quarta-feira, 1 de novembro de 2023

HOJE É DIA DE TODOS OS SANTOS




Hoje, 1 de Novembro, “Dia de Finados” é feriado religioso convencionado para homenagear, “visitando” os nossos mortos, mais familiares ou menos chegados, nas campas e mausoléus dos cemitérios.

Reza a história que a prática de enterrar os mortos em cemitérios públicos como a que conhecemos hoje é relativamente recente, com pouco mais de dois séculos. Teria começado com o iluminismo, movimento cultural europeu iniciado no século XVII e seguinte que tinha por finalidade gerar e alterar usos e costumes em vários sectores da sociedade desse tempo, respectivamente políticas, económicas, sociais e judiciais. Os iluministas defendiam a vulgarização do conhecimento, tornando-o geral, para alcançar a razão, cimentando a objectividade no lastro do raciocínio lógico de pensamento crítico individual, em detrimento de uma subjectividade imposta de fora, de cima, pelo absolutismo feudal e pela teologia. Os homens das luzes, tinham em mente, sobretudo acabar com o obscurantismo, criando uma arma filosófica, social e política para combater a concentração de poder exercido pelo Rei ou no domínio do pensamento religioso vigente.

Embora D. Afonso Henriques, o primeiro Rei de Portugal, fosse o construtor dos primeiros cemitérios junto de igrejas em algumas cidades do Condado, espaços térreos que eram reservados a cristãos de renome e de riqueza considerável que pudessem pagar a permanência num local sagrado e as cerimónias religiosas iniciais.

Supostamente, aos indigentes estava reservada a vala comum. Ou seja, por ilacção, os ricos, com as suas almas bem encaminhadas por exéquias e normas de encomenda onde predominava a ostentação e a oração, iam direitinhos para o paraíso. Já quanto aos pobres, doentes e vítimas de pandemias eram queimados colectivamente fora da cidade – as denominadas “queimas de alecrim”. Os vadios sem identidade, os presos, os escravos e outras estirpes menores eram enterrados em poços- os chamados “Monturos”, ou montureiras.

A instauração de cemitérios civis como um serviço público foi decretada em 1835 por Ribeiro Sanches, proibindo o enterro em igrejas ou lugares habitados, com a total oposição do clero a difundir a ideia "de que os poderes públicos estavam a invadir um terreno que pertencia exclusivamente ao âmbito religioso" - Fonte: Jornal Público.


A CREMAÇÃO É O FUTURO?


Nas últimas duas décadas a cremação – técnica funerária que visa reduzir um corpo a cinzas num forno crematório com fogo em altas temperaturas – tem vindo a conquistar um espaço cada vez mais notório. Descrito como uma alternativa que oferece poucos riscos para o ambiente, sem colidir com o ritual de exéquias tradicional, para os pragmáticos (como eu) a diferença reside no desaparecimento imediato do corpo físico, contra uma deterioração progressiva de vários anos em cova ou jazigo.

Para os defensores da prática tradicional, para uns, a cremação, fazendo desaparecer os restos mortais físicos do falecido e reduzidos a uma pequena urna de cinzas que serão espalhadas ao vento, corta, ou menoriza, uma hipotética ligação memorial e assente numa saudade ao defunto.

Para outros, esta prática que envolve a queima é um voltar ao tempo das trevas, à Idade Média, onde o fogo simboliza um castigo, o Inferno, e não um descansar eterno ao que o finado tem direito. Provavelmente, no seu imaginário, esta “destruição” do corpo, constituindo pecado capital, também evitará a reencarnação.

Para outros ainda, a visita ao cemitério, semanalmente, mensalmente, ou anualmente, é um acto racional, objectivo, de “conviver”, ou pelo menos “sentir” próximo, o ente que partiu há pouco ou há muito tempo.

Não há dúvida é que quanto mais forem as idas ao cemitério maiores serão as probabilidades de perpetuar o luto e, com esta vinculação extremada, não conseguir seguir em frente com a sua vida.

Uma coisa é certa, e isto é um postulado histórico provindo da Antiguidade, o tratamento “pós-mortem”, depois da morte, sendo de escolha múltipla e pessoal, assenta essencialmente na generosidade – cedendo o corpo à ciência com Testamento Vital -, e na fé, enquanto axioma sem contestação, ou falência dela. E, por princípio de bom-senso, a fé não se discute, ou se “sente”, e vive-se muito bem com ela, ou não se sentindo o seu espectro transcendental, não se dando por ela, por norma não afecta a felicidade dos descrentes.