sábado, 30 de junho de 2007

ADEUS BIJU

A Biju morreu! Nos últimos cinco anos, habituei-me a vê-la, com o seu ar ladino e traquina, como se, com a sua luz resplandecente, fosse, metaforicamente, um candeeiro de luz intensa que ilumina tudo em redor. A Biju morava na Rua Eduardo Coelho, nº58, mais conhecida por Rua dos Sapateiros, na Baixa de Coimbra. A Biju era parte integrante da rua. Com a sua morte, vai, também, um pouco de todos nós, da nossa vivência diária e um pouco do espírito societário e urbano daquela artéria. Com a sua morte também um pouco da rua se vai, como lágrimas se esvaindo pelo intervalo das pedrinhas da calçada. A Rua dos Sapateiros ficou mais triste e desoladora. Sem o movimento anímico da Biju esta rua não voltará a ser a mesma. A Biju foi assassinada. O seu corpo, ou que restava dele, foi trasladado, no sábado, numa carreta de duas rodas, a fazer lembrar o transporte dos féretros de há trinta anos. Contrariamente ao que acontecia há três décadas, na sua última viagem, apenas duas pessoas a acompanharam: o Nuno e a Cristina. O Nuno, de olhos encovados e ar triste, fazendo um esforço hercúleo para não chorar, talvez agarrado ao velho aforismo de que um homem nunca chora. A Cristina, como mulher, mais prática e sem raízes nos adágios populares, de olhos vermelhos, chorava a bom chorar. Ali, como se imaginariamente se ouvissem os toques de finados, naquele carro simples de duas rodas, ia um pouco das suas almas e parte das suas vidas. A Biju não teve direito a discurso que encomendasse o seu corpo. Ninguém, ou poucos se aperceberam do súbito desaparecimento da Biju. Talvez na semana seguinte, quando se aperceberem do papel na porta a anunciar a sua morte, então, em jeito de comentário, entre o lamento pesaroso e a volúvel indiferença, muitos dirão: “A BIJU MORREU!”.
A Biju não era uma mulher. Era uma casa comercial que se finou. Mais uma que se apagou. Muitos dirão, com a costumada insensibilidade e desinteresse, que é a lei da vida, ou melhor a lei dinâmica do mercado livre ou, como sói dizer-se, a economia de mercado: uns nascem e outros morrem.
Porém, há um pormenor, a Biju morreu assassinada, por homologia. Morreu devido há insensibilidade e ganância do proprietário da loja para com o seu inquilino. A Biju pagava de renda dois mil euros e, ainda, mais IVA, o que dava, no total cerca de dois mil e quinhentos euros. Esta verba até poderia estar bem há cerca de cinco anos atrás. Hoje, restou-lhe claudicar perante a insuficiência de clientes diários e, por essa decrescência, a impossibilidade de pagar tal montante de renda.
Sou um defensor da economia de mercado, embora sem esquecer as regras legitimadoras e essenciais ditadas pelo Estado, enquanto parte interessada na defesa dos mais débeis, que permitam aos mais pequenos sobreviverem entre os gigantes. Para que as relações contratuais se não tornem no princípio da selva, ou seja a lei do mais forte. E aqui, neste caso, pelo menos no tocante ao contrato de arrendamento bilateral estabelecido entre inquilino e arrendatário, não poderão ser assacadas culpas ao Estado.
Trata-se, isso sim, duma questão moral e ética. O proprietário da loja foi durante décadas comerciante nesse mesmo local. Sabe, fruto da sua anterior experiência, que aquela renda, hoje, com o contraciclo da economia, é impossível de pagar. Está no seu direito? Sem dúvida, a casa é dele e, no âmbito do direito, quanto a isso não se contesta. Mas, embora as regras morais não tenham força obrigatória geral -isto é, como no direito, em que são sempre acompanhadas de uma vis, uma força centralizada, essencialmente, nos órgãos policiais- a verdade é que devem sempre transcender a lei. Devem estar entrosadas nos princípios que nos regem. Quando assim não acontece, tornamo-nos numa sociedade legalista, em que apenas se faz o que a lei manda, como autómatos, sem sentimentos e sem emoções, com um cérebro virado para o calculismo, sempre com uma interrogação presente: o que é que eu ganho com isto? Em que se ajudará o próximo, apenas e só, se daí provier interesse ou a lei o prescrever. Infelizmente, cada vez mais caminhamos para essa forma legalista, rasteira e interesseira de encarar o outro.
Ora, neste caso da Biju, estamos perante um modelo nato e acabado, onde o interesse individual desmesurado, mesmo dentro da lei, transcende a própria relação contratual a dois, para tocar no interesse geral que são os restantes comerciantes.
Claro que podemos pôr a hipótese de o senhorio, possivelmente, arrendar facilmente a loja a chineses, uma vez que este povo do oriente, sem o querer, penso, está a inflacionar as rendas comerciais nos centros históricos. Mas põem-se a pergunta: então as Baixas comerciais vão ser, no futuro, apenas lojas de artigos baratos da China? Com todo o respeito por estes comerciantes. Mas o que ao longo de séculos tornou os centros históricos atractivos foi a sua amálgama de comércio representativo de vários ramos identificativos da nossa cultura de antanho. Se acontecer esta concentração de comerciantes chineses, estes centros comerciais a céu aberto cada vez mais se tornarão desertificados, desinteressantes e identificadores de uma cultura indígena para se tornarem em “Chinatowns”.

