LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: O LIXO NA BAIXA"; "UMA LÁGRIMA PARA AMÉLIA"; e "O HOMEM E OS AFECTOS"
REFLEXÃO: O LIXO NA BAIXA
Como se sabe, até ao ano passado a recolha de
lixo na Baixa era realizada pela ERSUC -Resíduos
Sólidos do Centro, SA, Empresa Pública. Porque houvesse demasiadas
reclamações sobre a eficiência deste trabalho no Centro Histórico, a verdade é
que, após concurso, o serviço nesta parte da cidade velha foi privatizado e
consignado à empresa Recolte, com
sede no Porto e participada a cem por cento pelo Grupo Teixeira Duarte.
Antes de avançar, enquanto morador e
comerciante na Baixa, gostaria de dizer que o serviço agora praticado pela
Recolte, para melhor, fica a anos-luz do anterior. Constata-se, diariamente e
incluindo domingos, uma dedicação e profissionalização elevada dos funcionários
desta firma do Norte.
Depois desta ressalva, porque quem escreve tem
obrigação de ser justo e atribuir a cada um o que é seu, vou continuar. Se até
há meses, e durante a vigência da ERSUC, havia demasiados protestos de
residentes no sentido de que os detritos não eram recolhidos atempadamente e
esta zona de antanho era uma lixeira a céu-aberto, a verdade é que sempre foram
estes mesmos usufrutuários que, num egoísmo atroz e de desrespeito pelos
vizinhos e outros visitantes da cidade, contribuíram para o abandalhamento e,
como quem se lixa é o mexilhão, quem pagou a fava foi a ERSUC. Por um lado,
nunca se apostou na sensibilização dos moradores para respeitarem os horários
de colheita de resíduos, por outro, por parte da autarquia, foram criadas
posturas com coimas para os “lixadores”
do esquema mas, salvo um ou outro caso pontual, nunca foram colocadas em
prática pela Polícia Municipal.
Naturalmente que já deve dar para ver onde
quero chegar. Hoje temos um serviço de excelência de recolha mas o cenário, de
desleixo e de terceiro-mundo, continua devido a uns quantos montadores –chamo-os assim porque
consideram a Baixa da mesma forma que o cliente trata a prostituta. Servem-se
dela para esvaziar as frustrações e, após os gemidos de prazer, abandonam-na à
sua sorte e depois até tem vergonha de lhe olhar para a cara.
Ou seja, num lado temos os trabalhadores da Recolte a correr para cuidar do espaço
público e do outro temos uma cambada de usurpadores da coisa alheia, desmazelados
-para não chamar pior- que parecem gozar com quem lhes chama a atenção. Não
seria melhor apostar na formação e sensibilização, porta-a-porta, de todos os
que por aqui moram e trabalham? E já agora, este cuidado deve ir também para
quem se serve da Baixa para outros fins. Mas isto não é evidente? Desabafo
assim porque já escrevi crónicas sem fim a defender isto mesmo e remeti-as para
a Câmara Municipal. O que está acontecer nesta área classificada pela UNESCO
como Património Mundial, em metáfora, parece o mesmo que o Mondego, de um dia
para outro, aparecer conspurcado com óleo. Então, perante a catástrofe
ambiental, correm os serviços para limpar localmente a jusante e sem se
preocuparem com a origem da contaminação a montante. A continuar assim,
esquecendo a fonte do problema, não vamos ficar pela Recolte. Mas há mais
empresas, não há?
UMA LÁGRIMA PARA AMÉLIA
Maria Amélia Lima e o marido, Francisco Neto,
foram brutalmente espancados e assassinados na sua residência, em Foz de
Arouce, Lousã, na segunda-feira, da semana passada. Segundo os jornais da
cidade, Francisco Neto era ourives de profissão e, como ambulante, vendia em
feiras da região. O móbil do crime terá sido o facto de terem surpreendido os assaltantes
em flagrante na sua casa de morada.
A Amélia era uma “filha” da Baixa, e que conheci muito bem. Durante muitas décadas
trabalhou na Casa Bambi, na Rua Corpo
de Deus, propriedade do senhor Álvaro dos Santos Chaves, e também já falecido.
A Bambi era um estabelecimento de
batas profissionais. Lembro-me muito bem da Amélia e outra colega –que agora
não recordo o nome- a atenderem ao balcão e desde a década de 1970. Ambas, foram
trabalhar muito novas para esta reputada loja desaparecida –encerrada por volta
de 2005.
A Amélia sempre foi uma pessoa simples,
humilde e muito simpática e, quando saiu da Baixa, deixou muitas saudades,
sobretudo na Rua Corpo de Deus –uma via outrora tão movimentada comercialmente
e hoje, tal como outras artérias da cidade, a agonizar lentamente.
