É raro acontecer mas estou naqueles dias em
que não sei sobre o que escrever. Preciso de o fazer, como catarse, não passo
sem este exercício. É uma necessidade que vem lá do fundo. É assim como se
estivesse carente de um abraço profundo mas, mesmo que tivesse um milhão, não
me satisfazia. Hoje, sinto-me uma espécie de folha seca que corre no riacho ao
sabor da corrente. Estou enfastiado com tudo o que me rodeia, com a apatia que,
aos meus olhos, reina à minha volta. Estou tristonho sem estar triste. Vou
explicar melhor, é como se estivesse envolvido numa letargia que se por um lado
me paralisa sem imobilizar totalmente, por outro, se me retira força anímica,
também me mantém expectante. Em metáfora, é como se estivesse transformado numa
múmia, de olhos brilhantes, corpo inerte e retesado. Assim no género, estou cá
em corpo, porque tenho mesmo de estar, mas a alma, desalentada e como frustrada
por não o poder abandonar, anseia por fugir dele, partir para longe. Aposto que
ela, a alma, se pudesse, largava tudo e transmutava-se para uma terra, à beira-mar
plantada, onde o pôr-do-Sol, com aquele vermelhão de Inferno de Dante, beija as
águas no horizonte e um bando de gaivotas, no seu intenso chilrear pedem meças
à liberdade dos humanos.
Claro que a questão principal é: porque estou
sorumbático? Não haverá razões para isso acontecer? Claro que há –mas não vou
contar, obviamente. Tem tudo a ver com os outros. Curioso como os nossos problemas
e as soluções imbricam sempre em quem nos rodeia. Ainda que se apregoe o
oposto, de que tudo está dentro de nós, mas não é assim! Se vivêssemos
sozinhos, numa ilha gigantesca, mais que certo, não teríamos ansiedade,
depressão, angústia e solidão. Apenas precisaríamos de respirar para viver e
pouco mais. Somos seres sociais –ainda que também o contrário- porque nascemos
no meio de uma comunidade. Se é certo que tal como dizia o filósofo iluminista
Rosseau, o humano nasce selvagem, num estado de pureza natural e,
intrinsecamente, livre e são as instituições, logo a começar na família, que o
corrompem e o tornam amestrado e escravo desta mesma colectividade; é também
verdade que, palavras do teórico político, “a
maioria de nossos males é obra nossa e os evitaríamos, quase todos, conservando
uma forma de viver simples, uniforme e solitária que nos era prescrita pela
natureza". Ou seja, somos
tornados prisoneiros do sistema pela ambição que nos domina. A razão harmoniosa
seria haver meio-termo, mas não há – o meio-termo
só existe em números matemáticos. Apenas conhecemos a porta de entrada, o
início do caminho, e lá penetrando, perde-se a noção de equilíbrio, de tempo e
de espaço. Apenas inferimos do conhecimento do desastre quando ele acontece, ipsis verbis. Sem a agnição deste
descalabro, no cair do precipício, esta ambição, para a sociedade, é o
combustível que alimenta o homem e este, pelo desencadear da acção, na
subsequência, é o instrumento, o motor, que leva ao desenvolvimento. Tal como a
ganância, é também certo que apenas se sabe onde começou esta expansão, que
anda de braço-dado com a ambição, mas não se sabe onde vai acabar –julga-se,
tem-se por conta que o progresso é assim uma fonte de água límpida sempre a
jorrar e que, pela sua pureza, é sempre bom eternamente porque conduz a um cada
vez melhor bem-estar.
A ambição pode provir de, pelo
menos três situações: quem nada tem e
quer ter; quem já tem e precisa de
conservar e ter mais; e quem já tem
muito e quer ter muito mais.
No primeiro e segundo casos é uma questão de sobrevivência –portanto encarada
como uma aspiração razoável e entendível. Já no terceiro caso, quem já tem muito e quer muito mais, ainda
que do ponto de vista moral seja aceitável, trata-se de um parasitismo, no
sugar o sangue à vítima e que conduzirá à sua morte. Quer dizer, por
conseguinte, que, sendo legalmente admissível, do ponto de vista ético será
condenável.
Depois de andar para aqui a pontapear as
palavras, uma questão que emerge neste texto é: afinal onde quero chegar? Sei
lá! Não faço a mínima ideia. Eu só queria escrever qualquer coisita. Mais nada!
Ficou desiludido? Olhe, desculpe lá! Talvez amanhã eu tenha mais inspiração.
Hoje não dá para mais.
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