O CARROCEL DOS IMPOSTOS

O Diário de Notícias, de hoje, dia 30 de Junho, publica, no seu caderno de economia, que a União Europeia (EU) vai mudar as regras do IVA para combater a fraude-carrocel. Ainda segundo este Jornal, este esquema consiste, “no chamado “modelo típico”, em implicar uma cadeia de empresas em que uma delas se dedica ao import-export com os mercados exteriores à EU. Beneficia de isenção completa de imposto, mas deduz o IVA. Ou seja, recebe do Estado suportado com as supostas compras de bens ou serviços. A cadeia de empresas abrange vários sujeitos passivos de imposto (empresas) e mistura-se, inclusive, com sociedades com actividade económica legal e fora dos esquemas fraudulentos. Em paralelo funcionam, também, firmas cujo objectivo é a mera emissão de facturas falsas e que realizam operações fictícias, a chamada “fraude na aquisição”(…). Esta mudança visará a ressurreição do desaparecido e enterrado Imposto de Transacções (IT) que vigorou no nosso país até quase ao final da década de 80, do século passado. Lembra-se que este imposto, contrariamente ao IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado, tal como o nome o indica, consiste num valor acrescentado em cadeia, isto é, cada operador acrescenta-lhe valor, sendo deduzido progressivamente o imposto anteriormente pago- era liquidado apenas a montante, ou seja, o último agente económico encarregar-se-ia obrigatoriamente de se autotributar pela aquisição a jusante e posterior valor acrescentado a montante.
Pela ilustração se infere que quanto mais os estados-membros da EU acossam e apertam os agentes económicos no pagamento de impostos, alguns “chicos-espertos”, saliente-se, duma forma inusitada, descobrem esquemas que levam completamente à insolvência um qualquer Estado, depauperando e destruindo toda a alguma base económica inerente aos impostos. Nomeadamente, a sua doutrina moral em que assenta a redistribuição pelos mais carenciados.
Nas últimas décadas as Nações Europeias, e sobretudo Portugal, apenas têm tido uma preocupação: sacar, sacar e mais sacar. É tão deprimente quanto contraproducente. Esta obsessiva perseguição a quem gera riqueza leva à profunda desmotivação de quem trabalha arduamente. Falo sobretudo das pequeníssimas empresas e algumas médias, que, em termos de percentagem, no ranking europeu, ocupam mais de 90% no panorama económico. Porque é evidente se o Estado estrangula de uma forma quase assassina os criadores de riqueza é lógico que os mais desenvoltos arranjam esquemas de fuga. E aqui escuso-me a fazer juízos de valor. É, no fundo, a teoria paradigmática do saco plástico: apertando abruptamente na entrada o ar contido no seu interior, inevitavelmente, terá de sair pelos fundos. Dê por onde der. Não há volta a dar-lhe.
Não tocarei na justeza dos mais ricos subsidiarem violentamente os mais carenciados, porque, como se sabe, existem alguns constitucionalistas que põem em causa esse princípio, considerando-o discriminador, mas uma coisa é certa os mais ricos e, por inerência, a grande empresa consegue sempre pagar o menos possível e, o mais caricato, sempre a coberto da lei. Os mais pequenos, sem defesa…meu amigo, vão capitulando.
Segundo as notícias publicadas na imprensa do ano transacto, o Estado Português gasta cerca de 60% da totalidade dos impostos recebidos em custos com logística e com pessoal para assegurar a manutenção de serviços essenciais e recebimento de impostos.
Então, imaginemos que sou muito burro, deixem-me opinar, não seria mais fácil criar um imposto único para todos os agentes económicos? Em vez de ter uma plêiade seria tudo congregado num só. Penso que nem seria dificil, bastaria escalonar as empresas por grupos. Qualquer operador económico teria obrigatoriamente de pagar uma verba certa, sabendo antecipadamente o quanto teria de pagar ao Estado mensalmente. Fará algum sentido uma empresa ter de demonstrar prejuízos?
Se dá prejuízo encerra. Uma empresa é criada, geneticamente, para dar lucro se dá prejuízo deve encerrar. Se os Estados optassem por esta via simplista, tenho a certeza, mais de 40% de custos com pessoal, para fiscalizar e recuperar as verbas não liquidadas,
seriam poupados.
Mas, enfim, eu sou mero espectador que assiste, provavelmente, daqui a tempos ao funeral do IVA e ressurreição do IT, para daqui a uma dezena de anos acontecer o inverso. Porque enquanto o pau vai e vem vão-se mantendo umas ocupações que, bem no fundo, não interessa mexer. É a retórica do costume.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

