quarta-feira, 27 de julho de 2016
terça-feira, 26 de julho de 2016
FALECEU CUNHA ROCHA

(Deixo esta minha composição em elegia ao mestre)
Pelas
11h00, faleceu hoje, no Hospital de Leiria, Cunha Rocha, um dos
maiores artistas nacionais das artes plásticas. Com obra reconhecida
espalhada pelo mundo inteiro, desde a América, passando pelo Canadá
e Brasil, até à Austrália, Rocha foi sempre um apaixonado por
Coimbra -nasceu na Rua Fernandes Tomás, número 34, já lá vão 84
anos. Era ali, naquela casa humilde que a sua mãe, Florinda da Silva
Pratas, amassava, cozia e depois vendia, aos cafés Nicola, Central,
Briosa e outros, as melhores arrufadas de Coimbra de todos os tempos.
Em 1944, com 12 anos,
começou a trabalhar com o Vasco Berardo -um outro grande vulto da
pintura e escultura coimbrã. A sua primeira exposição foi em 1956, na
desaparecida galeria d’O Primeiro de Janeiro, na Rua Ferreira
Borges. Nesta altura, assinava “Achor Anhuc”, que era o
seu nome invertido, para lhe dar um certo ênfase estrangeiro. Depois
rubricou as suas obras com “António Rocha” e só mais tarde
passou a marcar todos os seus trabalhos com “Cunha Rocha”, nome
que ficaria para sempre gravado para a posteridade.
Em 1966, já consagrado
pintor de artes plásticas, em busca de uma vida melhor, partiu para
o Canadá. Depois de nove anos neste país norte-americano foi para o
Brasil. Aqui, na ex-colónia portuguesa, o seu mérito artístico
viria a ser reconhecido com uma medalha de ouro e outra de prata.
Regressou a Coimbra em 1978. Nesta época, por acaso fortuito, em
namoro de ocasião, foi para a praia da claridade, Figueira da Foz,
onde, na areia, enterrou para sempre o coração em promessa de amor
eterno. Na companhia da sua paixão de vida, a esposa Isabel, fez da
cidade-praia o seu berçário e uma das razões do seu viver.
A
última exposição deste grande pintor ocorreu em Coimbra em 2013,
na Praça do Comércio. Nessa altura, tive o privilégio de o
entrevistar para o jornal O Despertar. Padecente de um edema pulmonar
que lhe atrofiava as vias respiratórias há vários anos, Cunha
Rocha foi sempre um resignado à sua dor. Sofria em silêncio. Era
capaz de fazer tudo pelo seu amigo. Não se interessava pelos bens
materiais. “Embrulhava-se completamente nas causas sociais e
sentia o sofrimento alheio na sua própria alma” nas palavras
de Isabel, a sua esposa.
Em jeito de crítica,
Coimbra foi sempre madrasta para os seus artistas. Naturalmente que
Cunha Rocha não poderia fugir à sina desta cidade sem
reconhecimento.
Amanhã, quarta-feira,
pelas 10h00, o seu corpo estará presente para velório na capela do
Crematório da Figueira da Foz. Pelas 15h00, será a missa de
corpo-presente e uma hora depois, pelas 16h00, seguir-se-á a
cerimónia de cremação.
À Isabel Mora, a esposa e dedicada companheira,
e restante família, nesta hora de profunda dor, em nome da cidade
-se posso escrever assim-, em nome da Baixa, os nossos sentidos
pêsames. Embora o génio prolixo e vasta obra pictórica o recorde até
à eternidade, foi-se um de nós. Até sempre, amigo Cunha Rocha.
quinta-feira, 21 de julho de 2016
BAIXA: COIMBRA É UMA LIÇÃO

A
Farmácia Nazareth, a mais antiga da cidade e do país -foi fundada em 1815-, vai sair da Baixa, da Rua Ferreira Borges. Se Adolfo Rocha (Miguel Torga), que era cliente, ainda estivesse entre nós mandava um palavrão que rebentava os tímpanos a muito boa gente.
Segundo
informação de alguém que pediu o anonimato e que sabe do que fala,
“o alvará foi vendido há cerca de dois anos e o novo adquirente
vai deslocalizar os serviços para a Avenida Afonso Henriques, junto
à Escola José Falcão, em Coimbra, até ao fim do ano.”
E
O QUE VAI ACONTECER ÀS CENTENÁRIAS INSTALAÇÕES?
Uma
coisa se adivinha facilmente, a Baixa vai perder o seu
estabelecimento comercial mais antigo e ainda em actividade. Saber o
futuro daquele magnífico espaço museólogico é um enigma -para não
dizer que é a pergunta de um milhão de euros.
Dizer
também que já nada pode evitar uma perda destas -mesmo juntando os
cacos- é o óbvio de La Palisse. No entanto -e segundo o
meu depoente tal hipótese pode não ser descurada-, no mal menor
para a colectividade, poderia, por exemplo, transformar-se o espaço
ainda ocupado pela “Pharmacia Nazareth” em museu, sei lá, da
Associação Nacional de Farmácias.
E
NINGUÉM SE IMPORTA?
Em
nome da verdade, é bom dizer que a Câmara Municipal de Coimbra, à
luz das directivas europeias concernentes à livre concorrência,
nada pode fazer para evitar a transferência para outro local da
cidade. Transposto para o ordenamento jurídico nacional, a lei é geral e abstracta.
Porém,
a meu ver e já vem de longe, a edilidade faz o que costuma fazer sempre:
assobiar para o lado. Faz de conta que nada se passa. Por vezes até se debate, debate, debate e nunca se sabe qual é a cultura de Coimbra. Ainda há dias
foi o leilão da insolvente ACIC, Associação Comercial e Industrial
de Coimbra, fundada há mais de 150 anos. Na última Assembleia
Municipal, de há cerca de duas semanas, Manuel Machado, presidente
da autarquia, foi questionado por um deputado sobre o interesse que a
Câmara Municipal estava a dar à execução patrimonial. Perante
todos, Machado disse mais ou menos isto: a edilidade
está a seguir com toda a atenção a venda judicial. Quando for caso
disso, faremos exercer o direito de preferência. Até porque a ACIC
e a autarquia são parceiros num projecto comum -salvo
erro a NOVOTECNA. O leilão da ACIC decorreu nas instalações da
Relvinha. Alguém leu alguma coisa nos jornais acerca da intervenção
municipal a exercer a preferência na venda?
No
entanto, pelo que julgo saber, para evitar o desaparecimento de
estabelecimentos emblemáticos antigos, há um instrumento legal em
vigor há décadas -pouco utilizado pelas autarquias- que é
classificar um espaço patrimonial com a Declaração de Interesse
Municipal. Como é de prever, julgo, é um processo moroso que,
implicando a concordância de várias entidades, leva tempo e até se
obter luz verde não nos doa a cabeça.
Como foi anunciado há dias na imprensa, a Câmara Municipal de Lisboa tem em mãos a discussão de um novo Regulamento Municipal para a classificação de "Lojas com História".
Como foi anunciado há dias na imprensa, a Câmara Municipal de Lisboa tem em mãos a discussão de um novo Regulamento Municipal para a classificação de "Lojas com História".
CROCHÉ SOCIAL DOS LARGOS DA BAIXA RECOMENDADO PELA ASSEMBLEIA
Segundo
uma informação pouco credenciada mas séria às vezes, na próxima
Assembleia Municipal de Coimbra vai votar-se uma recomendação ao
executivo para atribuir a medalha de cortiça ao croché colocado em suspensão no Largo da Freiria.
Está
a decorrer desde 04 de Julho até 31 de Agosto de 2016 o IV Festival
de Croché Social de Coimbra. É uma iniciativa da Câmara Municipal
de Coimbra e com a colaboração de IPSS's, Associações, entidades
e comerciantes de Coimbra, com instalações artísticas em espaço
público.
Anunciado
em cartazes distribuídos na cidade, ao vivo e a cores, as mostras
artísticas deveriam poder ver-se na Rua Fernandes Tomás, Escadas de Quebra
Costas e Largos do Arco de Almedina, Largo do Poço, Largo do Paço
do Conde e da Freiria.
