos multaram e muito bem todos os veículos estacionados irregularmente no vetusto largo e símbolo histórico da compra e venda. Que não lhe doa a mão que prescreve a sanção. Aliás, façam o favor de vir todos os dias para ver se esta gente aprende. Se a maioria coloca os seus carros nos estacionamentos a pagar, por que razão há-de haver uma dúzia de munícipes, quase sempre os mesmos, a furar o esquema? É evidente que o fazem na razão direta da permissividade concedida no deixa correr. Por outras palavras, se há um pino junto ao Banco de Portugal, na entrada da Rua Sargento-mor, porque não está a funcionar? Lembro que este sistema de pinos de impedimento de tráfego nas ruas estreitas custou em 1999 qualquer coisa como 80 mil euros e, tal como outros abandonados e mal cuidados, estão inertes e não servem para nada. Perante investimentos públicos desta envergadura não admira que as coisas estejam como estão!
Voltando à Praça do Comércio, não sou de modo algum partidário de um Estado-polícia onde a ordem só funciona à cacetada, mas, perante certas posturas individuais de usurpação da liberdade coletiva, tenho de confessar que não há mesmo volta a dar-lhe. Já por duas vezes fui falar pessoalmente com um comerciante desta praça para não colocar o lixo durante o dia e não estacionar a sua carrinha ao lado e em frente à Igreja românica de São Tiago, construída no século XII. Pelas duas vezes me respondeu que, sim senhor, iria tomar cuidado. Nos dias seguintes a lixeira e o carro de mercadorias lá continuam. O que esperam estas pessoas que, ganhando aqui a vida, deveriam dar o exemplo?




TERTÚLIA "NÃO APAGUEM A MEMÓRIA"



"Sábado, 18 de Maio de 2013, pelas 15:00, COIMBRA - Casa Municipal da Cultura. TERTÚLIA sobre o tema "NÃO APAGUEM A MEMÓRIA"


 Com Abílio Hernandez e “A resistência ao obscurantismo cultural”; com José Dias e “A brisa pós Vaticano II”; com Manuela Cruzeiro e “As mulheres na resistência”; e com Rui Namorado e “As lutas estudantis”. Esta  tertúlia será moderada por Miguel Cardina e contará com a participação da direcção do NAM, Não Apaguem a Memória."


(Recebido por e-mail com pedido de divulgação)

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O SOLITÁRIO

(Foto de Leonardo Braga Pinheiro)



