(Imagem da Web)
Na tarde ensolarada e de canícula, o homem, de
cerca de sessenta e poucos anos, estava deitado no lajeado da calçada do largo
da Baixa da cidade. Amparava a cabeça num saco preto. O seu cabelo desgrenhado,
abandonado, e mal cuidado cobriam um rosto lavrado de muitas rugas, como
terreno mal-amanhado e fustigado pelo sequeiro de Agosto. Vestia com
simplicidade, entre o indigente desprezado e o meio-asseado que não causa
dúvida. Em frente ao sujeito caído uma mulher, descansadamente, tomava uma
bebida na esplanada do café. Ao lado, na rua movimentada, não se sabe durante
quanto tempo, várias pessoas teriam passado e visto o homem no chão e nenhuma
delas deu demasiada importância ao facto. “Estaria
com uma rosca, uma porca, uma bebedeira de caixão à cova” teriam pensado
certamente.
E foi isto mesmo que eu pensei, já engatando o
passo para passar ao largo. Então, por momentos, em pensamentos rápidos,
reflecti que aquele homem caído junto aos estabelecimentos comerciais dava uma
imagem de pobreza e desgraça. Pensei também na indiferença com que, em 2010, os
passageiros do Metro de Roma deixaram morrer uma mulher caída no asfalto e agredida
por um homem largos minutos antes. Pensei também numa notícia que li há uns
tempos sobre um teste feito em Paris. Tratava-se de, num primeiro caso, colocar
um homem caído na rua vestindo de forma andrajosa e, noutro, mostrar o mesmo
indivíduo mas agora vestido de fato, gravata e pasta de executivo. A intenção nesta
prova era verificar como reagiam os transeuntes perante alguém prostrado. Os
resultados foram incrivelmente surpreendentes. No primeiro caso, do aparente
mendigo caído, durante minutos compridos de mais, as pessoas passaram ao largo.
Já no seguinte, do administrativo, o socorro foi imediato.
Foi com estes pensamentos em
catadupa, misturando-se em sensação de que estaria embriagado e que não me
deveria meter, que acabei a abanar o homem e a chamar uma ambulância. Embora
sem certeza absoluta deste caído não estar bêbado –embora a sua voz saísse arrastada
e aos tropeções –pareceu-me que, pela língua presa, teria sido acometido de um
qualquer ataque ou desfalecimento. E lá foi levado para o hospital.
Pode até parecer que estou a escrever para
mostrar que sou uma espécie de Santantoninho das aflições, ou madre Teresa de
todas as madres. Nada disso! Escrevo esta pequena crónica para demonstrar que,
por vezes e demasiadas, somos possuídos de um apriorismo comodista que nos
impede de intervir para ajudar alguém. Ou seja, quando um dia destes acontecer
o mesmo consigo, se estiver alguém caído mal-vestido, coloque a hipótese contrária
ao seu primeiro pensamento e ajude. Temos todos que lutar contra a indiferença
que nos toma e impede de agir. Vale a pena pensar nisto, não acha?
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