A DIALÉCTICA DO VAZIO




  Os Jornais nacionais, quer diários, quer semanários, transversalmente, apostam todos na opinião dos políticos partidarizados. Ou seja, a sua opinião é, como diria José Gil, uma não inscrição, sendo mais claro, é uma não opinião do próprio, mas sim a opinião da doutrina do partido, ou nalguns casos, é um discurso de subserviência ao líder nacional ou regional. Assim como, na maioria das vezes, se percebe, é um discurso visando sempre o seu interesse pessoal a médio e a longo prazo. Estes discursos que, estou em crer, a maioria dos leitores não lê, são uma espécie de continuação programática dos partidos políticos. São ricos nas “trincas” e normalmente nunca trazem nada de novo. São uma espécie de chover no molhado, uma projecção da Assembleia da República, uma continuação do discurso balofo e vazio de conteúdo.
Ora, assim sendo, é pertinente a pergunta, porque continua a apostar a imprensa escrita em “opinions makers”, quando essa opinião é condicionada pelo peso partidário?
Não estará a imprensa a ser servil e, com esse servilismo, a prestar um mau serviço aos seus leitores? Pessoalmente, penso que sim. Porque não apostam em comentadores independentes que, certamente dariam uma visão menos redutivista das questões em apreço? É que evitavam, ao leitor, um exercício mental de, à medida que vai avançando no texto, ter que que ir descontando, não levando em conta , certos pontos de vista. Parecendo, por analogia, como se estivéssemos a fazer compras em Marrocos e à medida que o vendedor avança um preço, mentalmente, vamos pensando quanto vale a sua afirmação, para lhe oferecer metade do valor pedido.
Claro que poderá dizer, e bem, o meu leitor, que também é o caso da televisão, sobretudo os canais estatais. Por muito bons que sejam os fazedores de opinião –e aqui estou a lembrar-me de Marcelo Rebelo de Sousa- a sua convicção, sem exclusão do receio de errar, apesar de ser uma argumentação brilhante, tentando a todo o custo mostrar que é independente, a verdade é que é sempre, a meu ver, tendenciosa. É inevitável. Se partirmos do princípio de que nenhum humano será, intrinsecamente, independente, todos dependemos de algo e, sobretudo, das nossas referências anteriores e do meio que nos cerca, como o poderá ser um “animal político”? Sem dúvida que será através da abstracção, quem o conseguir na totalidade, que, nessa imanência, se atingirá esse tão pretendido estado de independência mental. Por tudo isso, pode-se esperar independência de um servidor de um partido político, quando, pelo que se vê, o que todos os correlegionários pretendem é agradar ao chefe para que este, numa próxima eleição, o coloque em lugar elegível?!
Lembrei-me de escrever este texto ao ler uma crónica de hoje, dia 29 de Junho, no Diário as Beiras, de Paulo Penedos, com o Título: “Que Estratégia para Coimbra?”.
É simplesmente deprimente ler este texto “déjà vu”. O facto de não trazer nada de novo, o bater no ceguinho, o mais de mais, do menos menos, a que estas cabeças pensantes nos habituaram. É deplorável, porque falamos de um político jovem, que, em princípio deveria trazer uma frescura nova…se conseguisse ser independente. Isto é, se conseguisse pensar pela sua própria cabeça. Só que não consegue, pelo menos nesta crónica não. E assim, em resumo, perdemos todos; os jornais porque fazem um frete ao político, estes políticos partidários porque fazem um carrego ao político-mor e os leitores fazem um fretamento ao terem de pagar um frete para servir outros fretes.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

