sábado, 28 de agosto de 2021

MEALHADA: O IMPROVÁVEL TRAMBOLHO

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
 




Por hoje ser Sábado, de manhã, o dia mais disponível do fim-de-semana para as famílias, a média-superfície, com as pessoas a atropelarem-se umas às outras, estava a abarrotar de clientes. Não havia carros de compras vazios e acessíveis. Com alguma sorte, eu e a minha mulher, arranjámos um abandonado num canto do exterior.

Como a escolha de produtos para adquirir e comparação de preços cabe por inteiro à minha consorte, como um bom servidor, dócil e compreensivo, atrás da patroa, sem abrir a boca, não vá ela pensar que estou a imiscuir-me em assuntos do seu ministério, limito-me a conduzir o pequeno veículo parecido com um berço de bebé - é curioso como nestes pontos de venda, onde a sociologia e a psicologia de massas são estudadas ao pormenor, subrepticiamente todos os consumidores são tratados como infantes, com apelos à compra que mais lhes interessa, com promoções e descontos anunciados previamente através de mensagem para o telemóvel, acabamos todos a fazer o que eles querem. Ali, naquele porto de importação e exportação consumista, salvo excepções de isolamento masculino, quem manda são as mulheres e as crianças. O homem acompanhante é uma espécie de jarra florida num altar.

Como sempre faço, enquanto conduzo por entre corredores e montanhas de bens alinhados ao milímetro, distraio-me a avaliar comportamentos. É o anafado que vai adquirir umas garrafas de Coca-cola, é o cara de bebedolas que pede meças a um bom vinho de uma dezena de euros por garrafa, é a grávida que, antecipando o nascimento que se avizinha, mexe e remexe nos brinquedos.

Foi então que mesmo à minha frente vi um sujeito, tipo calmeirão, quarentão, de porte atlético e com roupas desportivas, bater com o carro de compras contra um expositor de latas de refrigerantes. Sentindo-se como libertas daquela presumível prisão, os pequenos canudos refrigerantes, espavoridos, saltaram cada um para seu lado. Era de supor que o homem, perante o acidente provocado por si se debruçasse para apanhar algumas latas e as colocasse no sítio onde se encontravam anteriormente. Mas nada fez, nem nada disse. Impávido e sereno, manteve o seu passo caótico e destrambelhado noutra direcção, como se nada tivesse acontecido.

Perante aquele acto de vandalismo leve e deficiente formação, dei por mim indignado. E fiquei a balouçar entre o chamo-lhe a atenção para o reparo e o/ou não chamo? Se o fizesse corria o rico de ser maltratado verbalmente. Se ficasse quieto apenas como espectador passivo, tenho a certeza, ficaria a remoer no facto de que é a indiferença colectiva, que toca todos e nos responsabiliza, que faz com que cada um, como qual, prevarique a seu modo e não respeite as mais elementares leis da moral que nos devem conduzir no dia-a-dia.

E fui ter com o gabiru: o caro amigo desculpe, mas não entende que deveria ter apanhado as latas que deitou abaixo e deixou espalhadas no chão? O senhor, que já tem alguma idade, com a sua forma de ser e estar, é um exemplo para os mais novos. Acha que fez bem? - interroguei.

Olhando para mim com olhar de surpresa, titubeante, respondeu: “há aí muita gente para apanhar. Claro que fiz bem!”


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