Este
ano, e excedendo tudo o que até agora foi concebido e realizado, as
obras distribuídas na Baixa ultrapassaram tudo o que se possa
imaginar. As peças expostas nos Largos do Poço, Paço do Conde e da
Freiria, numa técnica até agora nunca praticada em Portugal, foram
tão meticulosamente tecidas que até parecem invisíveis. Como arte
viva, sente-se a sua forte presença a tocar os sentidos mas não se
vê. A balouçar ao vento como velas desfraldadas imaginam-se as
caravelas henriquinas. O Sol, como raios x, atravessa o tecido e não
provoca sombra. Invisíveis para todo o género de animais, incluindo
três simpáticos gatinhos que se divertem no Largo da Freiria, os
quadros entrelaçados estão livres de levarem uma cagada fortuita da
passarada. Ou até da destruição de vândalos. É de prever que, contrariando as mostras antecedentes, em
que as obras ficaram queimadas pelos raios solares, para o ano
estarão impecáveis e prontas a ser colocadas em toda a cidade. Como
se sabe, um dos problemas maiores foi sempre a forte degradação dos
painéis trabalhados à mão.
É
uma criação tão fantástica, tão excepcional, tão grandiosa -que
ultrapassa tudo o que se possa imaginar. Só visto! Nem admira a
proposta dos deputados em levar o assunto ao executivo.
Ó QUEIRÓS, É ASSIM QUE PENSAS EM NÓS?
A
divulgação do evento foi realizada com eficácia. Os panfletos
informativos foram distribuídos esta semana de loja-em-loja e
transmitiam o seguinte:

Ou seja, ontem, 20 de
Julho, na Praça 8 de Maio, pelas 17h30, com a presença de Francisco
Queirós, vereador da CDU no executivo municipal, João Pedro
Ferreira, economista, Manuel Rocha, eleito pela CDU na Assembleia
Municipal, e Rui Canas, presidente da junta da União de Freguesias
de Setúbal, iria ser apresentada uma “SESSÃO PÚBLICA”
com os temas “Defender, Reabilitar, Povoar e Dinamizar a
BAIXA!”
E CHEGOU A HORA
Às
17h45, entre sentados e em pé, cerca de três dezenas de
espectadores ouviam Rui Canas a falar da sua experiência enquanto
autarca de Setúbal. De Manuel Rocha, anunciado como palestrante, nem
sombra.
IR BEBER À FONTE
Lendo
a página da CDU, no Facebook, ficamos a saber que a “Sessão
Pública da CDU em Coimbra sob o tema "Defender,
Reabilitar, Povoar e Dinamizar a Baixa de Coimbra". A CDU tinha
como objectivo discutir a Baixa, na Baixa com quem nela está, vive e
trabalha, daí a escolha da rua para realizar a sessão. O resultado
foi um debate participado.”
Continuando a citar, “O
diagnóstico feito foi de degradação, descaracterização da Baixa
e envelhecimento dos seus habitantes. Concluiu-se que ceder às
pretensões da especulação imobiliária e das grandes superfícies
comerciais é contrária aos interesses dos habitantes e utilizadores
da baixa. Concluiu-se ainda que a participação envolvimento da
população são essenciais para encontrar soluções.”
E ainda mais um
bocadinho, “O mal que se fez à Baixa ao longo das últimas
décadas não foi todo feito na Baixa, mas nas novas centralidades
que se produziram sem programação que não fosse a da obtenção do
lucro rápido das bolhas a que os centros das Cidades foram
sacrificados. É preciso inverter este rumo! "Queremos aqui ver
moradores, através de soluções habitacionais de baixo custo. E os
SMTUC envolvidos na solução, beneficiando – os Serviços e os
cidadãos – de uma via de transporte exclusiva, potenciando um
sistema de mobilidade que é um traço essencial desta Cidade. E
comércio, serviços e equipamentos de Cultura e de lazer."
Ó QUEIRÓS, ESTÁS A MANGAR DE NÓS?
Em
forma de amansar a fera, começo com uma ressalva, com toda a
franqueza, gosto da forma humilde de ser de Francisco Queirós,
vereador eleito pela CDU na Câmara Municipal de Coimbra. É um tipo
acessível -embora não único, é uma qualidade rara na vereação
do executivo socialista. Para além disso, porque já constatei, é
um sujeito sensível às questões humanitárias -para mim, premissa
maior para qualquer eleito por sufrágio universal.
E
agora vou às hostilidades. Vamos lá às questões:
Primeira,
qual é a ideia da CDU apresentar uma sessão pública sobre a Baixa
às 17h30, direccionada essencialmente para os comerciantes
interessados, quando se sabe que a esta hora todos têm de estar a
trabalhar nos estabelecimentos? Foi por pensar que os lojistas, neste
ou noutro qualquer horário, não apareciam nem que lhes oferecessem
um moscatel de Setúbal?
A
segunda, cabe na cabeça de alguém, exceptuando na dos comunistas,
realizar um fórum em jeito de comício na via pública num horário
de ponta e intenso barulho?
Terceira
este evento teve apenas por intenção não ficar atrás do movimento
Cidadãos por Coimbra na resolução dos problemas da Baixa? Se foi,
está cumprida a missão da CDU!
AGORA VAMOS À PÁGINA
DO FACEBOOK
"Defender,
Reabilitar, Povoar e Dinamizar a Baixa de Coimbra". A CDU tinha
como objectivo discutir a Baixa, na Baixa com quem nela está, vive e
trabalha, daí a escolha da rua para realizar a sessão. O resultado
foi um debate participado.”
Perguntas
tolas: se a intenção tinha como objectivo discutir a Baixa com quem
nela está, vive e trabalha, é às 17h30 e, ainda por cima, na rua
que se vai realizar um evento com tal propósito assim?
Os
debates foram participados? Por quem? Pelos mesmos do costume?
“O
diagnóstico feito foi de degradação, descaracterização da Baixa
e envelhecimento dos seus habitantes. Concluiu-se que ceder às
pretensões da especulação imobiliária e das grandes superfícies
comerciais é contrária aos interesses dos habitantes e utilizadores
da baixa. Concluiu-se ainda que a participação envolvimento da
população são essenciais para encontrar soluções.”
Perguntas
idiotas: se o diagnóstico está feito -todos sabemos que está e há
muito tempo- a conclusão não deixa de surpreender. Qual é o
placebo que se toma para acabar com a especulação imobiliária? E
para as grandes superfícies comerciais, que são contra os
interesses dos habitantes e utilizadores da Baixa?
E já agora, camarada Queirós, qual foi o sentido de voto da CDU,
no executivo, aquando da aprovação do IKEA, no Planalto de Santa
Clara, numa média superfície na Mesura, junto ao Observatório
Astronómico, e a instalação do Continente, na Auto Industrial?
E essa conclusão da participação e envolvimento da população
serem essenciais para encontrar soluções também é fantástica,
camarada! Como é que se busca esse objectivo? É a fazer eventos às
17h30 na via pública? É com um regimento aprovado na Assembleia
Municipal em que para um qualquer cidadão intervir no plenário tem
de se inscrever com antecedência mínima de cinco dias úteis? E se
for para interferir no executivo terá de se inscrever com uma
semana?
Desculpa lá, ó camarada Queirós, mas só podes mesmo estar a
mangar com nós!
“O
mal que se fez à Baixa ao longo das últimas décadas não foi todo
feito na Baixa, mas nas novas centralidades que se produziram sem
programação que não fosse a da obtenção do lucro rápido das
bolhas a que os centros das Cidades foram sacrificados. É preciso
inverter este rumo! "Queremos aqui ver moradores, através de
soluções habitacionais de baixo custo. E os SMTUC envolvidos na
solução, beneficiando – os Serviços e os cidadãos – de uma
via de transporte exclusiva, potenciando um sistema de mobilidade que
é um traço essencial desta Cidade. E comércio, serviços e
equipamentos de Cultura e de lazer.
Perguntas estapafúrdicas: Se
“o mal que se fez à Baixa ao longo das últimas décadas não foi
todo feito na Baixa, mas nas novas centralidades que se produziram
sem programação que não fosse a da obtenção do lucro rápido das
bolhas a que os centros das Cidades foram sacrificados”, o que quer
isto dizer? Qual foi o sentido de voto da CDU, no Executivo municipal, ao
longo destes últimos vinte anos?
Como
é que se inverte AGORA -depois da destruição parcial do tecido
económico, comercial e industrial? Com mezinhas? Rezando o terço?
Com umas promessas a Nossa Senhora de Fátima?
