Hoje é o dia 19 de Julho, Sábado, neste ano da
graça -e também da tristeza e desgraça para tantos porque o mundo surge-nos ameaçador e perigoso. Supostamente, deveríamos estar no verão, naquela canícula
intensa de cega-regas a matraquear o percurso, mas parece que estamos no
outono, talvez por volta de Outubro, quando as folhas secas caem e atapetam o
chão e as andorinhas já teriam arrumado a trouxa e rumado para outras paragens
menos hostis no clima. Pretensamente, nesta altura, o Sol deveria malhar-nos
tanto, tanto, como o Primeiro-Ministro nos massacra a repetir que estamos no
bom caminho, que o pior já passou, e, num virar de olhos, nos sobrecarrega com mais impostos. Mas agora, mediando entre uma luminosidade
crescente e um crepúsculo precoce, como se o dia chorasse de pena, carpindo
mágoas e pedisse desculpa, volta e meia, chove copiosamente neste fim-de-semana,
deste mês de férias para quem as puder ter.
É óbvio que, perante este cenário de pés-secos
e molhados, a Bolsa de Valores Epicurista
vai entrar no vermelho e as acções de gozar o dia vão cair a pique. É natural
que menos interessados queiram adquirir títulos de esperança num amanhã de
bem-estar melhor. O tempo, aquele tempo conforme o conhecíamos noutro tempo,
vale menos que a palavra prometida de um qualquer político. Mas, em boa
verdade, a deles é igual à nossa porque a nossa é igual à deles. Não fosse o
endeusamento em que nos achamos e colocamos, substantivando a nossa
superioridade perante o outro, e facilmente se constatava que eles, políticos e
tempo, são apenas a projecção e o resultado da nossa ineficácia enquanto
pessoas de construção. Sobre os primeiros, os políticos, porque continuamos a
deixar que sejam almas penadas, sem corpo para responsabilizar e encarnar, mas
que infernizam as nossas vidas. Sobre o segundo, sobre o tempo, por um lado, tornamo-nos
herméticos, pragmáticos, perdemos a fé na transcendência, o racionalismo
submergiu a infantilidade que nos deveria acompanhar na existência terrena e só
acreditamos no que vemos ou sentimos.
Por outro lado, pela previsibilidade fácil de
saber se vai chover em tal data de aqui a meses, deixámos de ter necessidade de
reconhecer São Pedro na sua provável omnipotência temporal como senhor de todas
as águas do mundo. Esta perda da crença, contrariamente ao que se cogita, porque
somos seres de doutrinação, empobreceu a nossa convivência. Numa erosão
continuada largámos os antiquados mitos, maravilhas que nunca corresponderam, sendo
apenas o velho costume humano de valorizar mais tudo o que está para trás, e,
repetindo até à exaustão “no meu tempo… no
meu tempo… era assim… e assado”, criámos outros de substituição. Como a
facilidade no adquirir leva ao cansaço, depressa nos tornamos enfastiados
destes e queremos outros que nunca nos satisfarão completamente. Começámos por
tomar um comprimido ansiolítico para conter a ansiedade e a solidão. Passámos ao frasco e o
isolamento é crescente. Queremos mais. Muito mais! Em suma, uma coisa é certa e
dá para ver: não é a quantidade que gera a felicidade. Não estamos mais
felizes. Em antítese, estamos cada vez entregues a sombras e a silêncios
impostos e não procurados pela reflexão necessária. Neste individualismo
crescente, quando parece que tudo dominamos, através da ciência e da técnica,
somos cada vez mais ilhas onde cabe somente um corpo, isolado e só, e onde a obsessiva
digitalização substitui o conhecimento intelectual e a mente, enquanto
propulsor de inteligência e imaginação, passa a mero artefacto sem utilização
para pensar. Sem graça, interessante como no desenvolvimento extrínseco, no conforto,
a humanidade atingiu o Zénite e no intrínseco, no interior do ser, na agnição,
como num regredir de eterno retorno, estejamos cada vez mais próximos do
macaco.
Tal como o tempo previsto para a semana que aí
vem é de mudança, pode ser que as coisas se alterem e encontremos a harmonização equilibrada entre o homem comum, na sua essência, e a Natureza que nos transcende. Vamos
aguardar que passe esta nebulosidade envolvente, climatérica e social.
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