QUEM ESPERA NÃO AUGA

Um dia destes, pelas 9,45 da manhã, na Caixa Geral de Depósitos em Coimbra; entrei, para fazer o levantamento de um cheque, retirei a minha senha de aceso à caixa. Saíu-me em sorte o número 56. Desloquei-me para a secção do balcão correspondente. No placar luminoso, a fazer lembrar as salas de Bingo, corria o número 46. Das quatro caixas existentes só duas estavam a funcionar. A atender o público dois funcionários, uma senhora e um homem de quarenta e muitos, careca e de cabelo crescido atrás, a fazer lembrar Léo Ferré. Sentados nas cadeiras a aguardar vez, cerca de uma dezena de pessoas, aparentemente com mais de sessenta anos. Todas com ar resignado e de enfado, aguardavam a sua vez. Volta e meia lançavam um olhar suplicante para o visor luminoso, como se estivessem, através de uma prece, a apelar a uma entidade divina para realizar um desejo, mas o maldito, insensível, lá continuava como alentejano caminhando lentamente em direcção à sua courela.
Às tantas a funcionária levantou-se e ficou o "Léo Ferré" sozinho a atender. Passados, aproximadamente, dez minutos regressou a funcionária, nas calmas e a conversar com uma colega. Quando se sentou foi admoestada pelo "Léo Ferré". O que ele lhe disse não deu para perceber, mas, pela cara fechada, calculava-se que era uma reprimenda. A funcionária, que não gostou -notou-se- retorquiu-lhe que não stressasse e já um pouco irada, atirou-lhe de chofre: "você não tem nada com isso". Levantou-se então o "Léo Ferré" e ficou a atender, sozinha, a funcionária.
Entretanto, entra uma sexagenária, vestida de cores garridas, de passo apressado, toda lareta, dirige-se à funcionária, com um cumprimento familiar, e entrega-lhe um papel. A funcionária fala-lhe com afectividade. Ao meu lado, um septuagenário, não se contendo, vira-se para mim e, em surdina, diz: "já viu?...Ainda agora chegou e já está a ser atendida…o que faz ser conhecida. Sabe quem ela é?" Como se eu encolhesse os ombros, continuou, "é aquela que casou com um polícia que nunca se levantou da cama". Como tivesse, finalmente, chegado o meu voo, como quem diz o meu número 56, levantei-me, deixando o velhote a meio da narração, interrompida pela força das circunstâncias. Eram 10, 30 e lá segui a minha vida, procurando outras vidas. A funcionária, de cara dividida entre o expedito e o prestável, tentando levar a sua função a bom termo, continuava sozinha a atender um público heterogéneo, mas acentuadamente idoso.

ESTE É O PORTUGAL QUE MERECEMOS?

