terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

CMC: OS OLHOS DO PRESIDENTE

(Imagem do jornal online Notícias de Coimbra) 



É público que o anterior presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, não morria de amores pelas intervenções dos munícipes nas reuniões do executivo. Desde o prolongar as sessões durante várias horas para além do horário regulamentar preconizado no Regimento, que estava e está previsto para as 17h00, desde usar de uma certa truculência nas respostas, até fazer ruído propositado no microfone para que o interveniente não pudesse ser ouvido, muita coisa aconteceu nos últimos anos naquele plenário que não deixa saudade.

Decorrendo na sala de reuniões, seguindo a disposição das últimas décadas de poder autárquico, os assentos dos decisores estiveram sempre plasmados com o mobiliário exposto em forma de U. De costas para a Praça 8 de Maio, estava acomodado o presidente, seguindo-se, do lado direito, o grupo vencedor das eleições e, do lado esquerdo, a oposição. Ao fundo, a fechar o U, estava uma mesa e uma cadeira para a intervenção pública. Quando o cidadão intervinha fitava de frente todos os eleitos presentes.

Antes de continuar, vale a pena pensarmos que a distribuição de mobiliário numa dependência pública obedece a um rigoroso critério de escolha. Se for uma sala-de-espera pode ser, por vezes, composta por uns fofinhos sofás. Implicitamente, a mensagem passada é que o “cliente” é a parte mais importante na relação administração-administrado.

Já se for uma sala de audiência, em que se presta atenção a quem nos fala, terá sempre acoplado o modelo e a ordenação de uma sala de tribunal. São assim dispostas as salas de aula, os teatros e cinemas, as igrejas, as assembleias de entidades privadas, assim como as sessões camarárias. Aqui, nestas divisórias de parlatório onde a representação individual é o paradigma, inevitavelmente, em bivalência, a comunidade está sempre dividida por duas classes: os bons e os maus; o rico e o remediado; os julgadores e os julgados; os inteligentes e os de média-compreensão.

Depois desta apresentação, já podemos antever o significado de o cidadão se posicionar na cauda do U, numa qualquer reunião de câmara: é o lugar que cabe ao factor de menor importância naquele espaço.


MAS, EIS QUE...


As últimas eleições autárquicas em Coimbra, em 26 de Setembro, foram ganhas por uma coligação de vários partidos chefiada por José Manuel Silva (JMS), nos últimos quatro anos oposicionista ao então caído em combate Manuel Machado.

Mostrando por todos os meios, práticos e psicológicos, a fazer passar a mensagem pública de que nada tem de semelhante com o anterior edil, vamos avaliando passo-a-passo cada medida tomada. É assim que assistimos hoje à venda do Audi 8, comprado por Machado em 2018, em hasta pública – e que noutra crónica tocarei o assunto.

Mas o que queria mesmo chamar à colação é a alteração de paradigma na relação edilidade-munícipe. Sendo salutar, uma vez que há vários procedimentos a serem desburocratizados, vou apenas debruçar-me sobre as reuniões de Câmara, sobretudo na relação com o contribuinte.

Talvez porque não foi notado, sem qualquer reparo, as sessões passaram a ser realizadas no Salão nobre da Câmara Municipal, para serem transmitidas via online. Mas há mais, a mesa e a cadeira destinada ao cidadão, que estiveram sempre na cauda do U, passou para a frente, mesmo encostadas à presidência, isto é, o interventor fica frente-a-frente, olhos-nos olhos com JMS.

Antes de prosseguir, vamos tentar interpretar esta mudança. Salvo melhor opinião, é como se o novo presidente, mais uma vez descolando do precedente, quisesse transmitir aos urbanos: “recebo-vos neste salão de cerimónias por serem, de todos, as personalidades mais importantes; para além de virem por bem, venham muitos. Para além disso, sem acrimónia, com empatia, agora falam directamente comigo. Vocês, meu povo, são a razão maior de eu estar aqui.

Há um porém, por não ser prático, vai ter de se separar o “carinho” da “funcionalidade”. Ao falar, a pessoa está de costas para a maioria de vereadores e, se houver diálogo, o indivíduo não sabe com quem está a trocar impressões.

Por outro lado, tendo em conta que não é ético para os membros eleitos que fazem parte deste hemiciclo, pode parecer que são despicientes. De certo modo, é como se estivesse a valorizar demasiado quer as funções do interveniente quer a presidencial, esta que ali é arbitrária, e a desvalorizar os restantes membros.

Por conseguinte, recomenda-se que se continue, sem exagero, a paparicar o munícipe mas que o faça retornar à posição inicial, como quem diz, ao fundo do U.

Vale a pena pensar nisto?

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