 O homem está sentado no cimo do monte e o seu olhar perde-se na imensidão das ilusórias águas límpidas de um lago por si imaginado. Pelas rugas do rosto, como terra lavrada em época de sementeira, pelas cãs prateadas, pela pose de abandono ao sabor do vento, adivinha-se naquele corpo cansado muitos Invernos martirizantes. Os seus olhos, com pouco brilho, parecem angustiados e nublados pelo negrume da solidão. Como feixe de luz mortiça, estão parados lá longe, no horizonte perdido das recordações. Ele magica lentamente como só os pensamentos podem cavalgar a loucas correrias em contraste de águas calmas de balanços existenciais. Se as suas imaginações se transformassem em imagens vivas e tivessem legendas, mais que certo, mostrariam toda a sua vida passada de sacrifício.
Como um filme a preto e branco, tudo começaria umas seis décadas atrás na aldeia recôndita e enterrada no país analfabeto e perdido nas profundezas do obscurantismo. Ver-se-ia um miúdo, esfarrapado e descalço, a apanhar lenha, em aparas, no pinhal acompanhado em melodias de nota única sob o cuscar do Cuco e o piar do Mocho. Como a dar luz numa falaciosa lanterna mágica que projecta figuração numa esconsa parede, vai recordando, desenvolvendo passo a passo, toda a sua vida numa história desenvolvida em retalhos esfarrapados de esforços sem mitigação. Rasgou montes e vales, enfrentou invernos e canículas, lutou de espada em riste contra um futuro predestinado e mais que certo de indigência. Acachapado encostado ao pinheiro, dormitando sob o silêncio da natureza, sonhou ser mais igual a outros referentes conhecidos. Constituiu família e, de degrau em degrau, foi subindo na escala social. Como capitão imbuído em missão transatlântica e em que a salvaguarda da embarcação estava acima de todas as intempéries e mesmo contra a sua própria vida, retirou aos seus o peso da preocupação e poupou-lhes medos do dia seguinte não haver aurora. Vieram os filhos e proporcionou-lhes tudo o que não lhe fora dispensado. Formou-os na educação da liberdade sem levar em conta que aperfeiçoamento sem dificuldades no acesso ao ter não se formam guerreiros para a luta, mas sim animais reivindicativos que tudo julgam ter direito sem obrigatória contribuição. Sem a sentida frustração da negação das portas batidas na cara e sem a angústia de querer e não conseguir, mostrada sem despudor e em descarada manifestação de insignificância, não se fazem cidadãos construtores de colectivos e ambições legítimas sem colocar de lado o bem comum. Esqueceu-se que o sofrimento é a parte reversa que engrandece, no comparte e reparte, a felicidade. Ninguém dará valor ao contentamento se não tiver passado pelo infortúnio. Nenhum poeta feliz, que não bebeu o copo da solidão desventurada, conseguirá escrever poesia profunda e entendível. “Erro crasso”, pensa para si mesmo o homem em repetida frase expressa mentalmente. Razão tinha seu pai em martirizá-lo quando criança ao sacrificá-lo em pequenos trabalhos domésticos. Estranha forma de reconhecimento e muito tarde para dar o braço a torcer. Há muitas décadas que quem deveria ouvir esta verdade partiu para nunca mais voltar.
Para que trabalhei eu tanto, tanto?”, sofre o homem, engelhando a fronte, em solilóquio que lhe chicoteia o espírito em doses infernais de culpabilidade. Adquiri terras, montes e vales, uma encosta soalheira onde um fio de água assegurava a erva verde e dava cor à paisagem idílica onde uma casa em pedra simbolizava o esperado remanso de uma velhice ternurenta e feliz. Não passeei o que deveria; não viajei por onde queria. O meu Universo global restringiu-se entre a minha rua e o meu local de trabalho. Valeu a pena? Sobre o que angariei, pensando ser um dia o meu pé-de-meia, nada vale para quem compra. O Estado, pelo braço estendido dos governos no confisco à propriedade, nas exigências monstruosas ao pequeno comércio, e aos frutos do labor, numa deliberada intenção desmotivadora, tudo tem feito para arrastar para a lama o gosto por produzir e criar riqueza e transformar trabalhadores em bestas de empecilho social. Assiste-se, hoje, a uma cruzada contra o tangível e uma desvalorização sucessiva dos bens materiais. Hoje só tem valor o que supre uma necessidade imediata.
Aí se eu pudesse voltar atrás! As cambalhotas que eu daria; os sorrisos que distribuiria; as águas em que mergulharia; os oceanos que rasgaria; as mulheres que eu amaria. “Nunca é tarde”, pensa quem lê aqui o que o homem pensa. Mas o pensador sabe que o tempo, o seu tempo, como corda de relógio que se esgotou, passou sem dar por ele e experimenta uma sensação de debilidade. Faltam-lhe a fé anímica tracejada pelos deuses e as forças físicas que, como conquistador dos descobrimentos de há cinco séculos contra o Adamastor, outrora o empurraram contra as correntes do desânimo.



UMA CARTA.... POR ACASO

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



"ESTA CARTA MERECIA SER EMOLDURADA E POSTA EM TODAS AS ESTAÇÕES DE COMBOIOS E NÃO SÓ, POR TODAS AS INSTITUIÇÕES, EMPRESAS PUBLICAS, TODAS AS PAREDES DESTE PORTUGAL, PARA QUE SEJAM DENUNCIADOS TODOS ESTES CASOS .....

E QUE SE ACABE DE VEZ COM "GESTÕES DANOSAS" QUE DÃO MILHÕES EM CASH E MORDOMIAS, AOS MARAVILHOSOS GESTORES QUE AS PROVOCARAM E QUE AINDA OS DESLOCAM DE EMPRESA EM EMPRESA, PARA CONTINUAR A SUA BOA "ACÇÃO" E RECOLHA DE "FUNDOS"




"Carta da Marisa Moura à administração da Carris

Exmos. Senhores José Manuel Silva Rodrigues, Fernando Jorge Moreira da Silva, Maria Isabel Antunes, Joaquim José Zeferino e Maria Adelina Rocha,

Chamo-me Marisa Sofia Duarte Moura e sou a contribuinte nº 215860101 da República Portuguesa.

Venho por este meio colocar-vos, a cada um de vós, algumas perguntas:

Sabia que o aumento do seu vencimento e dos seus colegas, num total extra de 32 mil euros, fixado pela comissão de vencimentos numa altura em que a empresa apresenta prejuízos de 42,3 milhões e um buraco de
776,6 milhões de euros, representa um crime previsto na lei sob a figura de gestão danosa?

Terá o senhor(a) a mínima noção de que há mais de 600 mil pessoas desempregadas em Portugal neste momento por causa de gente como o
senhor(a) que, sem qualquer moral, se pavoneia num dos automóveis de luxo que neste momento custam 4.500 euros por mês a todos os contribuintes?

A dívida do país está acima dos 150 mil milhões de euros, o que significa que eu estou endividada em 15 mil euros.

Paguei em impostos no ano passado 10 mil euros. Não chega nem para a minha parte da dívida colectiva.

É com pessoas como o senhor(a) a esbanjar desta forma o meu dinheiro, os impostos dos contribuintes não vão chegar nunca para pagar o que realmente devem pagar:

O bem-estar colectivo.