Perante um crime tão hediondo apetece formalizar
que os homicidas sejam apanhados e lhes seja feita e aplicada a mesma pena: a
justiça de Talião. Porém, a humanidade, sem desvalorizar a pena de privação de
liberdade –talvez aqui devam ser criadas outras sanções acessórias, isso é
outra questão- deve caminhar para a ressocialização e para o perdão –mas sem
exageros. Hoje, num economicismo latente por parte do Estado, esquece-se as
vítimas e a dor de quem sofre e a sanção correspondente que, psicologicamente, deve
atenuar, acalmar e evitar o sentimento de vingança e contribuir para a paz
social. Não se entende que verificando-se uma violência inaudita cada vez maior
da sociedade, em contrassenso, o Código Penal, perante crimes de sangue, tenha
cada vez mais mão-leve para os autores. Por outro lado, num desrespeito pelas
forças policiais e a querer mostrar um exemplo que não dá, é este mesmo Estado
que, em conluio no princípio da separação de poderes entre o judicial e o legislativo cozinha as leis no seu próprio interesse. É assim que, numa
morte por dolo eventual provado num assalto a uma empresa, condena um agente da
GNR, que defende a comunidade e colocando em risco a sua vida, a nove anos de
prisão. Para piorar, demora seis anos até apreciar o recurso no tribunal
superior –Já depois de escrita esta crónica, foi anunciado o acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa. Embora a pena baixasse para metade, para quatro
anos, com pena suspensa, e quarenta e cinco mil euros de indemnização à família
da vítima, parece-me, continua a ser um preço demasiado alto para quem defende
a segurança pública e um forte incentivo à desmotivação na produtividade dos
agentes policiais. É evidente que as polícias trazem atrás de si um forte
anátema provindo do Estado Novo. Um medo de que se caia novamente no exagero. O
problema é que a emenda pode ser bem pior do que o soneto e com custos
incomensuráveis para as populações. Nas últimas décadas, em nome de uma
igualdade que nunca poderá existir, continuamos a esvaziar o poder das
instituições, quer seja a família, quer a escola, quer a policial. Os
resultados estão à vista de todos: uma população vulnerável, fraca e sem reação
de indignação perante a contravenção, e à mercê de um qualquer energúmeno.
Estes, na maioria uma corja de bandidos vira-latas
mas perante a não-oposição, assumidamente raivosa e forte. Desde homicidas a
corruptos na economia nacional, todos, uns com mais ou menos poder para
passarem pelos pingos da chuva, driblam as leis e parecem gozar com a angústia
do pobre desgraçado que sofre. Num País envelhecido e carregado de velhos em
esquinas e bancos de jardim, o que se espera para o futuro? Alguma coisa vai muito
mal neste reino sem rei nem roque na
justiça. Estas leis, aplicadas no âmbito da magistratura dos juízes enquanto
aplicadores do direito, não servem a comunidade. O Estado, como se minasse um
pilar fundamental da vida em sociedade, está abrir brechas na segurança
interna. Dá até impressão que este deslavar da ordem, enquanto imperativo
categórico de coletividade, parece ter por objeto privatizar os tribunais –é o
passo que falta uma vez que, como disse em cima, presumivelmente, as leis são
elaboradas por grandes escritórios de advogados da capital e de acordo com o
interesse de alguns seus maiores clientes. Os resultados desta mistura
explosiva estão à vista de todos. Para além de se verificar uma desmesurada
violência gratuita dos agressores sobre as vítimas, e vez de desmotivar, está a
incentivar o crime.
À família de Amélia Lima e de Francisco Neto,
em nome da Baixa, se posso escrever assim, os nossos mais sentidos pêsames.
Para que descansem em paz e até um dia.
O HOMEM E OS AFECTOS
À hora do almoço, encontrei o Cadacho sentado
num banco da Praça do Comércio. O Cadacho, que já contei a sua história no
blogue, é um caminheiro solitário destas pedras gastas pelo tempo em busca de
uma lotaria, traduzida numa conversa
mesmo que seja curta, ou de uma terminação,
vertida num olhar mais demorado. Interessante como o valorativo, como pastilha
elástica, pode ser tão extensível e diferenciável para quem nada tem. O pouco
pode ser muito e o muito, julgando-o inalcançável para quem nada tem, pode
parecer o infinito impossível de atingir, mesmo sendo lana caprina para tantos. Se todos déssemos um pouco do nosso pouco
e pensássemos que um pequeno gesto, como um sorriso por exemplo, pode
significar um dia de felicidade para alguém, tenho a certeza, o mundo, o nosso
pequeno universo à nossa volta, seria muito melhor. É filosofia o que escrevo?
É! Mas tem muito de pragmático. Logo a partir do ano um do primeiro ciclo
deveria haver uma preparação intensiva, uma formação para as boas-maneiras,
para a cidadania, e, se calhar, menos para a informação do que nos rodeia.
Todos temos de saber como se chama o habitante do Polo Norte, o esquimó, mas
ninguém chama a atenção para a necessidade de saber o nome do nosso vizinho. As
políticas educativas dos últimos 40 anos foram sempre mais viradas para a
informação global, para fora de nós, e menos para o conhecimento do ser, para o nosso interior. É comum
pensar-se que mais tarde, com a experiência de adultos, todos aprendemos a
conviver, mas não é verdade. Todos pensamos que não é preciso aprender a
sorrir, que o riso é imanente à condição humana, mas não é assim. É necessário
sensibilizar as crianças, desde tenra idade, para serem simpáticas, genuínas,
humildes na partilha da igualdade com o próximo. Os resultados desta iminente falência
formativa podem ser facilmente constatados na violência doméstica, em género, sobretudo
do homem sobre a mulher.
O Cadacho estava rodeado de pombos e entretido
a dar-lhes pão. Logo que me aproximei, e também uma senhora acompanhada de uma
criança, fez questão de exibir o seu aparente domínio sobre as aves.
Chamando-as por nomes, para que se sentassem nas suas pernas, elas pareciam
obedecer ao chamamento. Claro que os passarinhos iam porque eram atraídos pelo
alimento. Mas achei giro o desempenho deste desapegado
de afeto, na necessidade que tinha de mostrar o seu poder sobre os animais.
Ou seja, naquele quadro entre pessoa e pássaro, o humano, sem proferir palavra,
parecia dizer: “obrigados por me darem
atenção!”
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