quinta-feira, 3 de julho de 2014

LEIA O DESPERTAR


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: O LIXO NA BAIXA""UMA LÁGRIMA PARA AMÉLIA"; e "O HOMEM E OS AFECTOS"


REFLEXÃO: O LIXO NA BAIXA

Como se sabe, até ao ano passado a recolha de lixo na Baixa era realizada pela ERSUC -Resíduos Sólidos do Centro, SA, Empresa Pública. Porque houvesse demasiadas reclamações sobre a eficiência deste trabalho no Centro Histórico, a verdade é que, após concurso, o serviço nesta parte da cidade velha foi privatizado e consignado à empresa Recolte, com sede no Porto e participada a cem por cento pelo Grupo Teixeira Duarte.
Antes de avançar, enquanto morador e comerciante na Baixa, gostaria de dizer que o serviço agora praticado pela Recolte, para melhor, fica a anos-luz do anterior. Constata-se, diariamente e incluindo domingos, uma dedicação e profissionalização elevada dos funcionários desta firma do Norte.
Depois desta ressalva, porque quem escreve tem obrigação de ser justo e atribuir a cada um o que é seu, vou continuar. Se até há meses, e durante a vigência da ERSUC, havia demasiados protestos de residentes no sentido de que os detritos não eram recolhidos atempadamente e esta zona de antanho era uma lixeira a céu-aberto, a verdade é que sempre foram estes mesmos usufrutuários que, num egoísmo atroz e de desrespeito pelos vizinhos e outros visitantes da cidade, contribuíram para o abandalhamento e, como quem se lixa é o mexilhão, quem pagou a fava foi a ERSUC. Por um lado, nunca se apostou na sensibilização dos moradores para respeitarem os horários de colheita de resíduos, por outro, por parte da autarquia, foram criadas posturas com coimas para os “lixadores” do esquema mas, salvo um ou outro caso pontual, nunca foram colocadas em prática pela Polícia Municipal.
Naturalmente que já deve dar para ver onde quero chegar. Hoje temos um serviço de excelência de recolha mas o cenário, de desleixo e de terceiro-mundo, continua devido a uns quantos montadores –chamo-os assim porque consideram a Baixa da mesma forma que o cliente trata a prostituta. Servem-se dela para esvaziar as frustrações e, após os gemidos de prazer, abandonam-na à sua sorte e depois até tem vergonha de lhe olhar para a cara.
Ou seja, num lado temos os trabalhadores da Recolte a correr para cuidar do espaço público e do outro temos uma cambada de usurpadores da coisa alheia, desmazelados -para não chamar pior- que parecem gozar com quem lhes chama a atenção. Não seria melhor apostar na formação e sensibilização, porta-a-porta, de todos os que por aqui moram e trabalham? E já agora, este cuidado deve ir também para quem se serve da Baixa para outros fins. Mas isto não é evidente? Desabafo assim porque já escrevi crónicas sem fim a defender isto mesmo e remeti-as para a Câmara Municipal. O que está acontecer nesta área classificada pela UNESCO como Património Mundial, em metáfora, parece o mesmo que o Mondego, de um dia para outro, aparecer conspurcado com óleo. Então, perante a catástrofe ambiental, correm os serviços para limpar localmente a jusante e sem se preocuparem com a origem da contaminação a montante. A continuar assim, esquecendo a fonte do problema, não vamos ficar pela Recolte. Mas há mais empresas, não há?


