quarta-feira, 30 de julho de 2014

ESCREVER SOBRE O QUÊ?




É raro acontecer mas estou naqueles dias em que não sei sobre o que escrever. Preciso de o fazer, como catarse, não passo sem este exercício. É uma necessidade que vem lá do fundo. É assim como se estivesse carente de um abraço profundo mas, mesmo que tivesse um milhão, não me satisfazia. Hoje, sinto-me uma espécie de folha seca que corre no riacho ao sabor da corrente. Estou enfastiado com tudo o que me rodeia, com a apatia que, aos meus olhos, reina à minha volta. Estou tristonho sem estar triste. Vou explicar melhor, é como se estivesse envolvido numa letargia que se por um lado me paralisa sem imobilizar totalmente, por outro, se me retira força anímica, também me mantém expectante. Em metáfora, é como se estivesse transformado numa múmia, de olhos brilhantes, corpo inerte e retesado. Assim no género, estou cá em corpo, porque tenho mesmo de estar, mas a alma, desalentada e como frustrada por não o poder abandonar, anseia por fugir dele, partir para longe. Aposto que ela, a alma, se pudesse, largava tudo e transmutava-se para uma terra, à beira-mar plantada, onde o pôr-do-Sol, com aquele vermelhão de Inferno de Dante, beija as águas no horizonte e um bando de gaivotas, no seu intenso chilrear pedem meças à liberdade dos humanos.
Claro que a questão principal é: porque estou sorumbático? Não haverá razões para isso acontecer? Claro que há –mas não vou contar, obviamente. Tem tudo a ver com os outros. Curioso como os nossos problemas e as soluções imbricam sempre em quem nos rodeia. Ainda que se apregoe o oposto, de que tudo está dentro de nós, mas não é assim! Se vivêssemos sozinhos, numa ilha gigantesca, mais que certo, não teríamos ansiedade, depressão, angústia e solidão. Apenas precisaríamos de respirar para viver e pouco mais. Somos seres sociais –ainda que também o contrário- porque nascemos no meio de uma comunidade. Se é certo que tal como dizia o filósofo iluminista Rosseau, o humano nasce selvagem, num estado de pureza natural e, intrinsecamente, livre e são as instituições, logo a começar na família, que o corrompem e o tornam amestrado e escravo desta mesma colectividade; é também verdade que, palavras do teórico político, “a maioria de nossos males é obra nossa e os evitaríamos, quase todos, conservando uma forma de viver simples, uniforme e solitária que nos era prescrita pela natureza". Ou seja, somos tornados prisoneiros do sistema pela ambição que nos domina. A razão harmoniosa seria haver meio-termo, mas não há – o meio-termo só existe em números matemáticos. Apenas conhecemos a porta de entrada, o início do caminho, e lá penetrando, perde-se a noção de equilíbrio, de tempo e de espaço. Apenas inferimos do conhecimento do desastre quando ele acontece, ipsis verbis. Sem a agnição deste descalabro, no cair do precipício, esta ambição, para a sociedade, é o combustível que alimenta o homem e este, pelo desencadear da acção, na subsequência, é o instrumento, o motor, que leva ao desenvolvimento. Tal como a ganância, é também certo que apenas se sabe onde começou esta expansão, que anda de braço-dado com a ambição, mas não se sabe onde vai acabar –julga-se, tem-se por conta que o progresso é assim uma fonte de água límpida sempre a jorrar e que, pela sua pureza, é sempre bom eternamente porque conduz a um cada vez melhor bem-estar.
A ambição pode provir de, pelo menos três situações: quem nada tem e quer ter; quem já tem e precisa de conservar e ter mais; e quem já tem muito e quer ter muito mais.
No primeiro e segundo casos é uma questão de sobrevivência –portanto encarada como uma aspiração razoável e entendível. Já no terceiro caso, quem já tem muito e quer muito mais, ainda que do ponto de vista moral seja aceitável, trata-se de um parasitismo, no sugar o sangue à vítima e que conduzirá à sua morte. Quer dizer, por conseguinte, que, sendo legalmente admissível, do ponto de vista ético será condenável.
Depois de andar para aqui a pontapear as palavras, uma questão que emerge neste texto é: afinal onde quero chegar? Sei lá! Não faço a mínima ideia. Eu só queria escrever qualquer coisita. Mais nada! Ficou desiludido? Olhe, desculpe lá! Talvez amanhã eu tenha mais inspiração. Hoje não dá para mais.


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