Como
é que se colocam aqui moradores, através de soluções
habitacionais de baixo-custo? À custa de quem? Dos privados? Saberá
o camarada que as rendas antigas praticadas na Baixa, em média,
estão entre os vinte e os cinquenta euros?
E
os imensos prédios camarários desocupados e em avançado estado de
degradação?
E
essa de ver “os SMTUC envolvidos na solução,
beneficiando – os Serviços e os cidadãos – de uma via de
transporte exclusiva, potenciando um sistema de mobilidade que é um
traço essencial desta Cidade”?
Então
mas ó camarada Queirós, desculpa lá, não fazes parte do Conselho de
Administração dos SMTUC? Será preciso um qualquer cidadão
apresentar a tua proposta no dito conselho? Homem de Deus, se o
problema reside aí, falemos, carago, que eu escrevo!
quarta-feira, 20 de julho de 2016
FALECEU UM DOS NOSSOS
Segundo
o Diário de Coimbra e o anúncio necrológico colado numa das portas dos
seus estabelecimentos, na Rua Adelino Veiga, faleceu Serafim Ramos,
proprietário da Românica. Com 91 anos e uma longa história de
trabalho e luta empresarial, este bem-sucedido comerciante deixa
marca profunda na cidade e na rua do poeta-morto.
Embora não o conhecesse
pessoalmente, sei que foi um homem muito considerado pelos seus pares
nesta parte histórica e comercial da cidade.
O seu funeral realizou-se
hoje, quarta-feira.
À
família enlutada, se posso escrever assim, em nome da Baixa e dos
comerciantes que por cá continuam na labuta diária, os nossos
sentidos pêsames.
EDITORIAL: O VAI E VEM DA INSEGURANÇA
Este
blogue foi criado em 2007. Com quase uma dezena de anos, e a raiar o
milhão de leitores, é feito na completa carolice do editor, que,
por acaso sou eu. É um sítio da Internet sem grandes ambições.
Não se fazem grandes coisas para a sua promoção. Actualmente, em
média semanal, tem 500 visitas diárias. Sem escala hierárquica,
nasceu pela minha intrínseca necessidade de escrever; pela
necessidade de intervir na zona onde estou inserido; pela necessidade
de contar histórias do homem comum; pela necessidade de relatar os
acontecimentos a frio, na subjectividade, sem ter de agradar a
alguém; pela necessidade de falar de assuntos comezinhos que
normalmente passam ao lado da imprensa local; pela necessidade de
usar a escrita como catarse, como desabafo, para acalmar os demónios
que me consomem o interior. Tenho necessidade de explanar o meu
pensamento. Também não ficará mal dizer que, provavelmente, também
pela necessidade de protagonismo. Como se vê, demasiadas
necessidades para um homem só e para deixar de continuar a escrever,
apesar de cada vez mais desmotivado.
Talvez também por achar
que a nossa imprensa escrita local -devido à conjuntura económica e
revolução no sector- está cada vez mais afastada e enviesada.
Prejudicando o leitor diário, escreve cada vez mais para agradar a
um certo poder instalado. O futuro deste calcorrear caminho em
pezinhos de lã, perdendo o seu legítimo direito/obrigação
de intervir na sociedade, denunciando arbitrariedades, não pode
trazer grandes benesses para o fosso da desigualdade crescente.
Desde
os primeiros tempos, o blogue teve sempre três géneros distintos de
leitores. Um, é aquele que se move por saber notícias
descomprometidas da Baixa. Tenho visitantes no mundo inteiro, na
diáspora, desde a China à Austrália. Outro, constituído pelas
instituições, é aquele que lê somente por obrigação, no fundo,
para estar a par de assuntos que, na sua resolução, são da sua
competência. Outro ainda, é o constituído por um grupo de
comerciantes, colegas, que detestam a minha forma de estar na
Baixa. Se eles pudessem, há muito tempo que este blogue estava
arrumado. Este grupo tem uma ideia formatada de que, por exemplo, ao
noticiar sobretudo os assaltos estou a “destruir” a Baixa. Desde
os primórdios do blogue que sou acusado de promover a
desclassificação da Zona Histórica. Entendem que ao publicitar
assuntos pouco agradáveis estou a espalhar ao mundo que esta área é
insegura. Reconheço que das várias premissas extraídas aquela é
uma delas. Mas como é que se faz a triagem? Quem como eu escreve
sabe que estamos obrigados a relatar o bom e o mau. E porquê? Porque
o que é mau para uns poderá ser bom para outros. Quem escreve com
honestidade, sem interesse partidário, está somente sujeito à
verdade e ao leitor, que é o primus da existência do
escritor.
O
tempo veio sempre a dar-me razão. Quando estes comerciantes são
assaltados são os primeiros a gritar “Ó DA GUARDA”!
Aconteceu assim em 2008/2009/2010, quando uma vaga de assaltos varreu a
Baixa e esteve na origem da implantação das câmaras de
video-vigilância -que foram uma espécie de barriga de aluguer para
suster a criminalidade que assolava esta parte da cidade. Depois de
milhares de euros aplicados, nunca funcionaram em pleno e em direcção
ao objecto que se propunham. Tanto quanto tive conhecimento, apenas
uma vez deram origem à prevenção e os assaltantes foram presos no
local por acção das imagens visionadas. Num procedimento egoísta
estes lojistas, sem levar em conta a situação económica do lesado,
procuram abafar o incidente, o grito individual para não prejudicar
o colectivo.
Por
outro lado, a contribuir para a ignorância dos factos, muitos dos
ofendidos, para evitar passos inúteis que conduzem normalmente ao
arquivamento, não comunicam as ocorrências à PSP e, como é óbvio,
o que não é transmitido por queixa escrita, logo, não existe. Ou
seja, as polícias trabalham com estatística e, pelos chefes, o
maior gozo que lhes podem dar é mostrarem os baixos valores
casuísticos numa colectividade urbana, numa mistura de facto
político e princípio da segurança -para não levar ao alarme
social e à imitação da criminalística.
Diz-me a experiência, a
questão é que se ocultarmos os episódios de violência contra o
património a PSP não age. Repito, isto mesmo aconteceu no período
citado de 2008/2009. Volto a lembrar que, na altura, a violência
urbana foi sustida e as coisas acalmaram pelo clamor gerado e também
porque se “obrigou" as autoridades a agir em conformidade. O “gangue”
acabou preso pela PSP -e com isto não se pense que estou a
desvalorizar o trabalho árduo deste corpo de polícia pública.
Isto
tudo para, por um lado, para explicar a razão de eu, quase como
missão, dar nota de todas as ocorrências criminais e outras que se
passam na Baixa -pelo menos as que tenho conhecimento. Por outro para
dizer que depois de um certo período de acalmia -isto é cíclico,
como se sabe-, progressivamente, sem querer ser alarmista, estão a
acontecer demasiados assaltos na Baixa nos últimos tempos.
Naturalmente
não tenho dados que me permitam consubstanciar a minha análise,
mas, lendo os jornais diários em que se noticiam várias apreensões
de droga nesta área da cidade dá para ver que a toxicodependência
está a aumentar por aqui. Há dias, quando conversava com uma amiga
ligada a instituições de apoio à toxico-dependência sobre o
aglomerado de viciados concentrados e a injectarem-se à vista de
todos junto à Loja do Cidadão, dizia-me ela: “sabe, tem havido
uma preocupação enorme em encerrar becos junto à Rua Direita para
impedir o acesso dos dependentes de drogas. E com as obras do
Terreiro da Erva a mesma coisa. O resultado é que não havendo
espaços mais recatados eles são obrigados a vir para a frente dos
olhos de todos. E lembre-se, se mandarem embora as instituições de
apoio a estes párias -como parece ser intenção do presidente da
Câmara Municipal, Manuel Machado, vocês, comerciantes, preparem-se
para o pior. É uma falácia pensar que transferindo os serviços
para outra zona da cidade os toxicodependentes vão atrás.”
ASSALTO AO RAIAR DA MANHÃ
O
alarme tocou na central às 07h13. Por sua vez os serviços de
vigilância contactaram a PSP, que viria a prender o suspeito dentro
da loja “Mimos & Comp.ª”, na Rua Visconde da Luz.
Segundo Rafael Abrantes,
funcionário, “foi um indivíduo sozinho. Partiu o vidro da
porta principal e introduziu-se dentro do estabelecimento. Não devia
estar no seu perfeito juízo. Presumo que deve ser toxicodependente.
