CARTA ABERTA DE UMA PUTA
Ando há muito tempo para escrever estas
linhas que me consomem o coração,
já peguei mil vezes no
lápis, outras tantas vezes o introduzi na minha afiadeira,
já estendi a folha
branca à minha frente, mas o queixume nunca passou de ficção…
deveria ter-me apresentado,
não era? Inércia, prostituta, puta, simplesmente,
trabalho na avenida –sim,
trabalho-, durante a noite, quando outras vêem televisão,
malho duro, levo com
ele sem horário, doente ou não, sem direito a pensão,
sou uma espécie de
fossa pouco asséptica onde vem confluir todo o lixo social,
como mãe, tenho
filhos; é por eles que vendo o corpo ao
punhado, ao apalpão
e me
entrego a qualquer brutamontes e me deixo tomar, pisar em destino fatal,
pelos meus miúdos, resguardo
a alma e tento não submergir nesta selva de solidão,
o que têm os meus
filhos de diferente por serem filhos da puta? São feitos de sal?
Ou foram gerados com
amor, pelo “jaquim”, naquele entrosamento de paixão?
Por que razão falam
apenas nos meus filhos e esquecem o pai, que era tão boçal?
E o pai do pai e do
pai, que era uma besta, um animal, um tipo execrável, um cabrão?
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