UMA LÁGRIMA PARA AMÉLIA

Maria Amélia Lima e o marido, Francisco Neto, foram brutalmente espancados e assassinados na sua residência, em Foz de Arouce, Lousã, na segunda-feira, da semana passada. Segundo os jornais da cidade, Francisco Neto era ourives de profissão e, como ambulante, vendia em feiras da região. O móbil do crime terá sido o facto de terem surpreendido os assaltantes em flagrante na sua casa de morada.
A Amélia era uma “filha” da Baixa, e que conheci muito bem. Durante muitas décadas trabalhou na Casa Bambi, na Rua Corpo de Deus, propriedade do senhor Álvaro dos Santos Chaves, e também já falecido. A Bambi era um estabelecimento de batas profissionais. Lembro-me muito bem da Amélia e outra colega –que agora não recordo o nome- a atenderem ao balcão e desde a década de 1970. Ambas, foram trabalhar muito novas para esta reputada loja desaparecida –encerrada por volta de 2005.
A Amélia sempre foi uma pessoa simples, humilde e muito simpática e, quando saiu da Baixa, deixou muitas saudades, sobretudo na Rua Corpo de Deus –uma via outrora tão movimentada comercialmente e hoje, tal como outras artérias da cidade, a agonizar lentamente.
Perante um crime tão hediondo apetece formalizar que os homicidas sejam apanhados e lhes seja feita e aplicada a mesma pena: a justiça de Talião. Porém, a humanidade, sem desvalorizar a pena de privação de liberdade –talvez aqui devam ser criadas outras sanções acessórias, isso é outra questão- deve caminhar para a ressocialização e para o perdão –mas sem exageros. Hoje, num economicismo latente por parte do Estado, esquece-se as vítimas e a dor de quem sofre e a sanção correspondente que, psicologicamente, deve atenuar, acalmar e evitar o sentimento de vingança e contribuir para a paz social. Não se entende que verificando-se uma violência inaudita cada vez maior da sociedade, em contrassenso, o Código Penal, perante crimes de sangue, tenha cada vez mais mão-leve para os autores. Por outro lado, num desrespeito pelas forças policiais e a querer mostrar um exemplo que não dá, é este mesmo Estado que, em conluio no princípio da separação de poderes entre o judicial e o legislativo cozinha as leis no seu próprio interesse. É assim que, numa morte por dolo eventual provado num assalto a uma empresa, condena um agente da GNR, que defende a comunidade e colocando em risco a sua vida, a nove anos de prisão. Para piorar, demora seis anos até apreciar o recurso no tribunal superior –Já depois de escrita esta crónica, foi anunciado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Embora a pena baixasse para metade, para quatro anos, com pena suspensa, e quarenta e cinco mil euros de indemnização à família da vítima, parece-me, continua a ser um preço demasiado alto para quem defende a segurança pública e um forte incentivo à desmotivação na produtividade dos agentes policiais. É evidente que as polícias trazem atrás de si um forte anátema provindo do Estado Novo. Um medo de que se caia novamente no exagero. O problema é que a emenda pode ser bem pior do que o soneto e com custos incomensuráveis para as populações. Nas últimas décadas, em nome de uma igualdade que nunca poderá existir, continuamos a esvaziar o poder das instituições, quer seja a família, quer a escola, quer a policial. Os resultados estão à vista de todos: uma população vulnerável, fraca e sem reação de indignação perante a contravenção, e à mercê de um qualquer energúmeno. Estes, na maioria uma corja de bandidos vira-latas mas perante a não-oposição, assumidamente raivosa e forte. Desde homicidas a corruptos na economia nacional, todos, uns com mais ou menos poder para passarem pelos pingos da chuva, driblam as leis e parecem gozar com a angústia do pobre desgraçado que sofre. Num País envelhecido e carregado de velhos em esquinas e bancos de jardim, o que se espera para o futuro? Alguma coisa vai muito mal neste reino sem rei nem roque na justiça. Estas leis, aplicadas no âmbito da magistratura dos juízes enquanto aplicadores do direito, não servem a comunidade. O Estado, como se minasse um pilar fundamental da vida em sociedade, está abrir brechas na segurança interna. Dá até impressão que este deslavar da ordem, enquanto imperativo categórico de coletividade, parece ter por objeto privatizar os tribunais –é o passo que falta uma vez que, como disse em cima, presumivelmente, as leis são elaboradas por grandes escritórios de advogados da capital e de acordo com o interesse de alguns seus maiores clientes. Os resultados desta mistura explosiva estão à vista de todos. Para além de se verificar uma desmesurada violência gratuita dos agressores sobre as vítimas, e vez de desmotivar, está a incentivar o crime.
À família de Amélia Lima e de Francisco Neto, em nome da Baixa, se posso escrever assim, os nossos mais sentidos pêsames. Para que descansem em paz e até um dia.


O HOMEM E OS AFECTOS

À hora do almoço, encontrei o Cadacho sentado num banco da Praça do Comércio. O Cadacho, que já contei a sua história no blogue, é um caminheiro solitário destas pedras gastas pelo tempo em busca de uma lotaria, traduzida numa conversa mesmo que seja curta, ou de uma terminação, vertida num olhar mais demorado. Interessante como o valorativo, como pastilha elástica, pode ser tão extensível e diferenciável para quem nada tem. O pouco pode ser muito e o muito, julgando-o inalcançável para quem nada tem, pode parecer o infinito impossível de atingir, mesmo sendo lana caprina para tantos. Se todos déssemos um pouco do nosso pouco e pensássemos que um pequeno gesto, como um sorriso por exemplo, pode significar um dia de felicidade para alguém, tenho a certeza, o mundo, o nosso pequeno universo à nossa volta, seria muito melhor. É filosofia o que escrevo? É! Mas tem muito de pragmático. Logo a partir do ano um do primeiro ciclo deveria haver uma preparação intensiva, uma formação para as boas-maneiras, para a cidadania, e, se calhar, menos para a informação do que nos rodeia. Todos temos de saber como se chama o habitante do Polo Norte, o esquimó, mas ninguém chama a atenção para a necessidade de saber o nome do nosso vizinho. As políticas educativas dos últimos 40 anos foram sempre mais viradas para a informação global, para fora de nós, e menos para o conhecimento do ser, para o nosso interior. É comum pensar-se que mais tarde, com a experiência de adultos, todos aprendemos a conviver, mas não é verdade. Todos pensamos que não é preciso aprender a sorrir, que o riso é imanente à condição humana, mas não é assim. É necessário sensibilizar as crianças, desde tenra idade, para serem simpáticas, genuínas, humildes na partilha da igualdade com o próximo. Os resultados desta iminente falência formativa podem ser facilmente constatados na violência doméstica, em género, sobretudo do homem sobre a mulher.
O Cadacho estava rodeado de pombos e entretido a dar-lhes pão. Logo que me aproximei, e também uma senhora acompanhada de uma criança, fez questão de exibir o seu aparente domínio sobre as aves. Chamando-as por nomes, para que se sentassem nas suas pernas, elas pareciam obedecer ao chamamento. Claro que os passarinhos iam porque eram atraídos pelo alimento. Mas achei giro o desempenho deste desapegado de afeto, na necessidade que tinha de mostrar o seu poder sobre os animais. Ou seja, naquele quadro entre pessoa e pássaro, o humano, sem proferir palavra, parecia dizer: “obrigados por me darem atenção!”

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