sexta-feira, 11 de outubro de 2013

UMA VIOLA PARA O RUIZINHO



É Domingo dia 6 deste mês de Outubro. O Sol fustiga quem se assoma. São 13 horas acabadinhas de bater na torre sineira da igreja da Vacariça. Ali mesmo ao lado, na Póvoa do Loureiro, à porta do restaurante “Canto Directo”, um grupo de cerca de vinte pessoas, vindas das faldas da Serra da Estrela em motorizadas clássicas, perfila-se para tirar umas fotos para a posteridade. Estão acompanhadas de um rapaz com uma viola a tiracolo e preparado para tocar a qualquer momento. É notória uma simbiose perfeita entre os dois, como se o aparelho fizesse parte do corpo ou fosse mesmo a sua alma. Se atentarmos bem no estado do instrumento acústico, de seis cordas, do puto verificamos que já teria tido melhores dias. A fita-cola bem à vista, a tentar reparar o irreparável, é disso testemunha. O Rui, o instrumentista, não sabe por que foi convidado para almoçar com este grupo tão simpático de homens e mulheres. Sabe apenas que um mês antes, em Setembro, encontrou este mesmo agrupamento de pessoas no Luso e pediram-lhe para ele tocar umas modinhas. E o Ruizinho, como é carinhosamente tratado por estes viajantes, não se fez rogado e, acompanhado da guitarra, cantou e encantou numa tarde solarenga ali mesmo próximo da fonte das onze bicas.

QUEM É O RUI?


Há cerca de dois anos encontrei o Rui Ferreira a vaguear sozinho pelas ruas da vila acompanhado da sua inseparável viola. Como caminheiro em busca de um santo redentor, este adolescente percorria as ruas a tocar e a cantar. De certo modo identifiquei-me com a sua forma de ser. Na sua pose, vi-me nas mesmas circunstâncias quatro décadas atrás. Ou seja, naquela imagem vi o miúdo que já fui, que tanto gostava de música, que aprendeu tocar viola pelos seus próprios meios, e que não teve possibilidades de ir além do desejo de querer ser. Escrevi um texto aqui no blogue e foi publicado no jornal da sede de concelho, “Mealhada Moderna” –hoje, infelizmente, encerrado. Volta e meia, quando vou ao Luso, ao meu Luso que tanto gosto, encontro o Rui a desempenhar a missão que se julga vocacionado e predestinado.
Agora com 19 anos, já maior mas a conservar o mesmo olhar traquina de infante, o imitador de Tony Carreira diz o seguinte: “acabei um curso de agricultura há pouco tempo. Fui para o centro de Santo Amaro, em Casal Comba, mas que pertence à APPCDM de Anadia. Continuo a tocar pelas estradas de Luso. Foi o meu pai que me passou as posições, as notas na guitarra, para um papel e eu aprendi sozinho. Durante muitos anos ele foi baixista numa formação musical do Pego, uma localidade próxima, que se chamava “Expresso”.


E QUEM SÃO OS VIAJANTES MOTARD’S?





Júlio Parente é o mentor do grupo de amigos de duas rodas, com sede em Póvoa Nova, Seia. Nascido em Agosto de 2010, baptizaram este agrupamento de “Roda Punho”. Vamos ouvir o Júlio: “somos cerca de vinte amigos. Saímos de vez em quando todos juntos nas nossas motorizadas clássicas. Uma vez por ano organizamos lá na nossa terra, em Póvoa Nova, um grande encontro em que se chegam a juntar mais de uma centena de pessoas –a minha aldeia tem cerca de 170 habitantes. Temos lá um prémio para a mota mais antiga e mais bem restaurada. Foi a paixão pela motoreta, o ciclomotor, a rainha das estradas durante tantas décadas do século passado, que nos moveu para estes encontros. É uma família autêntica. Temos aqui vários elementos com várias profissões. Há aqui de tudo, digamos assim, agentes da GNR, seguranças, vendedores, enfermeiros, informáticos… está a ver?
Em 14 de Setembro, último, realizámos um passeio à Praia de Mira em motorizada. No regresso parámos no Luso. Foi então que vimos o Ruizinho a tocar e a cantar à nossa frente. Convidámo-lo para mostrar os seus dotes artísticos para nós. Quando ele acabou de tocar a primeira música reparei que ninguém bateu palmas e ele ficou tristonho. Senti uma dor. Imediatamente, dando o exemplo, puxei por todos para que ovacionassem o trabalho deste rapaz e, perante o entusiasmo de todos, tocou mais e muito mais. Poderia ter sido o ar triste dele, mas impressionou-me. Qualquer coisa, que não sei explicar, me tocou fundo. Vi o mau estado da guitarra. Fomos embora para Seia. Na viagem, enquanto galgava o asfalto, ia pensando que tinha que saber mais acerca deste personagem tão invulgar que percorria as ruas da vila com a água mais famosa de Portugal. Quando cheguei a minha casa fui ao computador e, no Google, no motor de busca, digitei “miúdo da viola do Luso”. E, nem de propósito, saiu-me o texto no seu blogue. Era mesmo verdade, este rapaz é muito humilde. Temos de fazer alguma coisa por ele, disse para com meus botões. No dia seguinte estava a propor aos meus colegas do “Roda Punho” a intenção de proximamente, num almoço, lhe oferecermos uma viola nova. E foi o que fizemos. Não podemos fazer grandes coisas –somos todos gente de trabalho-, mas nestes pequenos gestos, com pouco, podemos sempre fazer alguém mais feliz. Se cada um der um pouco, o pouco todo junto passa a ser muito. Concorda comigo, não concorda?
Contactei-o a si através do seu blogue e depois a Junta de Freguesia de Luso. Por isso mesmo estamos aqui, no restaurante “Canto Directo”, na Póvoa do Loureiro, para almoçarmos e, numa cerimónia simples, fazer a oferta ao Ruizinho.”


E O LEITÃO ESTAVA BOM?






Sem grandes manifestações efusivas, embora parecesse sorrir muito mais, o Rui ficou contente. Mais uma vez tocou Tony Carreira e outros artistas de renome. Foi muito bem acompanhado por um coro de excelência que sabiam as letras de cor e salteado, ao que parece já ensaiadas em muitas apresentações de Caraoque lá nas proximidades da Serra da Estrela.
Com a simpatia do dono do restaurante “Canto Directo” e com o bom sabor do leitão à bairrada acompanhado de bom vinho, ou não fosse a zona abençoada por Deus, o grupo “Punho Directo”, montado nas suas bombas de duas rodas rumaram para terras mais frias do interior. Em meu nome pelo amável convite, em nome do Rui, em nome de uma humanidade que, pelo exemplo, se espera multiplicar, bem-haja. Boa sorte para o “Roda o Punho”!

1 comentário:

Anónimo disse...

Ese Rui tiene talento y personalidad!