Quando a polícia veio estava ele a tentar retirar moedas de uma
máquina de brindes. Azar danado do meliante. Ontem à noite esteve
cá o técnico a arranjá-la e não tinha uma única moeda. Foi
apanhado sem grande dificuldade.
Embora não tivesse levado nada,
julgo, -foram mais os prejuízos com o vidro-, ficamos com uma
sensação de desnorte. São 11h00 e ainda tenho tudo desarrumado.”
A
“Mimos & Comp.ª” está na “calçada” há
cerca de três anos e foi a primeira vez que teve uma intrusão.
segunda-feira, 18 de julho de 2016
BAIXA: ASSALTO AO AMANHECER
Esta madrugada, a horas indeterminadas, por um ou mais desconhecidos com recurso a rebentamento de vidro em porta lateral, foi assaltado um estabelecimento de peles e artigos da Serra da Estrela, na Praça do Comércio, junto ao Pelourinho. Esta loja não possui grades de protecção.
Por até ao momento não
ter sido possível contactar os ofendidos, falei com uma vizinha que
pediu o anonimato. Foi adiantando que “as senhoras estão muito
abaladas. Parece que levaram muita coisa. De manhã, no chão, eram
visíveis manchas de sangue. Foi chamada a PSP, que tomou conta da
ocorrência. E mais não sei!” -rematou a minha depoente.
Se conseguir chegar à
fala com as duas senhoras comerciantes, logo que detenha mais
informações aqui darei conta.
FOI PRECISO VIR PARA A BAIXA
O
casal Rosa Miranda Melo e Luís Melo, marido e mulher septuagenários,
falando a uma só voz, está inconsolável. Enquanto os funcionários
de uma empresa da especialidade fazem a recolocação do vidro da
porta estilhaçado, vão confidenciando: “há 33 anos que somos
comerciantes na cidade e, até vir para a Baixa, há cerca de quatro
anos, aqui para a Praça do Comércio, nunca tínhamos sido
assaltados. A primeira vez aconteceu mais ou menos há seis meses.
Como esta loja tem uma entrada traseira pelo Largo do Romal, entraram
sem danificar a porta -que o seguro nem queria acreditar- e levaram
artigos, sobretudo peles, no valor de 10 mil euros.
Esta noite foi o que
se sabe. Levaram muita coisa mas, como ainda não conferimos, não
podemos adiantar valores.
Isto é horrível,
senhor! Poderíamos estar sentadinhos no sofá a ver televisão, mas,
como gostamos de produzir, somos de outro tempo, sabe?, continuamos a
trabalhar. Mas, diga-me, vale a pena?”
ONDE PÁRA A POLÍCIA?
Continuam,
“poderá até dizer-se que o problema reside na falta de alarme
ou estruturas de segurança como grades. Não, não é isto não! É
preciso dizer que, exceptuando as festas, nunca se vê polícia
durante a noite. Verdadeiramente esta é mesmo a única fragilidade
apontada. Por parte da polícia, não temos segurança nocturna. Quanto custa colocar aqui
grades de segurança? E com o negócio como está? Sabe o que nos
apetece fazer? Ir embora e desistir de vez. Sentimo-nos como se
tivéssemos sido esventrados.”
O BOATO DO SUSPEITO
À
boca cheia, corre aqui pelos becos e travessas que teria sido um
toxicodependente, morador nas redondezas. Com alguma ironia e
injustiça à mistura, diz-se também: “como ficou uma poça
enorme de sangue junto ao vidro e mais alguns indícios, vai ser
desta vez que a PSP vai apresentar em tribunal um suspeito de assalto
na Baixa.”
sábado, 16 de julho de 2016
UM EXEMPLO A SEGUIR EM COIMBRA, MAS COM MAIS CERTEZAS...

"Câmara de Lisboa distingue 63 lojas históricas mas não promete salvá-las"
"A Câmara de Lisboa vai começar por distinguir 63 estabelecimentos da cidade com o selo "Lojas com história" e definir medidas de apoio no âmbito deste programa, mas reconhece que só isso não chega para assegurar a sua sobrevivência". CONTINUE A LER AQUI.
EDITORIAL: A FÁBRICA DE HERÓIS PRÉ-FABRICADOS

É
sabido que, desde os confins da História Universal, os regimes
políticos utilizaram e utilizam a homenagem pública como uma
espécie de masturbação intelectual de todos os da mesma cor. No
fundo, é como da mesma forma que a Igreja Católica, para se renovar
de fora para dentro -contrário ao que deveria ser-, sente
necessidade de apresentar novos beatos e candidatos a santos, as
instituições partidárias, seguindo o mesmo exemplo, para se
manterem vivas, tenham de recorrer a ícones com pés de barro e
estejam continuamente a criar falsos deuses profanos.
Por
cá,
até finais do século XIX, na Monarquia, foi um desvario de comendas
para tentar sustentar o regime real, tão bem retratado por Rafhael
Bordallo Pinheiro, n'A
Paródia de 1900,
e pela pena de Almeida Garret, na primeira metade do século do
liberalismo em Portugal, que criou o aforismo “foge
cão que te fazem barão”.
Com
a implantação da primeira República, em 1910, o que tanto era
criticado pela oposição ao regime, continuou com o mesmo delírio
na distribuição de comendas públicas. Com a subida de Salazar ao
poder, como ministro das Finanças em 1928, parece-me, passou a haver
alguma contenção na atribuição de homenagens públicas. No
entanto, sem dados históricos, julgo que a partir de 1933, com a
consagração do Estado Novo como regimento autoritário e a plena
glorificação e adoração nacional do homem forte de Santa Comba
Dão, os galardões passaram a incidir directamente no Presidente do
Conselho. É óbvio que, embora de certo modo alheio a homenagens,
Salazar usou e abusou das comendas como forma de “comprar”
adversários mais permeáveis e sensíveis à vaidade. Marcello
Caetano, delfim de Salazar, seguiria a mesma bitola mas, digo eu,
sempre com um “low
profile”,
uma discrição implícita.
Com
a terceira República, com o início do período do 25 de Abril de
1974, (re)começou o regabofe
na distribuição de títulos nobiliárquicos. As Ordens Honoríficas
do Estado Português, desde arma política, passaram a servir para
tudo menos para o objecto que foram criadas -seria interessante saber
quantas comendas e comendadores temos a circular no país sem a
devida vénia, naturalmente.
Começou
com Ramalho Eanes, que atribuiu 2.005 medalhas, e passando por Mário
Soares foi um forçar vilanagem. Vale a pena citar o jornal online Observador, “Enquanto Presidente da República, Soares abusou
como ninguém das distinções honoríficas do Estado Português. Não
há praticamente nenhum amigo que não tenha recebido uma
condecoração, enquanto outros cidadãos, que tanto mereceram, não
obtiveram qualquer distinção durante o seu ‘reinado‘”. Quem
o disse? António Marinho e Pinto, então jornalista do Diário
do Centro, a 15 de março de 2000, ainda longe de se tornar
bastonário da Ordem dos Advogados, mas já uma figura controversa.”
Continuando
a citar o Observador, Mário Soares foi quem mais abraçou
agraciados. A um ritmo de quatro condecorações por semana, Soares
distinguiu 2.505 pessoas.
Seguiu-se
Jorge Sampaio com 2.374 homenagens. “No último ano de
mandato como Presidente da República, entre 2005 e 9 março de 2006,
Jorge Sampaio foi muito mais generoso do que os seus antecessores e
atribuiu um total de 802 condecorações –a um ritmo de quase
duas condecorações por dia.”
O
mais modesto foi Cavaco Silva, que só assinalou pouco mais de 1.100
feitos heróicos. Já no final de mandato viria a condecorar
muitos dos seus pares partidários que faltavam subscrever no
recordatório nacional. Mas não foi só, também não se
livrou da polémica ao não condecorar Salgueiro Maia, Capitão de
Abril, bem como José Saramago, Prémio Nobel da Literatura -aliás,
numa falta de respeito, nem no funeral do escritor se apresentou.
E,
há escassos meses, foi entronizado Marcelo Rebelo de Sousa. No
começo do seu "reinado" foi notório um discurso contra as homenagens
públicas a esmo. Mas foi sol de pouca dura. Com a pressa em
condecorar os jogadores da Selecção Nacional -colocando até de
lado outros campeões laureados recentemente-, Marcelo veio dar o dito
por não dito. Aliás, era de prever. Tendo um carácter popular -a
raiar o populismo gratuito-, é de prever que, nos próximos dez
anos, a metade de portugueses que falta para ter uma medalha a vá
ter. É uma questão de tempo e paciência.