Vamos na rua e ouvimos, quase como ladainha mística; os políticos são assim, os políticos são assado. Que a Câmara de tal parte abriu um concurso, para subida de categoria, de provimento de um jurista feito à medida exacta da vereadora (também jurista)… que providenciou essa mesma admissão para que esse lugar lhe assentasse que nem uma luva. À partida, nessa autarquia, todos sabiam que aquele concurso foi feito de encomenda e quase ninguém concorreu com receio de retaliação. Excepto uma jurista que, de “peito feito” se apresentou ao júri do concurso interno. Até aqui, louve-se a sua atitude. O que vem a seguir é que não se entende: ela não impugna o acto administrativo, por vício formal, ou ilegalidade material. Quando lhe perguntam porque não contesta, meio evasiva e, sem disfarçar o incómodo que a interrogação lhe causa, responde com alguma irascibilidade: “para quê?...não serve de nada…”
Uma Cooperativa do sul do país, foi lesada por um administrador, supõe-se, em cerca de um montante muito próximo de 500.000 Euros. Pensa-se em peculato, abuso de confiança, apropriação ilegítima de bens para uso próprio, entre outras acusações. Por esse facto a instituição, financeiramente, passa um mau bocado, tendo que recorrer á banca e, subsequentemente, à hipoteca de bens. Quando alguém pergunta a um membro da direcção o que pensa fazer acerca desse lesa-património, responde o director: “sabe, é que a Cooperativa recebeu verbas comunitárias e se isto, por acaso, vier a público, a instituição terá de devolver todos os subsídios recebidos e até, provavelmente, será o fim da Cooperativa”. Mas a pessoa insiste, mas a Cooperativa pode e deve mover uma acção de ressarcimento pelas verbas apropriadas ilegitimamente. “Não, as coisas estão controladas e vale mais continuarem assim”. Mas quem entende esta atitude? Poderão estas pessoas dormir descansadas? Podem estas pessoas, em surdina, continuarem a vociferar impropérios contra os políticos, os empresários, ou outra classe qualquer, e, sobretudo, continuarem a dizerem mal deste país, se, duma forma acomodada, para não dizer cobarde, se mostram incapazes de denunciarem seja o que for por receio? Por acaso pensam no futuro dos seus filhos? Alguma vez pensaram que o país futuro será sempre o resultado das nossas acções presentes? Como se pode querer um país melhor, se essa melhoria começa em nós mesmos? Normalmente é a eterna questão: “porquê eu?...O meu vizinho não se importa”. Sinceramente, este comportamento começa a ser tão corrente que começo a ter dúvidas se, verdadeiramente, não serão eles que estarão certos. E quem escreve estas linhas, das duas uma: ou é completamente louco, ou então, julgando-se iluminado, pensa ser profeta da verdade. Com franqueza começo mesmo a questionar-me se este pensamento não será uma fixação e não me conduzirá, inevitavelmente, a uma instituição psiquiátrica.
Não admira também que a recorrência a denúncias anónimas, hoje, seja o “pão nosso de cada dia”. Quem ousa dar a cara? Até porque vale a pena atirar e fugir. É o próprio sistema que empurra a que assim seja, senão vejamos:
Em caso de denúncia anónima, cujo procedimento não dependa de queixa ou de acusação particular, é imediatamente aberto um processo de investigação e esta prossegue a sua tramitação sem ter em conta o seu autor que, recorrendo a um cobarde procedimento, facilitista e irresponsável, pode estar a acusar infundadamente;
Se um cidadão seguir os ditames da sua consciência, fizer a denúncia, identificando-se mas solicitando o anonimato tal requisito não lhe é concedido porque é invocado o Código Penal (artº365º), referente a denúncia caluniosa e subsequente imputação de medida disciplinar ou contra ordenação. Ou seja, estamos perante uma aberração jurídica. Sabendo todos que a lei devendo premiar o altruísmo, a coragem e o exercício da cidadania, pelo contrário incentiva o “atira e foge” e, ainda mais grave, desonera completamente –a coberto do anonimato- o autor de qualquer penalidade ou censura social, do seu acto atentatório ao (mau) uso da liberdade, da moral e dos bons costumes e, ao invés de fomentar a licitude e a conspicuidade, esta prescrição legislativa, incentiva o ataque soez.
Para terminar, cito J. F. Kennedy: “não perguntem à América o que pode ela fazer por vós, perguntem antes a cada um de vocês o que podeis fazer pela América”.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

UM PEQUENO NACO DE AMOR

O homem teria cerca de trinta anos. Estava algemado. Vinha a sair do Tribunal de Família e Menores acompanhado com um guarda prisional. Cá fora um carro celular, de porta entreaberta e um outro agente, armado, esperava o detido. Entre a porta do Tribunal e a carrinha celular distariam cerca de cinco metros, mediados por um largo passeio, como se este espaço, simbolicamente, pudesse representar uma ponte de liberdade, entre o cárcere e o Tribunal. Este, metaforicamente, um Coliseu romano onde a sorte do prisioneiro é decidida, não pelo Imperador mas por um Juiz, onde o seu veredicto assenta na prudência, transcendendo-se, tentando atingir o equilíbrio entre o abstracto e o concreto e, nessa ponderação, sentenciará o futuro do homem. Sempre vigiado pela deusa da Justiça, de olhos vendados, simbolizando a imparcialidade e a igualdade de direitos. Coadjuvada, na mão direita , pela espada, representando a imposição da força –que o direito sem essa força impositiva não passaria de uma doutrina frouxa pouco mais do que moral. Na mão esquerda, uma balança, representando o equilíbrio e a equidade entre as partes em conflito e entre estas e a sociedade.
Sem que, aparentemente, nada o fizesse prever o homem detido, ao sair do Tribunal de menores, ao atravessar aquele espaço de fronteira entre a porta e o carro celular, dá de caras com uma mulher sexagenária com uma criança, de cerca de cinco anos pela mão. A criança, largando abruptamente a mão da avó, corre em direcção ao homem, abraçando-o comovidamente com a pureza de uma ternura só própria de uma criança de cinco anos. O guarda, hipnotizado pelo quadro cortante dos sentidos, ficou estático. Um homem, transeunte, apanhado de surpresa por aquela cena de fazer amolecer qualquer empedernido coração, parou a olhar fixamente aquele encontro. A mulher, mãe do detido, como maestrina de uma orquestra, foi a primeira a soltar um grito sentidamente dorido de choro compulsivo. Como se fosse possível combinar toda esta afinação de sentidos, as lágrimas soltaram-se de todos os rostos em catadupa. Os guardas, aparentando uma calma e um domínio que não sentiam, tentavam, a todo o custo, conter as lágrimas, mas estas, desobedientemente, rolavam nas suas faces. Ao apelo lancinante da criança, “papá…papá…”, as pessoas que iam a passar, como peças de xadrez descomandadas de um jogo cerebral e frio, desataram a chorar como se estivessem descompensadas de um domínio de sentimentos que deveria fazer parte da sua forma humana de ser. Todos eles, perante esta expressão genuína de amor, não resistiram ao choro compulsivo.
A muito custo, notava-se nos seus gestos, os guardas prisionais levaram o prisioneiro para a carrinha celular. Aqueles cinco metros, poderiam ser facilmente quinhentos, se fossem filmados em câmara lenta. O homem entrou dentro do carro, sempre a estender as mãos algemadas para a criança. Já com a porta do carro semicerrada, as mãos continuavam do lado de fora, como pedissem clemência ao mundo, e a criança, entre convulsões e gritos de dor, continuava,”papá… papá… volta aqui”, estendendo as suas pequeninas mãozinhas como se quisesse ir também com o seu progenitor, sofregamente, continuava a beijar aquelas mãos estendidas, como se lhe pedissem perdão de lhe dar apenas estas migalhas de amor.
Finalmente, os guardas arrancaram com o prisioneiro, deixando atrás de si um rasto de dor.

