terça-feira, 23 de janeiro de 2024

BARRÔ: ENSAIO PARA QUE A FESTA DE ANO NÃO ACABE (2)




Em anterior apontamento referi a dificuldade em angariar fundos para um evento, a Festa de Ano da aldeia – e que penso ser transversal -, que é cada vez mais encarado como algo desnecessário, que não faz falta nenhuma, que nem aquece nem arrefece. Mas não é assim, a festa de ano de um lugar habitado não é apenas a alegoria em si mesmo, é a identidade cultural das suas gentes, é o abraço de quem saiu menino e nesse dia regressa coxo e cheio de cabelos brancos.

Numa longa lista, podemos elencar em primeiro lugar as dificuldades económicas das famílias na actualidade.

E como entender que o Estado, através de várias licenças camarárias e outras para espectáculos, cerca de oito licenciamentos, seja cerceador de iniciativas?

Será mesmo por estes dois obstáculos principais que as romarias e outras festas populares estarão em crise?

Como se explica que na década de 1960 e seguintes, quando o número de habitantes/moradores era menor do que hoje, onde o lugar de Barrô era um dos mais pobres na freguesia de Luso, se realizavam três festas anuais: São Sebastião (esta incluía procissão), São José e Alminhas? E não se pense que as festas eram abrilhantadas com um acordeonista e pouco mais. Nada de mais errado.

Enquanto criança e adolescente, relembro muito bem de ver aqui actuar os “Yankes”, o “Amadeu Mota”, os “Pavões”, os “Perus” e até o “Pop Men”. Bandas que eram o top na altura.

É bom recordar que os arraiais eram feitos na via pública – hoje existe na aldeia uma das melhores associações recreativas no concelho, que, desconhecendo-se quem manda nela, não funciona há vários anos.

Na altura, o Domingo da festa era o melhor dia do ano. Era ver os abastados com o seu desempoeirado fato domingueiro e chapéu na cabeça e os mais necessitados com as calças e camisas remendadas nos sovacos no Largo da Capela, colocando de lado os desentendimentos, de rostos abertos e felizes.

A seguir ao Dia de Páscoa, o Dia de São Sebastião, em Janeiro, em Barrô, era o prenúncio da paz na família para todo o ano que se iniciava. Os familiares, que moravam nas redondezas, vindos montados nas suas bicicletas, eram os convidados de honra.

Independentemente da classe, para além de galinhas e coelhos, quase todos matavam uma ovelha ou cabra para fazer chanfana, que era assada nos fornos a lenha situados na parte traseira da habitação. Nestes dias, como perfume a anunciar a vinda de um tempo novo, com os fios ondulantes de fumo a saírem das chaminés, o cheiro a carne assada invadindo tudo em redor, transformava a paisagem em quadro edílico.

Como escrevi ontem, pode até pensar-se que, no pior dos cenários, desaparece a parte profana (vinda de artistas e grupos de baile) mas mantém-se a religiosa. Como defendi, nada de mais falacioso. Se morrer uma, inevitavelmente, a outra entra em coma… A menos que que sejam alterados os métodos de licenciamento e planeamento na logística.

Por outras palavras, se não houver uma reviravolta no pensamento comum, sensibilizando todos para um bairrismo saudável e apelando uma maior generosidade, se não se transformar a sua organização em algo mais sustentável, o mais provável é morrer de vez.

Naturalmente, por parte dos mordomos nomeados não se pode arriscar investir cinco ou dez mil euros e, se o tempo for chuvoso, ficarem com uma dívida às costas, sem rede e sem suporte financeiro.

Por isso mesmo, embora pareça despiciente, é preciso parar e pensar o que queremos. Se queremos mesmo continuar, é preciso não continuar a assobiar para o lado. E que todos se entreguem à causa com honestidade e responsabilidade, de alma e coração.

Não se pode continuar a fingir que a feitura de um evento cultural é apenas para os outros. Os que realizam, assumindo a responsabilidade, devem entregar-se com empenho. Os que assistem tem o dever de comparticipar nos custos e, acima de tudo, comparecerem, para mostrar que estão ao lado de quem faz.


(CONTINUA AMANHÃ) 

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