O
curioso é que as autarquias até seguiram o exemplo do Chefe de
Estado e, nestes primeiros meses deste ano, até foram contidas. É
evidente que não deixaram de homenagear. Porém, dando o exemplo de
Coimbra, foram distinguidas duas personalidades ligadas ao aparelho
socialista, que suporta o executivo municipal. Um dos reverenciados,
Jorge Lemos, já falecido -uma óptima pessoa que tive o grato prazer de conhecer-,
foi-lhe atribuída uma rua para perpetuar o seu nome. Outro, António
Arnault, felizmente de boa saúde, para além da deferência, foi
honrado com um busto no Parque da Cidade.
É
evidente que, como em tudo, há sempre os que concordam plenamente
com estas glorificações. Naturalmente, como é o caso, há aqueles
cidadãos que, no seu direito legítimo, discordam e, pelo exagero e
abuso de posição dominante na distinção, manifestam a sua
indignação.
Já que os proponentes das distinções parecem não enxergar, em nome da dignidade nacional que deve superintender este nobiliárquico acto público, fica o apelo para que os futuros nomeados, em nome da honra, deixem de aceitar tais tributos. É que, sem o sentirem, estão a contribuir para a discriminação negativa de cidadãos que muito fizeram pela cidade (ou pelo país) e nunca foram laureados. Um exemplo, entre vários, em Coimbra? Mário Nunes!
Já que os proponentes das distinções parecem não enxergar, em nome da dignidade nacional que deve superintender este nobiliárquico acto público, fica o apelo para que os futuros nomeados, em nome da honra, deixem de aceitar tais tributos. É que, sem o sentirem, estão a contribuir para a discriminação negativa de cidadãos que muito fizeram pela cidade (ou pelo país) e nunca foram laureados. Um exemplo, entre vários, em Coimbra? Mário Nunes!
UM RELATO PARA PENSAR SENTADO NA SANITA

(Imagem da Web)
Tenho
para mim que um dos maiores problemas da classe política é ter facilmente acesso ao dinheiro público. A consequência é, em face
dessa falta de controlo, ser gasto em iniciativas populistas e
colocando de lado prioridades básicas. Só para exemplificar, quanto
custou ao erário público a viagem dos dois caças que escoltaram
o avião em que viajava a Selecção Nacional em espaço aéreo português e que vinha de França?
Depois,
como é óbvio, não há dinheiro nem sequer para papel higiénico.
Atente-se
no relato de um cidadão, repescado no Facebook, passado ontem, sexta-feira, por acaso -só
por acaso-, na Loja do Cidadão, em Coimbra.
“Hoje,
estando em Coimbra, necessitei de recorrer a um WC.
Como estava perto da Loja do Cidadão, entendi utilizar, precisamente, as instalações daquele espaço.
E o que encontrei?
Nem mais nem menos do que, tantas vezes, acontece encontrarmos em estabelecimentos de restauração: inexistência de papel higiénico, inexistência de sabonete no lavatório e, no caso de hoje, um sanitário sem fecho de porta e que me obrigou a estar atento e com um pé na mesma, não fosse outro pretender servir-se daquele espaço.
Já sei que somos, falando genericamente, um povo porco e vândalo.
Mas, num espaço público não deveria, apesar disso, haver o cuidado de procurar responder adequadamente às necessidades, neste caso literalmente, dos cidadãos.
Resumindo e concluindo: o povo, o tal que é porco e vândalo, tem governantes à sua imagem.
Como estava perto da Loja do Cidadão, entendi utilizar, precisamente, as instalações daquele espaço.
E o que encontrei?
Nem mais nem menos do que, tantas vezes, acontece encontrarmos em estabelecimentos de restauração: inexistência de papel higiénico, inexistência de sabonete no lavatório e, no caso de hoje, um sanitário sem fecho de porta e que me obrigou a estar atento e com um pé na mesma, não fosse outro pretender servir-se daquele espaço.
Já sei que somos, falando genericamente, um povo porco e vândalo.
Mas, num espaço público não deveria, apesar disso, haver o cuidado de procurar responder adequadamente às necessidades, neste caso literalmente, dos cidadãos.
Resumindo e concluindo: o povo, o tal que é porco e vândalo, tem governantes à sua imagem.
António Carlos Machado Martins”
sexta-feira, 15 de julho de 2016
BOM DIA, PESSOAL...

(Foto de Alcino Silva, retirada do Facebook, com a devida vénia)
Ora
vivam todos, sem excepção. Os esquerdistas, os centristas, os
direitistas, os “manobristas”, os “riquistas”, os
“pobretistas”, os ateístas, os “agnosticistas” e todas as
terminações em “istas”, como, por exemplo, “comunistas,
fascistas, “lambebotistas” e outros que estou a pensar, mas não
escrevo porque parece mal. Pronto já viram que este cumprimento é
alargado a toda a comunidade, com telhado e sem beira.
Não é para me
justificar mas, como mandam as boas regras de educação, já há um
tempo que não dou cumprimento a esta rubrica. Por motivos vários,
por aquilo e aqueloutro, não tem dado. Já esta semana é diferente,
tenho andado anestesiado com várias notícias, umas grandes e outras
assim, assim. Vou começar na maior, a vitória da Selecção
Nacional à França. Estou que nem posso. Palavra, pela alma de
alguém que me foi chegado e partiu. Desde Domingo que as noites
passaram a ser dia, como quem diz, nunca mais dormi nada. Foi uma
coisa do outro mundo. É certo que, graças aos muitos terços rezados do
ex-professor Marcelo e agora Presidente da República, Deus ajudou.
Suponho que se fosse eu a pedir Ele não me ligaria nenhuma, mas
também não é de admirar. Sendo Ele a personificação e extensão
da imagem do homem, o que se poderia esperar senão uma entidade
diferenciadora nos pedidos rogados? Por outro lado, pergunto: Deus
não deveria ser também agraciado com a ordem de mérito?
Depois vieram as
homenagens aos jogadores, em promessas de comendadores, também
atribuídas por Marcelo. Embora aumentasse a minha ansiedade, achei
justíssimo. Heróis como estes, tão esforçados no amor à
camisola, a ganharem tão pouco, tão mal alimentados e em aposentos
tão paupérrimos, depois de um feito tão heróico, se eu não
estivesse de acordo tinha de ser mesmo bota de elástico.
Por conclusão, é evidente que estou rendido à proposta da JSD, Juventude Social Democrata, de levar à Assembleia Municipal de Coimbra a recomendação ao executivo para ser atribuída a medalha de ouro da cidade a Éder. Mais, por ser contra a discriminação, vou até mais longe: os seleccionados, seleccionador, chefe do vestiário, cozinheiro da selecção, psicóloga de Éder, o presidente da Federação de Futebol, devem ser todos homenageados com a medalha de ouro. Ah, é verdade, até se me varria mas ainda fui a tempo -livrei-me de boa! Sobretudo do PAN, Partido dos Animais- todos os bichos de estimação ligados a estes infatigáveis campeões estão convidados a passarem uma semana em Coimbra, em hotel de luxo, com visitas guiadas em “tuck tuck”, e sobre supervisão da associação Gatos Urbanos.
Por conclusão, é evidente que estou rendido à proposta da JSD, Juventude Social Democrata, de levar à Assembleia Municipal de Coimbra a recomendação ao executivo para ser atribuída a medalha de ouro da cidade a Éder. Mais, por ser contra a discriminação, vou até mais longe: os seleccionados, seleccionador, chefe do vestiário, cozinheiro da selecção, psicóloga de Éder, o presidente da Federação de Futebol, devem ser todos homenageados com a medalha de ouro. Ah, é verdade, até se me varria mas ainda fui a tempo -livrei-me de boa! Sobretudo do PAN, Partido dos Animais- todos os bichos de estimação ligados a estes infatigáveis campeões estão convidados a passarem uma semana em Coimbra, em hotel de luxo, com visitas guiadas em “tuck tuck”, e sobre supervisão da associação Gatos Urbanos.
