sábado, 5 de julho de 2014

EDITORIAL: A DISCRIMINAÇÃO DE CAVACO SILVA

Cavaco Silva não felicitou Carlos do Carmo pelo Grammy


 

O cidadão Aníbal Cavaco Silva é humano como qualquer um de nós. A sua história de vida é tão parecida com alguns milhões de portugueses, como eu e outros e outros, que nasceram pobres, ou remediados, nas décadas de 1940-1950 e escalaram a montanha da vida a pulso e dão muito valor ao caminho percorrido. Tal como eu e os outros milhões, alguns já reformados e a auferirem verbas de sobrevivência, este cidadão português que dá pelo nome de Cavaco chora quando se lembra dos seus tempos pobres de criança e ri a bandeiras desfraldadas quando recorda certas passagens patéticas. Ama e detesta. Aprecia quem gosta dele e abjura quem o abomina. Ainda como cidadão político, perseguindo a ideologia Social-Democrata, aparentemente odeia os comunistas. Tudo isto é legítimo e um comportamento seu que se respeita. Entre fragilidades, forças e valores, dentro do âmbito da liberdade individual, na sua idiossincrasia, este homem e cidadão português tem o direito de ser quem é.
Aníbal Cavaco Silva é o Presidente da República Portuguesa. Foi eleito Chefe da Nação maioritariamente pelos eleitores que sufragaram o último pleito eleitoral para a Presidência da República Portuguesa. Por inerência, por todos, pelos que votaram e os que não votaram nele, é sem dúvida, formal e materialmente, o presidente de todos os nacionais a residirem no país e no estrangeiro. Para além disso, no dia em que tomou posse, com uma mão em cima da Constituição da República Portuguesa, para além de outras promessas, jurou representar todos os portugueses nas alegrias, nas euforias de contentamento, e nas desgraças, quando a tristeza invade o nosso espaço e parece que o mundo ameaça ruir sobre as nossas cabeças.
José Saramago foi o nosso expoente máximo das letras além-fronteiras. Pelo seu trabalho, foi reconhecido com o prémio Nobel da Literatura, o nosso segundo nobelizado. A distinção atribuída pela Academia Sueca foi uma honra para Portugal e para todos os portugueses.
José Saramago, comunista de convicção e filiado no PCP desde antes do 25 de Abril, morreu em Junho de 2010. O Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, estava de férias nos Açores. Apresentou condolências públicas à família mas não se deslocou pessoalmente ao funeral do nosso maior expoente da literatura nacional e de projecção mundial.
Vasco Graça Moura, escritor, poeta e ensaísta, figura de relevo no firmamento social-democrata, morreu neste último Abril. O Presidente da República, Cavaco Silva, acompanhado da mulher, Maria Cavaco Silva, foram pessoalmente à Basílica da Estrela para apresentar condolências à família do extinto e velar o corpo ali exposto em câmara ardente.
Carlos do Carmo, filho de Lucília do Carmo, provindo de uma família de fadistas que muito tem dado à cultura portuguesa dentro e fora de Portugal. Na mesma linha de Amália, é um reconhecido artista nacional e internacional.
Em 2006 este notável cantor ganhou o prémio Goya, instituído pela Academia das Artes e Ciências Cinematográficas para a Melhor Canção Original, e foi felicitado, em nota oficial, pelo Presidente da República.
Assumidamente comunista, nos últimos tempos tem feito várias intervenções a criticar e a responsabilizar o presidente pela situação económica, política e social em que o país se encontra.
Esta semana foi o primeiro português a ser contemplado com um Grammy de carreira – este galardão é considerado o maior e mais prestigiado prémio da indústria discográfica mundial. Naturalmente recebeu muitas felicitações de várias personalidades do universo da cultura. O Presidente da República não faz parte dos que enviaram congratulações.
Pode o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, agir assim? Não pode nem deve. A mais alta figura do Estado não está a cumprir o mandato para que foi outorgado. Ao confundir os seus interesses individuais particulares, de cidadão, com o seu papel institucional, ao discriminar aqueles cidadãos que legitimamente ousam, ou ousaram, questionar a sua actuação política, não está a representar os portugueses. E não me venham como o argumento de que o direito civil se confunde com o direito constitucional e ambos se baralham no mesmo saco. O Presidente da República deve ser o primeiro a mostrar poder de encaixe para quem não concorda com o seu procedimento político.
O senhor Presidente da República está a dar um péssimo exemplo, para não dizer medíocre, aos nossos jovens e vindouros. Esta conduta pública deveria ser censurada por todas as forças políticas partidárias. Como português, este comportamento do mais alto magistrado da Nação envergonha-me.


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