sábado, 23 de junho de 2007

A FEIRA DE VELHARIAS




  É sábado, são 5h30 da manhã, o senhor Joaquim e a esposa estacionam a carrinha no largo da cidade, mais vulgarmente conhecido por Praça Velha. Se as pedras centenárias da calçada falassem quantas “istórias” contariam, quantas lágrimas caídas ao longo dos séculos, de mercadores sofridos de produtos vários, de latoaria, de géneros hortícolas, cebolas, alfaces, tomates, que tal, como o vendedor de velharias, também teriam vindo dos arrabaldes da cidade, muito cedo, montados no seu jumento, e, depois de o ter prendido pelas rédeas no Pelourinho, também teriam exposto toda a sua mercadoria e acompanhados do pregão, criado na ocasião, tentariam chamar os fregueses.
Tal como há cem anos atrás, o senhor Joaquim estende a manta no chão e, com o carinho pelas suas peças como só uma mãe sente por um filho, começa a expô-las, afagando-as com as mãos calejadas, como se com esse gesto as tornasse mais brilhantes aos olhos do futuro comprador. Embora a luz de Junho comece a despontar, à sua volta ainda reina o silêncio adormecido da cidade. Ali perto, um gato preto mia e o seu grito estridente ecoa no largo, como se reclamasse de, poucas horas antes, os homens da higiene da cidade, sem nenhuma sensibilidade, tivessem limpo tudo e lhe coarctassem o seu legítimo direito de minguar a sua fome num qualquer jacob de entulho e lixo.
Perante o miar do gato o senhor Joaquim deu um salto. Assustou-se. "Bolas, ainda por cima preto. Porra!", pensou para si. De certeza que o dia lhe iria correr mal, era sempre assim. Sem o querer, foi incorporando esta superstição. Ele sabia, era sempre assim, ainda há pouco, em Aveiro, aconteceu a mesma coisa e nem o poder de Santo Onofre, mesmo junto a seus pés, como se estivesse a fitá-lo, de costas para os compradores, valia contra o mau presságio dum gato preto. Começou a praguejar uma ladainha por entre dentes. A senhora Maria, a esposa, já o conhece bem, talvez melhor que a ela própria, e já sabe, nestes casos o que tem de fazer para puxar o homem à razão. Solta um chorrilho de pragas, misturadas com insultos ao marido, clamando contra a sua crendice, e, normalmente, o homem acalma e prega os pés no chão. Só que desta vez, mal ela estava a começar a lengalenga, então não é que o senhor Joaquim deixa cair um prato “ratinho”, que, no contacto com as lajes da calçada, se desfez em mil pedaços? “Vês…mulher…eu não te dizia?!...Eu já sabia…é sempre assim…malditos gatos pretos!…”.
“Cala-te mas é, estupor! Tu é que partes e depois a culpa é do gato?!”-refila, enfurecida a mulher do vendedor de velharias.
Por volta das sete e meia começam a aparecer os primeiros compradores. Os chamados batedores. São estes que vindo mais cedo, tentando antecipar-se a outros, sempre à procura daquela peça especial e, ao mesmo tempo, sabendo muito bem que as melhores compras são as que se fazem logo ao raiar da aurora e ao entardecer, aquando do fecho do certame. As primeiras são sempre boas porque o vendedor de velharias é muito crente em rituais e está ansioso por estrear-se, uma espécie de quebra do hímen e perder a virgindade. Se assim for, acredita, irá ter um dia cheio de vendas. Se tal não acontecer, se a castidade se mantiver durante a manhã, pode regressar a casa sem provar o clímax de uma única venda. 
As compras ao entardecer, aquando do fecho do mercado franco, são igualmente promissoras para o comprador, porque muitos dos vendedores não se tendo estreado, para fazerem algum dinheiro para o regresso a casa, vendem a qualquer preço.
Voltando ao senhor Joaquim, hoje, não está nos melhores dias. Fosse do gato ou do acaso da sorte aziaga, a verdade é que as vendas…”não pintam”. Há dias assim. Vejam bem que uma velha desdentada, de cabelo desgrenhado, cerca das oito horas, nem de propósito, foi oferecer-lhe, para ele comprar, uma colecção de uma dúzia de…gatos pretos em porcelana. Sinceramente, é preciso lata! Irritado como estava e ainda por cima o raio da velhota, parecendo gozar com ele, teimosa que nem uma mula, vai querer que ele compre os gatos. Homessa! Nem pensar! E a velha insistia, “compre-me os gatos, dê-me o que o senhor quiser…seja justo”, declamava em corrupio a persistente senhora. O senhor Joaquim, embora habitualmente calmo, já não podendo ouvir a mulher, passou-se e mandou-a, desabridamente, para o raio-que-a-partisse. A resmungar, a velha foi vender ao colega, mesmo ao lado, os doze gatos pretos por dez euros. O senhor Joaquim respirou de alívio. Francamente! Hoje não era decididamente o seu dia. Tudo girava em volta de gatos pretos. 
Ainda estava a pensar nisto, quando olhou para o lado e viu o seu colega vender a dúzia de gatos, comprados há minutos, por…duzentos e cinquenta euros. 
"Raios parta a minha sorte! Malditos gatos negros e todo o mito de assombração que lhe está associado!", resmungou por entre dentes o vendedor de bric-à-brac.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