A seguir foi a notícia
da implantação do repuxo no leito do Mondego -para a oposição foi
baptizado de “repuxeco”. Enquanto não vi a ideia materializada
não descansei. Então, ontem à noite, peguei nos meus vários
óculos de visão sectária e fui apreciar. Com a mala cheia, e a pressa, até me esqueci da máquina de retratos -como sou de outra época não uso as modernices do telemóvel.
Enfiando
no nariz as minhas lunetas de comunista, achei um mau gosto e um
desperdício. Mau gosto porque o vermelho deveria ser a cor única e
não é. Desperdício porque, para além de custar uma fortuna,
aquele jato de água está no sítio errado. Deveria ser colocado na
Praça 8 de Maio. Para além da justa reposição do legado histórico
de Carlos Encarnação, também servia para muitos polidores de
esquinas, trabalhadores incansáveis da Baixa, tomarem banho.
Colocando
os meus óculos de social-democrata, vi logo que isto trazia gato
escondido com rabo de fora. Admite-se que o laranja não faça parte
das cores alegóricas? E mais, colocado no meio do rio só pode ser
mesmo ofensa aos conimbricenses. É como se se pretendesse passar a
mensagem de que em Coimbra só se mete água. E o custo do
“repuxeco”? Uma provocação!
Ajustando os meus visores
de bloquista, deu para ver que é uma obra alegórica ao Antigo
Regime. Só pode! Aquele mastro de água em direcção ao Céu só
pode significar um facho. Como diria Francisco Louçã, isto é obra
engendrada para lixar o povo!
Pendurei
as lentes de cidadão, desinteressado e sem ligação ao poder ou à
oposição, e então o que vi? Que esta obra convence, engrandece a
Baixa e marca a cidade. Está simplesmente magnífica! Pode ser
questionável o preço mas, sem dúvida, a alteração paisagística
para melhor justifica os 160 mil euros pagos pela empresa Águas de
Coimbra -se este custo não se fizer repercutir futuramente nos
consumidores. Aliás, estando o repuxo colocado entre as duas pontes,
pedonal e de Santa Clara, dá para ver que faz sentido colocar outro
repuxo em frente à Estação Nova.
DAR UM POUCO DO NOSSO INTERESSE PARA O COLECTIVO
Hoje,
cerca do meio-dia, uma ambulância dos Bombeiros Voluntários de
Coimbra, foram chamados para transportar uma idosa, moradora no Largo
da Freiria, ao hospital. A viatura ficou estacionada no Largo do
Poço. Enquanto percorriam a pé a meia centena de metros até à
residência da enferma, as imprecações e os lamentos dos soldados
da paz eram audíveis e visíveis no rosto em trejeito de
contrariedade: “porra! Um dia destes acontece uma tragédia e
ninguém quer saber! Para chegar aqui foi um problema sério por
causa da parcial ocupação das ruas estreitas. Para sair vai ser a
mesma coisa. É sempre assim!”
Começo
com uma ressalva, hesitei muito antes de escrever este texto. Não é
a primeira vez que plasmo sobre este assunto. Por que é assim, se
não escrever a contar o que se passou, se acontecer mesmo algo grave
um dia destes, estarei a ser conivente; se escrever (como acabou por
acontecer), mais que certo, sendo mal interpretado, os visados vão
perceber (mal) e pensar que, para além de lhes querer mal, estou
contra a sua permanência. É óbvio que nada me move contra a
ocupação de via pública. Aliás, é um pouco da identidade da
Baixa comercial e deve manter-se a qualquer custo. O que entendo é
que cada comerciante, desligando um pouco do seu individual interesse
egoísta, deve salvaguardar o bem maior que é a protecção
colectiva, a defesa consubstanciada na segurança de todos. Se colocassem o nosso bairro acima do maior empenho nem era preciso
dizer nada. Pelo princípio da reciprocidade, tudo era feito
automaticamente e sem reparos desnecessários.
Pelas
informações que me vão chegando, até sei que os agentes da
fiscalização municipal, muitas vezes, por compreenderem as
dificuldades do comércio dito tradicional, têm sido esmerados na
sensibilização. Neste aspecto, saliento em nome da verdade, nada há
apontar-lhes. Para estes funcionários que cumprindo ordens
superiores, e muitas vezes numa discricionariedade louvável,
conseguem transcender a sua função de fiscalidade, em nome de
todos, o nosso muito obrigado.
O ARLINDO, DOS RETRATOS, PRECISA DE UMA MEDALHA MUNICIPAL

O
Arlindo de Almeida Santos, nosso vizinho, e por mim declarado
oficialmente fotógrafo da Baixa de Coimbra, comemorou recentemente
62 anos de actividade. Com 72 anos, feitos em 2 de Abril, está para as
curvas. De pedra e cal, vendo encerrar tudo à sua volta, sobretudo, do que é
loja de fotografia, mantém-se à frente dos estúdios Diorama, na
Rua dos Esteireiros por amor platónico, diz-me no meio de um
sorriso entreaberto entre a seriedade e a matreirice.
Sem querer ser venenoso
-que isso aqui não entra, nem me passa pela cabeça ser-, diria que
se Arlindo fosse filiado no PS, mais que certo, já teria uma medalha
de mérito empresarial da cidade, atribuída pelo executivo
municipal. Se fosse mais novo e tivesse marcado um golo nas redes do
destino, um único golo bastava, provavelmente a JSD, Juventude
Social Democrata, estaria a levar o assunto à Assembleia Municipal
para comendar um dos maiores retratistas ainda a trabalhar na
Zona Histórica. Mas o retratista de quem falo não liga às poucas
vergonhas da política e, sem me confidenciar, acredito, até paga
para não ser “usado” para fins partidários pouco
recomendáveis. E paga já muito pelo desrespeito por ser velho. Acrescento eu que as medalhas municipais atribuídas
deveriam ser pagas pelos proponentes da homenagem. Assim, sem mácula
de qualquer espécie, faria sentido e os políticos da nossa aldeia
-que, por serem oriundos de uma elite, pouco sabem de história e de
vidas- poderiam continuar a jogar à “elegia do coisa nenhuma” e,
pagando do seu próprio bolso, a alimentarem-se da sombra de heróis
imaginários.
UM POUCO DE PASSADO E
MENOS DE FUTURO
Como
milhares de portugueses nascidos nas décadas de 1940/50/60, que
romperam as teias da miséria a trabalhar noite e dia, o Arlindo
nasceu em 02 de Abril, em Arrifana, no Sopé da Serra da Estrela. Com
apenas 10 anos começou a trabalhar numa oficina de fotografia. A
partir daí, como alpinista a escalar a montanha da vida, nunca mais
parou e, em confidência, diz que vai trabalhar até ao último
suspiro. “Os meus amigos dizem que vou morrer aqui. Um dia
chegam cá e eu estou de “pernil estendido". Para mim, isto é uma
carolice, um amor platónico a que não consigo fugir. A fotografia
artística, ou melhor, dita comercial, não tem futuro. Quando os
“carolas” como eu desaparecerem este retratar, tal como o
conhecemos, acabou.”
Em 1982, reunindo 600
pessoas no Estoril, organizou o 1.º Congresso de Fotografia em
Portugal. Ainda se realizaram mais dois, um em Troia e outro em Viana
do Castelo, mas, tal como a arte que os sustentava, caíram para não
mais se erguerem.
E QUEM QUER SABER DA
MEMÓRIA?
Continua
Arlindo, “gostava que as minhas máquinas fossem para um museu.
Gostava que alguma entidade se ocupasse do meu espólio -tenho no meu
acervo largas dezenas de exemplares. Só nestas máquinas gigantes,
que aqui vê, em custo inicial e já amortizado, estão à volta de
cem mil contos, quinhentos mil euros. Em tempos alguém da Câmara
Municipal de Coimbra escreveu-me para doar o meu tesouro. Para ser
franco, o que adorava mesmo era ter o meu próprio museu. Mas, pela
improvável concretização pessoal, não digo que não venha a acontecer um
dia uma doação. Mas, a tornar-se realidade, só o farei quando tiver a certeza de que
ficará em boas mãos.”
UMA IMAGEM POR ACASO...
O
LOURENÇO ESTÁ DE VOLTA. O
cabo-verdiano Lourenço Pina, que é um músico de excelência e nos
faz companhia há muitos anos a alegrar e a contribuir para dinamizar
as ruas ensimesmadas da Baixa, está de volta depois de uma paragem
forçada por questões de saúde.
terça-feira, 12 de julho de 2016
PEDITÓRIO PARA O SENHOR DO BOM JEITO
TEXTO
ESCRITO A QUATRO MÃOS.
