sábado, 2 de outubro de 2021

ENSAIO PARA UMA ESPERANÇA RENASCIDA DAS CINZAS

 

(imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



Como um livro que já lemos várias vezes, como um filme que já vimos repetidamente e antecipadamente já conhecemos o final de cor e salteado, com as eleições realizadas há uma semana estamos a viver um “déjà vu”, uma forte sensação de já ter vivenciado tudo isto. O estranho, digo eu, é incessantemente, de forma replicada, continuarmos, de eleição em eleição, com uma fé renovada.

Um mandato de quatro anos para um novo autarca eleito para uma câmara municipal é composto por quatro períodos.

O primeiro poderemos chamar-lhe em “estado de graça”. É neste espaço de tempo que, sobretudo pelos que lhe deram o voto, todas as esperanças, acumuladas em lastro de frustração no titular anterior, acompanhadas de palmadinhas nas costas, são depositadas no novo edil. Sob uma aura mística, com uma fé depositada em urna sagrada, é elevado à condição de santo protector dos desafortunados.

Em analogia, muitas vezes é equiparado a um novo Dom Sebastião, que emergindo da bruma misteriosa, do nevoeiro nebuloso, veio para nos salvar e livrar das garras ditatoriais do caído em desgraça. As expectativas estão ao rubro, e quanto maior for a expectação, maior será a desilusão futura para os munícipes.

O segundo período, a partir do segundo ano, pode ser apelidado “tempo da realidade”. É nesta altura que o novo comandante - já conhecedor do verdadeiro estado em que se encontra o barco sobre o seu comando, obrigações financeiras de curto e médio-prazo, projectos em curso -, toma contacto com a vivência factual e fica a saber com o que pode mesmo contar. Contrariamente ao que foi prometido em campanha, inevitavelmente começando a praticar alguns erros apontados ao antecessor, toma noção de que a mudança não assenta unicamente na sua vontade mas, antes, na convergência de vários factores, entre eles a máquina administrativa, suporte estrutural para uma reforma transversal eficaz.

É nesta segunda passagem que se verifica uma metamorfose, uma alteração física e psicológica visível na forma de apresentação pública do alcaide. O cansaço instala-se, os olhos parecem encovados, as rugas marcam presença constante no rosto como terra lavrada, acompanhado com a perda de cabelo. A simpatia e a empatia, anteriormente sempre presentes, começam a desaparecer e a dar lugar a um semblante sombrio e granítico.

Por parte dos munícipes, até aqui tão entusiastas do novo líder, manipulados pela oposição e outrora governo caído, inicia-se o desencanto e, embora em pequenos sinais, as farpas envenenadas começam a marcar o dia-a-dia nas Redes Sociais.

O terceiro decurso, por volta do terceiro ano de mandato, pode ser denominado de “já foste”. É neste intervalo que a insatisfação daqueles que depositaram elevada crença no novo “salvador”, aquando da eleição efusivamente ergueram bandeiras e slogans de apoio, por não verem os seus problemas resolvidos, ou por terem prespectivado interesses pessoais não satisfeitos, intentam uma campanha de “bota-abaixismo” contra o até há pouco delfim e classificado por eles como “o melhor presidente de sempre”. Num ápice, o até aqui justo, o equitativo, o amigo da classe pobre, passa de “bestial” a “besta”.

E vem o quarto e derradeiro prazo para prova de vida. Vamos chamar-lhe “o tudo ou nada”. É o último ano para tentar convencer os maledicentes, os descontentes, os insatisfeitos e conquistar novos apoiantes seja à esquerda seja à direita. “Venham a mim todos os meninos com mais de 18 anos e votem no meu projecto de continuidade”, proclama o novo (re)candidato à reeleição.

Mais que certo vai ser anunciada e prometida uma colossal construção que até Deus, na sua eterna complacência pelos humanos, vai abrir os olhos de espanto.

As obras, prometidas três anos antes em campanha e adiadas por impossibilidade de meios, como milagres de Fátima, vão emergir do nada e, de repente, as estradas do concelho estão a ser repavimentadas e restauradas.

Se, mais ou menos igual, tudo é duplicado, por que razão, de quatro em quatro anos,

percorremos os mesmos passos? Porque a fé em busca de um amanhã melhor nem se esgota nem, para quem acredita, se discute.

Afinal, ou não fosse a esperança “uma expectativa optimista baseada na possibilidade de que alguma coisa que se quer muito ocorra”.

Se calhar, porque, por vezes, à força de tanto arremedo a nossa vontade realiza-se mesmo. Será desta?

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