A sua cara está publicada no site da empresa. Todos os portugueses sabem, portanto, quem é. Hoje, quando parar num semáforo vermelho, conseguirá enfrentar o olhar do condutor ao lado estando o senhor(a) ao volante de uma viatura paga com dinheiro que a sua empresa não tem e que é paga às custas da fome de milhares de pessoas, velhos, adultos, jovens e crianças?

Para o senhor auferir do seu vencimento, agora aumentado ilegalmente, e demais regalias, há 900 mil pessoas a trabalhar (inclusive em empresas estatais como a "sua") sem sequer terem direito a Baixa se ficarem doentes, porque trabalham a recibos verdes.

Alguma vez pensou nisso?

Acha genuinamente que o trabalho que desempenha tem de ser tamanhamente bem remunerado ao ponto de se sobrepor às mais elementares necessidades de outros seres humanos?

Despeço-me sem grande consideração, mas com alguma pena da sua pessoa e com esperança que consiga reactivar alguns genes da espécie humana que terá com certeza perdido algures no decorrer da sua vida.

Marisa Moura"


(Apanhada e copiada nas trovas das comunicações virtuais)

UM TEXTO PARA REFLECTIR...



Pedro Santos Guerreiro, negócios online.



"O Estado detesta o comércio. Não é preconceito moral, é preceito legal. A carga fiscal, burocrática e inspectiva, os custos, as obrigações e os reportes demonstram-no. Para o Estado, o comércio não é bem economia, é mercado negro; um comerciante é um evasor; uma transacção é uma possibilidade de tráfico.
Talvez os consumidores não tenham a noção do que se passa neste momento no comércio. Não é só a factura obrigatória. É o IVA a 23%, que ou aumentou os preços (afastando a procura) ou reduziu a margem (diminuindo a rendibilidade). São os sistemas de facturação novos, que implicam aquisições de equipamento. É a ligação obrigatória à Internet. É a nova lei do arrendamento comercial. É o novo regime de bens em circulação, que exige uma papelada infernal. Os tempos do comerciante de lápis na orelha nem para nostalgia dão: o Estado passou a coleccionar-lhes as orelhas.

Há razões para isso. Portugal é dos países como mais economia paralela da Europa (estimando-se em 20% do PIB). Segundo um estudo da F. Schneider, de 2011, o sector da construção lidera a lista negra da evasão, com 29%, seguindo-se a hotelaria e a restauração, com 19%. É por isso que, quando saem dados comparativos do Eurostat, os portugueses desconfiam ao verem que a nossa carga fiscal nem está acima da média europeia. Os dados estão certos: o problema é que a carga fiscal é distribuída por uma percentagem menor de contribuintes. Mais: há todos os dias milhares de viagens-fantasma em Portugal, na logística, de mercadorias não declaradas. A tudo isso responde agora o Governo. Mas não só com acção. Com acção, estratégia, táctica, técnica, pressa, pressão, repressão, contradição e tudo o que tem à mão.

Um Estado justo valoriza os cumpridores e pune os incumpridores. Um Estado moderno confia nos seus cidadãos e denuncia os faltores. O Estado Português não é uma coisa nem outra, é um caçador desesperado de impostos. Caça passarinhos com metralhadoras e, enquanto olha para o ar, deixa a caça grossa passar-lhe pelo meio das pernas. Para dinheiro ilegal fora de Portugal, "swaps" especulativos e planeamento fiscal agressivo há advogados suficientemente palavrosos. Restauração? É carregar no gatilho.

O Estado não é grande fulano. Não paga as suas dívidas às empresas, mas cobra-lhes multas pelos seus atrasos. Multiplica taxas camarárias. Sobe o IVA para 23%. Mas é incapaz de ter tribunais que resolvam as questões de cobrança de IVA, em que sobretudo os comerciantes mais pequenos não têm fundo de maneio para resistir. As PME que fornecem grandes empresas confrontam-se demasiadas vezes com prazos de pagamento impostos pelos clientes de que dependem, pagando o IVA a 60 dias, mas recebendo apenas a 120 dias (o que, para mais, permite que quem paga tarde seja "financiado" pelo reembolso do IVA mesmo antes de pagar a factura). Os tribunais são caros e não funcionam, as empresas facturam mas não recebem. Como se costuma dizer, têm "o dinheiro na rua".

Falar de crescimento económico é um mito quando o Estado não percebe que, na voragem fiscal com que está obcecado, faz da vigilância uma caça predatória que mata empresas à velocidade da sua própria tenaz. Tem de ser possível combater o comércio paralelo sem atolar o comércio cumpridor em armas de tortura fiscais, legais e burocráticas – e logo quando mais comerciantes estão a fechar portas. Tem de ser possível diferenciar grandes e pequenos. Tem de ser possível que Estado e cidadãos possam confiar reciprocamente. Tem de ser possível que uma cadeia de valor não seja um valor preso numa cadeia. Tem de ser possível haver essa coisa tão falada e desejada a que se chama… economia."