POR
MÁRCIO RAMOS E LUÍS FERNANDES
Neste
último sábado, durante a tarde, antes e durante a procissão da
Rainha Santa para a Sé Nova, reparei que na minha rua, Visconde da
Luz, quatro mulheres, sem nada que as distinguisse das demais,
andavam a pedir esmola em grupo. Olhando mais atentamente, pela
ladainha, vislumbrei que o peditório tinha um qualquer fim -para mim
desconhecido. Reparei que não tinham identificação de qualquer
espécie, nem um colete sequer. Com uma abordagem intempestiva,
interpelavam agressivamente as pessoas. Metendo abusivamente um
autocolante na lapela, constatei que muitos transeuntes se sentiam
incomodados. Alguns lá davam umas moedas. Poucos eram os que
escapavam a estas “carraças”. Pareceu-me que levavam objetos na
mão, julgo que para venda, não posso precisar.
No
dia seguinte, no domingo antes de passar a procissão de regresso a
Santa Clara, como senhoras de um território conquistado sem grande
esforço, cá estavam estas angariadoras de niqueis com novas roupas
mas com a mesma ladainha e a fazer exactamente o mesmo.
UMA
MOEDA COM OU SEM AMOR
Aquando
do concerto de Mariza, no Convento de São Francisco, verificou-se
também que uma senhora de meia-idade e um rapaz mais novo -ambos com
um cartão pendurado no pescoço- pediam uma moeda em nome da
“missão sorriso”. Como se sabe a “missão sorriso”
foi uma campanha do Continente para a Unicef. Ou seja, provavelmente,
quem doou uma moeda, a pensar que era para ajudar as crianças,
presumivelmente teria sido burlado.
O
ENGODO QUE JÁ FAZ PARTE DE NÓS
Talvez
não fique mal ao comando da PSP sensibilizar os agentes para sempre
que constatem apelo ao óbulo intervirem, sobretudo verificando se de
facto os donativos solicitados têm ou não o destino rogado. Tanto
quanto sei, a PSP só actua quando há denúncia. E já aconteceu. Ora, a ser assim na apatia,
contrariando o princípio da prevenção, está de ver que está
abrir caminho fácil para qualquer um menos escrupuloso, em nome de
outrem, ganhar umas massas facilmente.
Fica
o alerta.
sábado, 9 de julho de 2016
EDITORIAL: TANTA FESTA, PÁ...!
Coimbra
comemora o V centenário da beatificação da Rainha Santa Isabel,
padroeira da Lusa Atenas. Integrando as Festas da Cidade de Coimbra e
da Rainha Santa Isabel, este ano, como não há memória, tem sido um
encher o olho de actividades seculares e religiosas.
Se eu fosse optimista
-que me parece ser o caso-, diria que, tendo em conta o anterior
cenário de acções lúdicas na cidade, não há fome que não dê
em fartura. Desde a vinda de vários artistas ao recém-inaugurado
Centro de Congressos São Francisco, passando por uma Feira Popular
que convence, até à congregação de várias festas normalmente não
englobadas no programa, reconheço que estamos a viver um momento
único no historial festivaleiro da cidade. Até o êxito da selecção
nacional de futebol por terras de França está a ajudar a esquecer
as normais preocupações da época. Se fosse pessimista, diria que a
factura para pagar tudo isto virá depois. Sendo realista, com muito
positivismo à mistura, direi que depois se verá. Retirando os
“ses”, com franqueza, declaro: gostei de ver.
Até hoje, Sábado, foi
bonito de verificar a Feira da Rainha Santa na Praça do Comércio.
Durante a manhã deu um gozo danado ver as ruas estreitas serem
percorridas com os grupos folclóricos e as suas melodias
tradicionais encherem a nossa alma. Como já escrevi tanta vez, é
pena que o comércio no seu todo não responda a esta chamada e ao
bater das 13 badaladas quase todos os lojistas desertem em busca de
uma sombra paradisíaca melhor. Já escrevi tanto sobre este abandono
que até me fadiga. A pergunta -sem resposta- que faço a mim
habitualmente é: se as coisas estão más, por que razão não se
esforçam mais os profissionais do negócio? Mesmo a custo, tenho de
reconhecer a razão a algumas críticas que se fazem a este fraco
desempenho profissional. A crise será mesmo grande como a pintam?
Enquanto comerciante, com as mãos na massa já há décadas,
sinto que sim. De facto as coisas estão mesmo complicadas. Mas,
sendo assim, como entender que com este movimento febril na cidade,
com o turismo a começar a chegar -apesar de se dizer o contrário,
estes primeiros seis meses foram piores do que no ano transacto-,
tudo continue no remanso e pacatez habituais? Às vezes penso que só
eu sinto dificuldades. Claro que não é verdade. Depois de uma
duração de pouco mais de seis meses em actividade, volta e meia lá
se vê uma loja a fechar e, algumas vezes, a transferir instalações
para outra zona da cidade em busca de uma clientela melhor -esta
semana foi um estabelecimento na Praça do Comércio que embarcou.
Quando tento entender, em
forma de catarse, olho para trás e vejo o quanto os meus pais, na
década de 1950, laboravam na agricultura para que, pelo menos, a fome não
invadisse o espaço familiar. Numa estupidez minha, na altura, não
conseguia perceber como é que, denegando o ócio, trabalhavam de sol
a sol e todos os dias da semana. Tinha dificuldade em aceitar que, escolhendo o esforço físico, o
meu pai não frequentasse a taberna da aldeia e ao Domingo fosse
jogar ao fito ou uma “suecada” com os restantes homens da
aldeia. Tive de transpor as portas da velhice para alcançar o grande
significado de abnegação dos meus progenitores. Por que eram assim?
Seria apenas ambição para ter uma vida melhor? Ou, pelo contrário,
seria a recusa em render-se a uma miséria que teimava em rodear a
maioria dos vizinhos? Provavelmente as duas premissas estarão
certas.
É por isto mesmo que
sinto impedimento em abarcar totalmente a essência das coisas. Mas também não faz mal! Parcialmente consigo lograr que, efectivamente, a vida nem está tão
difícil assim -pelo menos comparando com quando eu era criança, na
época dos meus pais. Tenho para mim que, nos nossos dias, a maioria
-não todos, felizmente- perdeu uma certa vergonha e necessária
ambição, que implica suar a estopinhas para almejar um caminhar
de cabeça erguida, sem alguém a perseguir-nos por que lhe
devemos dinheiro. A meu ver, hoje temos uma população vencida,
cativa ao situacionismo. Com pouco passa e com pouco se mantém. Se
reclama é em surdina. Nunca dá a cara -e se a der diz o contrário
do que pensa e de acordo com o interlocutor.
Está tudo numa “nice”.
sexta-feira, 8 de julho de 2016
HERÓIS DESCONSIDERADOS À NOSSA PORTA: CENTRO CULTURAL E SOCIAL 25 DE ABRIL
Para
uma maioria de conimbricenses, a porta número 92 da Rua da Sofia
será simplesmente mais uma entrada para um edifício setecentista
numa artéria classificada, pela UNESCO, como Património da
Humanidade. Como muito outro edificado desconhecido nesta antiga rua
dos colégios, visto de fora, será avaliado como mais um património
morto, decrépito, sem actividade e sem alma no seu interior de
paredes de pedra com um metro de largura.
Tudo
começa pelas 08h00 quando crianças meio-ensonadas, acompanhadas
pelos pais, sobem as escadas ladeadas com azulejo século XVII até
ao segundo andar. Em baixo, em cima do passeio, sem lugar para
estacionamento adequado e para o efeito, viaturas, utilitárias e já
com muitos anos de rodado, ficaram por momentos abandonadas e
sujeitas a uma coima de um agente municipal pouco compreensivo. Se
assim acontecer, e acontece demasiadas vezes, o magro ordenado irá
encolher e em algum lado se irá reflectir, mais que certo na mesa e
nas refeições pouco abonadas em calorias.
