sábado, 19 de julho de 2014

ESTE É O TEMPO...





Hoje é o dia 19 de Julho, Sábado, neste ano da graça -e também da tristeza e desgraça para tantos porque o mundo surge-nos ameaçador e perigoso. Supostamente, deveríamos estar no verão, naquela canícula intensa de cega-regas a matraquear o percurso, mas parece que estamos no outono, talvez por volta de Outubro, quando as folhas secas caem e atapetam o chão e as andorinhas já teriam arrumado a trouxa e rumado para outras paragens menos hostis no clima. Pretensamente, nesta altura, o Sol deveria malhar-nos tanto, tanto, como o Primeiro-Ministro nos massacra a repetir que estamos no bom caminho, que o pior já passou, e, num virar de olhos, nos sobrecarrega com mais impostos. Mas agora, mediando entre uma luminosidade crescente e um crepúsculo precoce, como se o dia chorasse de pena, carpindo mágoas e pedisse desculpa, volta e meia, chove copiosamente neste fim-de-semana, deste mês de férias para quem as puder ter.
É óbvio que, perante este cenário de pés-secos e molhados, a Bolsa de Valores Epicurista vai entrar no vermelho e as acções de gozar o dia vão cair a pique. É natural que menos interessados queiram adquirir títulos de esperança num amanhã de bem-estar melhor. O tempo, aquele tempo conforme o conhecíamos noutro tempo, vale menos que a palavra prometida de um qualquer político. Mas, em boa verdade, a deles é igual à nossa porque a nossa é igual à deles. Não fosse o endeusamento em que nos achamos e colocamos, substantivando a nossa superioridade perante o outro, e facilmente se constatava que eles, políticos e tempo, são apenas a projecção e o resultado da nossa ineficácia enquanto pessoas de construção. Sobre os primeiros, os políticos, porque continuamos a deixar que sejam almas penadas, sem corpo para responsabilizar e encarnar, mas que infernizam as nossas vidas. Sobre o segundo, sobre o tempo, por um lado, tornamo-nos herméticos, pragmáticos, perdemos a fé na transcendência, o racionalismo submergiu a infantilidade que nos deveria acompanhar na existência terrena e só acreditamos no que vemos ou sentimos.
Por outro lado, pela previsibilidade fácil de saber se vai chover em tal data de aqui a meses, deixámos de ter necessidade de reconhecer São Pedro na sua provável omnipotência temporal como senhor de todas as águas do mundo. Esta perda da crença, contrariamente ao que se cogita, porque somos seres de doutrinação, empobreceu a nossa convivência. Numa erosão continuada largámos os antiquados mitos, maravilhas que nunca corresponderam, sendo apenas o velho costume humano de valorizar mais tudo o que está para trás, e, repetindo até à exaustão “no meu tempo… no meu tempo… era assim… e assado”, criámos outros de substituição. Como a facilidade no adquirir leva ao cansaço, depressa nos tornamos enfastiados destes e queremos outros que nunca nos satisfarão completamente. Começámos por tomar um comprimido ansiolítico para conter a ansiedade e a solidão. Passámos ao frasco e o isolamento é crescente. Queremos mais. Muito mais! Em suma, uma coisa é certa e dá para ver: não é a quantidade que gera a felicidade. Não estamos mais felizes. Em antítese, estamos cada vez entregues a sombras e a silêncios impostos e não procurados pela reflexão necessária. Neste individualismo crescente, quando parece que tudo dominamos, através da ciência e da técnica, somos cada vez mais ilhas onde cabe somente um corpo, isolado e só, e onde a obsessiva digitalização substitui o conhecimento intelectual e a mente, enquanto propulsor de inteligência e imaginação, passa a mero artefacto sem utilização para pensar. Sem graça, interessante como no desenvolvimento extrínseco, no conforto, a humanidade atingiu o Zénite e no intrínseco, no interior do ser, na agnição, como num regredir de eterno retorno, estejamos cada vez mais próximos do macaco.
Tal como o tempo previsto para a semana que aí vem é de mudança, pode ser que as coisas se alterem e encontremos a harmonização equilibrada entre o homem comum, na sua essência, e a Natureza que nos transcende. Vamos aguardar que passe esta nebulosidade envolvente, climatérica e social.

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