COIMBRA: O QUE TORNARÁ A ACIC TÃO APETECÍVEL?

(IMAGEM DA WEB)


 Segundo o jornal Diário de Coimbra de hoje, dia 21 de Junho, a Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC) elegerá nova Direcção na última semana de Julho e o candidato da continuidade será Paulo Mendes. 
Recorda-se que este comerciante tem sido o tesoureiro das sucessivas direcções que se iniciaram em 1998, com o engenheiro Pina Prata como timoneiro desta associação comercial de reconhecido interesse público. Com a renúncia forçada de Pina Prata em 2005 sucedeu-lhe Paulo Canha, já então, à época, presidente do sector industrial daquela associação. Lembra-se que durante mais de dois anos Pina Prata acumulou a presidência da ACIC com a vice-presidência da Câmara Municipal de Coimbra. Depois de um primeiro triénio interventivo (1998-2001), digno de nota, pela afronta reivindicativa ao poder instalado na Praça 8 de Maio, com gerência de Manuel Machado, eis então, com a queda deste economista e ascensão da equipa social-democrata, chefiada por Carlos Encarnação e acessorada pelo presidente da associação dos comerciantes, que a ACIC entra num período conturbado, uma espécie de morte clínica, em que o seu papel é meramente institucional, sem nenhum resultado prático-reivindicativo para os comerciantes estabelecidos de Coimbra e do distrito. A partir do momento em que Pina Prata ascende a segundo na autarquia, ficando com uma perna na associação e outra na Câmara Municipal, o papel institucional da ACIC pouco mais tem sido do que elaborar os projectos do URBCOM e o seu seguidor MODCOM –programas financiados pela Comunidade Europeia visando a modernização do comércio tradicional. 
Com as suas finanças pelas ruas da amargura -sabe-se que ainda há poucos meses foi contraído um empréstimo de cerca de um milhão de euros- em que tem vindo continuamente a perder associados, um pouco pelo seu apagado e apático estado de letargia, mas também pela profunda crise, anímica e material, que se abateu sobre todo o comércio de rua e sobre os comerciantes. Estes, pelo desânimo, já há muito deixaram de acreditar em quem se diz representá-los e, na prática, pouco faz em prol da sua defesa. Então, descrentes e ao mesmo tempo tentando poupar algum dinheiro, o caminho, ainda que errado, tem sido a sua desvinculação dos órgãos representativos.
É então, chegados a este ponto, que a pergunta surge: o que faz correr os candidatos a candidatos à presidência da ACIC? Por analogia comparativa com a Câmara Municipal de Lisboa, o que fará mover estes concursantes, sabendo à partida que são instituições falidas, com gestões a raiar o danoso, e praticamente descredibilizadas? Só vejo uma resposta: todos querem, no mínimo, ganhar uma fatiazinha de poder, que lhes permitirá no futuro ascender a outros voos mais ambiciosos e lucrativos.
Neste caso da ACIC, esta solução de continuidade, apresentada hoje, visa, no fundo, continuar um trabalho anémico e talvez evitar que uma nova equipa se apodere do poder e não venha a tomar a veleidade de, por exemplo, pedir uma auditoria externa. Assim como, também, sanear algumas colocações “metidas à pressão” nos últimos anos e que, duma forma a raiar a displicência administrativa e de gestão pouco clara, estão a encaminhar esta prestigiada associação centenária para o abismo.
Para além desta candidatura, outras irão nascer, e tenho a certeza absoluta de que vão surgir várias, inclusive uma ligada ao ex-presidente Pina Prata- algo me diz que assim será-, o que os move é apenas a notoriedade e a ambição paradigmatizada no seu umbigo. A menos que haja algum terramoto, e esses ninguém os pode prever, e, então, nesse caso, aparecerá uma lista de salvação da ACIC. As listas do sistema que irão surgir versarão apenas o interesse pessoal e nunca, ou jamais, o interesse duma classe de comerciantes, outrora orgulhosa, que hoje se arrasta no limiar da indigência.
Num slogan outrora conhecido, apregoava-se, de acentuada reivindicação revolucionária, que o poder deveria ser dado ao povo. Hoje, duma forma institucionalizada, de boca-a-boca, de acentuada descrença no sistema vigente, deverá dizer-se: 
DÊ-SE UMAS MIGALHAS DE PODER, ENCHA-SE A BARRIGA A ESTES DEFENSORES DE SI PRÓPRIOS, ATÉ LHES PROVOCAR UMA INDIGESTÃO E UMA DIARREIA QUE OS ARRASTE, NESTE RIO FÉTIDO, PARA UM MAR INFESTADO DE PORCARIA.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