Para
uns, para os que ainda têm trabalho, o tempo falta para chegar a
horas ao emprego e pouco mais cresce do que dar um beijo furtivo ao
miúdo e deixá-lo aos cuidados de uma das funcionárias do
jardim-de-infância e tempos-livres. Para outros, há muito sem
salário fixo, desempregados de longa duração, vindos das ruas
estreitas da Baixa, onde o Sol só toca o chão a partir do Verão e
o cheiro a pobreza se entranha nos locatários do casario de antanho,
de intra-muros e dos subúrbios da cidade, desde a Adémia, Ingote,
Santa Clara e até Montemor-o-Velho. Logo de manhã, num corrupio de
abelhas em busca de pólen, pressente-se naquele errante calcorrear
de calçada um espírito de missão, a esperança de oportunidades
que fintem a desigualdade marcada a ferros de estigma e um amanhã
melhor para os petizes. Para qualquer um destes progenitores este
espaço solidário é um porto de abrigo, um lugar seguro na cidade
alheia aos problemas individuais, uma possibilidade de proporcionar o
indispensável aos seus filhos já que, para muitos deles, devido à
carência económica, não lhes seria possível dar-lhes o mínimo
exigível.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Para
quem já detém cabelos brancos, deve recordar, no início da década
de 1970, a Baixa e a Alta com hordas de miúdos maltrapilhos e
descalços, oriundos de famílias numerosas paupérrimas, a
estenderem a mão à caridade nas ruas e nas entradas dos cafés.
Embora o hábito ratificasse o costume e tornasse insensível o olhar
do cidadão comum, a verdade é que a moralidade do Estado Novo
dormia muito bem com esta chaga social.
Veio
a revolução de Abril de 1974. Foi então que, em Outubro do mesmo
ano, um grupo de moradores da Zona Histórica, constituído em
comissão, para dar solução a estes quadros negros de miséria
infantil que fustigavam a Baixa, decidiram fundar o Centro Social e
Cultural 25 de Abril, na Rua da Sofia número 92, segundo andar.
Talvez pelos odores revolucionários impregnados na acção só seria
legalizada como associação em 1982 e nessa altura, por parte da
Segurança Social, foi reconhecido o alto valor humanitário e
constituídos acordos para prosseguir o objecto para que tinha sido
criada a instituição. Até aos nossos dias, teriam passado por aqui
milhares de crianças que, sendo adultos hoje, estarão eternamente
gratos aos esforços desenvolvidos por uma equipa guiada pelo lema:
fazer bem sem olhar a quem.
E NA
ACTUALIDADE? COMO É QUE É?
Hoje
sobre o leme de Sandra Campos, directora técnica e a trabalhar na
instituição há 24 anos, o Centro Social e Cultural 25 de Abril,
como barco a precisar de ir ao estaleiro, contra ventos e marés,
continua fiel ao seu destino. Porém com muitas dificuldades.
“Como
utentes, temos 120 crianças, entre os três e os doze anos,
divididas entre jardim de infância e tempos livres, com lotação
esgotada e uma enorme lista de espera” -enfatiza Sandra, uma
relações-públicas simples, sem peneiras, cuja atribuição de
idade será indefinida, de mangas arregaçadas e, intuo, habituada a
colocar as mãos na massa e a fazer tudo para que todas as
crianças, sem excepção e independentemente do extracto social, não
se apercebam das imensas dificuldades diárias.
Prossegue
Sandra, “os órgãos sociais são constituídos pelos pais das crianças que
frequentam a casa ou já frequentaram. O amor à camisola é
diariamente uma prova dada por todos, desde qualquer funcionário até
ao presidente, o José Cruz, que, numa entrega total, há vários
anos dá aqui muito do seu tempo.
Os
nossos maiores espinhos, que tolhem os nossos movimentos diariamente,
são as dificuldades financeiras dos agregados familiares dos miúdos.
Cerca de oitenta por cento (sobre)vivem com carências económicas.
Repare que proporcionamos a todas as crianças o pequeno-almoço, a
seguir, a meio da manhã, um reforço e depois o almoço. A meio da
tarde, damos o lanche, horas depois, ao cair da tarde, um reforço
alimentar e, para os utentes mais necessitados, ainda enviamos
jantar. Notamos que o bem-estar das famílias está a deteriorar-se.
Temos 15 miúdos que estão a ser acompanhados pela CPCJ, Comissão
de Proteção de Crianças e Jovens.
Mantemo-nos
no fio da navalha. Quinze por cento das famílias associadas não
pagam. Noventa e cinco por cento pagam até 40.00 euros. Só para
cinco por cento a mensalidade vai acima dos 50.00 euros. A mais
elevada é de 118.00 euros.
Tenho
de confessar que estamos a entrar em rotura financeira. Os ordenados
dos 12 funcionários estão a começar a ser melindrados. Neste mês
de Julho, estamos a liquidar o Maio -obviamente com algum atraso.”
O
IGUALITARISMO QUE PROVOCA DESIGUALDADE DA SEGURANÇA SOCIAL
Prossegue
Sandra Campos, directora do Centro Cultural e Social 25 de Abril,
“o nosso maior problema são os critérios de atribuição de
verbas publicadas em Diário da República e distribuídas pela
Segurança Social. As tabelas são atribuídas a todos por igual sem
levar em conta as carências económicas dos agregados familiares,
como é o nosso caso. Tanto recebemos nós, como o jardim-escola João
de Deus, a Bissaya Barreto, ou qualquer IPSS, Instituição
Particular de Solidariedade Social, nas mesmas condições
consignadas nas tabelas. Ora, está de ver, tendo em conta as forças
de cada entidade, o fosso é enorme.
O
que nos vale são as imensas ajudas desinteressadas de cidadãos
anónimos que entendem o nosso objecto social.”
E
OS POLÍTICOS DA NOSSA PRAÇA?
“Com
franqueza, só temos de agradecer o empenho do Dr. Jorge
Alves, responsável pelo pelouro da Acção Social e Família e
vereador da Câmara Municipal de Coimbra. Já reunimos várias vezes
este ano e, tenho a certeza, pela sua grande experiência na área
social, reconhece o valor e a importância que desempenhamos na
comunidade. O esforço deste edil tem sido inexcedível no apoio. A
divisão que superintende tem sido o nosso abrigo. Assim como também para a União das Freguesias agregadas o nosso muito obrigado. Temos
batido a todas as portas! Infelizmente, mesmo assim, a situação
está a piorar. Como náufragos em mar alto, em nome das nossas
crianças, precisamos de auxílio.”
E
O QUE DIZ O PRESIDENTE?

José
Cruz, reconhecido empresário hoteleiro, sócio do vetusto Café
Santa Cruz, é o presidente da direcção e, desempenhando várias
tarefas, está no Centro Cultural e Social 25 de Abril há cerca de
uma dezena de anos. Com algum pesar, lamentando as ondas alterosas
que a instituição que comanda atravessa, vai dizendo: “estamos
implementados numa zona problemática, que abarca a Baixa e outras áreas com manchas elevadas de pobreza, com o desemprego a aumentar. As
famílias, sem emprego, sem rendimentos, têm muitas dificuldades. O
Centro Social está há sete anos com resultados negativos. E o que
mais me preocupa é que a situação tende a agravar-se. Apelo às
entidades responsáveis, ao tecido social da cidade, da Baixa em
particular, que nos ajudem nesta aflição. São 120 crianças que
precisam de todos nós.
Aproveito
este meio para agradecer encarecidamente ao vereador Jorge Alves, da
Câmara Municipal de Coimbra, ao Dr. Jorge Antunes e ao senhor Hélder
Abreu, da União de Freguesias agregadas, ao senhor Victor Marques,
presidente da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de
Coimbra, que recentemente organizou a campanha do “Bacalhau
Solidário”, cuja verba será entregue brevemente. Gostaria também
de enviar um agradecimento ao presidente do executivo, Manuel
Machado, que, embora ainda não nos recebesse pessoalmente, tem
delegado no vereador do pelouro, Dr. Jorge Alves.
Apesar
de insuficiente, é por verificar que somos apoiados que continuo a
exercer o cargo de presidente desta tão digna e meritória
associação.
Por
último, como quem não pede não ouve Deus, gostaria de chamar a
atenção do executivo para as nossas depauperadas instalações.
Apesar de algum conflito latente entre o proprietário do edifício e
o Centro Cultural, o inquilino, levantando a bandeira do bem-fazer
social, temos tentado prosseguir o nosso caminho. Contudo, apesar de estar muito longe do necessário, só teremos sede
assegurada até 2021. Após esta data o senhorio pode resolver o
contrato de arrendamento.”
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