sábado, 12 de julho de 2014

CARTA ABERTA DE UMA PUTA



CARTA ABERTA DE UMA PUTA


Ando há muito tempo para escrever estas linhas que me consomem o coração,
já peguei mil vezes no lápis, outras tantas vezes o introduzi na minha afiadeira,
já estendi a folha branca à minha frente, mas o queixume nunca passou de ficção…
deveria ter-me apresentado, não era? Inércia, prostituta, puta, simplesmente,
trabalho na avenida –sim, trabalho-, durante a noite, quando outras vêem televisão,
malho duro, levo com ele sem horário, doente ou não, sem direito a pensão,
sou uma espécie de fossa pouco asséptica onde vem confluir todo o lixo social,
como mãe, tenho filhos; é por eles que vendo o corpo  ao punhado, ao apalpão
 e  me entrego a qualquer brutamontes e me deixo tomar, pisar em destino fatal,
pelos meus miúdos, resguardo a alma e tento não submergir nesta selva de solidão,
o que têm os meus filhos de diferente por serem filhos da puta? São feitos de sal?
Ou foram gerados com amor, pelo “jaquim”, naquele entrosamento de paixão?
Por que razão falam apenas nos meus filhos e esquecem o pai, que era tão boçal?
E o pai do pai e do pai, que era uma besta, um animal, um tipo execrável, um cabrão?

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