quinta-feira, 3 de julho de 2014

A RUA DA SOTA AO CONTRÁRIO



Antes de ir directamente à questão que me levou a escrever esta crónica vou brincar com a palavra Sota. É um vocábulo giro porque, ao mesmo tempo, tem significados antagónicos. Tanto quer dizer “o que cavalga a sela” –por tanto instiga superioridade- como, em contrário e mais comum,  se infere uma subalternidade, no exemplo “sota-capitão”. Quer dizer ainda “mulher astuciosa”. E ainda “a parelha dianteira, num carro puxado por mais do que uma”. Por outro lado, se lermos “sota” da direita para a esquerda sugere-nos outra palavra: atos. Por conseguinte, “atos”, já no novo acordo ortográfico, entre várias interpretações, pode significar diferentes divisões ou partes de uma peça teatral.
Ora, depois desta estapafúrdia introdução, vou chegar onde queria, que era mostrar que a Rua da Sota, tendo em conta a sua definição etimológica, está a cumprir à risca o seu destino. Nos últimos cinco anos, pelas decisões camarárias respeitantes ao trânsito nesta artéria, foi uma guerra pegada entre o então executivo da extinta junta de freguesia de São Bartolomeu, de cor rosa (PS) e liderado por Carlos Clemente, e o então executivo autárquico da Coligação por Coimbra, PSD, PP, PPM, chefiado por Barbosa de Melo. O argumento de dissenso invocado era o estacionamento, que do lado do Hotel Astória era a pagar e do lado dos armazéns Raf era gratuito. Depois, para complicar ainda mais a interpretação, há dois anos, foi colocada uma placa junto ao Banco de Portugal, no Largo da Portagem, em que se proibia a circulação “excepto residentes e ligeiros para cargas e descargas”. Mais abaixo estava uma placa que indicava “zona estacionamento de ligeiros sujeito a pagamento”. Ou seja, entre as duas indicações havia uma contradição implícita. Uma ordem anulava a outra.
No seguimento de que esta rua está fadada para a confusão, ontem o sentido de trânsito foi invertido. Isto é, agora para se entrar nesta via terá de ser pelo Largo das Ameias, junto ao Café Angola. Sobre uma pequena rampa de acesso, se for um veículo de mercadorias, aparentemente não tem espaço facilitado para virar à direita. Mas junto ao Banco de Portugal –outrora entrada e agora saída-, parece-me, ainda é pior. Para além de ter uma outra rampa inclinada entra-se numa via estreita. Salvo melhor opinião, uns ingressos nada fáceis pelo que constatei ontem mesmo. Mas, antes de saber as razões que estiveram na origem desta decisão, fui ouvir os responsáveis pelos estabelecimentos comerciais. Estão satisfeitos? Não estão?
Da parte dos que consideram positiva a medida Celso Baía, da Casa Baía, é um deles. “Concordo inteiramente. Passaram de 10 para 24 lugares de estacionamento. Já não circulam aqui carros em alta velocidade. Está muito melhor! Os meus clientes já podem vir calmamente ao meu estabelecimento”. Também Fátima Ferreira, funcionária dos Armazéns Raf, concorda. “Está melhor! Já podemos carregar e descarregar à vontade. Era um conflito diário com os outros automobilistas sempre a apitar. Agora podemos trabalhar calmamente. Hoje é o primeiro dia. Vamos ver como vai correr.”
Dos que estão contra, comecei por ouvir Ana Lúcia, do Salão Sota. “Não consigo entender o porquê desta alteração de movimento de trânsito na rua. Não faz qualquer sentido. Não devem ter mais nada para fazer, então inventam. Só pode!”. Também Jorge Fernandes, da Barbearia Adónis, partilha o mesmo sentimento. “É uma mudança para acabar com o negócio na Baixa. É um absurdo! Não faz sentido! Mais valia fechar o trânsito de vez. Com esta medida, não há melhoramentos. Antes pelo contrário. Acho que nos prejudica muito!”
Também Rosário Freitas, funcionária do restaurante Calado & Calado, está contra. “É muito mau! Hoje temos menos gente! Estão a passar menos carros. Se o negócio já estava mal, agora piorou. Não vejo qualquer vantagem! Enquanto funcionária, estou preocupada. Se o restaurante fosse meu fazia imediatamente um abaixo-assinado a solicitar a reposição do anterior”. Pedro Pereira, do restaurante “Solar do Bacalhau”, ex-Giuseppe & Joaquim, também partilha de opinião similar. “Com esta mudança, há menor visibilidade do nosso restaurante. Quem vem agora tem de vir de propósito. É um risco inverter o sentido do trânsito. Valia mais manter como estava e permitir o tráfego entre as 8h00 e as 19h00. Após esta hora do encerramento do comércio a rua passava a ser somente para peões e para carga e descarga. Parece-me que esta alteração, como está, não está bem!”

E O QUE DIZ CLEMENTE?
Carlos Clemente, ex-presidente da extinta Junta de São Bartolomeu e agora adjunto do Gabinete de Apoio à Presidência nas áreas de apoio às Juntas de Freguesia, salubridade pública e os cemitérios, em seu nome pessoal aceitou explicar o seu ponto de vista sobre esta nova postura camarária. “Enquanto ex-autarca, e é nesta condição que aceito prestar declarações, considero esta medida acertada. Aliás, era uma reivindicação antiga da junta de freguesia a que presidi. O que está em causa, e é preciso salientar isto muito bem porque não há outra qualquer intenção, é melhorar a circulação automóvel na Rua da Sota. Evitar que aquela via continue a ser uma “escapatória” para quem quer fugir ao trânsito da Avenida Navarro, um atalho de atravessamento a grande velocidade. Agora, com esta mudança, as pessoas que vêm para a Baixa tem mesmo de se deslocar para esse fim. É uma medida positiva. Acaba-se com o estacionamento em segunda fila. Deu-se maior dignidade à rua e a todos os operadores comerciais, concedendo-lhe mais espaço pedonal e menos para os automóveis.”

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1 comentário:

Jorge Neves disse...

Não vejo melhoramento algum com esta absurda alteração, bem pelo contrario. Não me recordo de alguma vez fazes parte das opções de grande plano da Junta de São Bartolomeu esta reivindicação, e fui as ler todas antes de escrever este comentário. No tempo de Barbosa de Melo era um marasmo mas agora é uma brincadeirinha, ou seja, fazer por fazer e nada mais.