UM CRUZEIRO INESQUECÍVEL

João tem trinta e três anos. Como Cristo crucificado, já sofreu na carne a maldade dos homens e a desdita da sorte que, só depois de assediada, depois de muito tentada, duma forma arbitrária, bafeja os eleitos, enrolando-os no manto da sua generosidade. Mas João não tinha modos, não a conquistava. Ao longo da sua vida teve uma panóplia de curtos empregos. Embora esperto e desenrascado, alheio a convencionalismos, foi na rua que adquirira o seu mestrado, o rapaz nunca apostou na formação nem no conhecimento escolar. Detestava o esforço e muito mais o sacrifício, essas premissas eram para os outros, não para si. Sempre preferiu o biscate e o trabalho de remendo, a estar preso a compromissos que lhe limitavam a sua ansiedade de liberdade.
Aos vinte e cinco anos encontrou a sua Maria que, embora não sendo muito inteligente, tinha uns cobres de seus e um andar na cidade e João, sem hesitar, não foi de modos, engravidou-a e casou. Quem não ficou muito contente foram os pais de Maria que, mesmo mal o conhecendo, anteviram um tempo pouco risonho para a filha. Mas esta não os escutou.
A mania que os velhos têm de sempre quererem meter-se em tudo, armados em donos e senhores duma verdade e dum futuro que só a ela pertencia. Para mal de Maria eles tinham mesmo razão. Hoje, com um filho nos braços e sem rasto do pecúlio amealhado, há muito desperdiçado em negócios pouco claros pelo marido, a rapariga de idade, mas mulher de alma rugosa e envelhecida, torce a orelha, mas, por orgulho, prefere sofrer em silêncio a ter de admitir que os seus pais tinham razão.
Há dois meses, João viu um anúncio num jornal diário, de grande tiragem nacional, a pedir empregados para trabalhar num cruzeiro no alto mar. Telefonou para o número indicado, era do Algarve, de um hotel em Loulé. Sem delongas, partiu para a entrevista. Em terras algarvias, foi recebido por um senhor simpatiquíssimo e prestável. Tão prestável que nem o facto de João nunca ter trabalhado em hotelaria fora óbice, aos olhos do rapaz, o homem era generoso e espectacular. O ordenado era tentador, cerca de 4000 euros mensais a trabalhar como “assistwatter”, como quem diz, assistente de bordo. E assim ficou combinado, sem nenhum contrato de trabalho assinado, João partiria de avião, de Lisboa até Madrid e daqui até à Grécia, à ilha de Piraeus.
No dia acordado, com bilhete de ida e volta, não fosse o diabo tecê-las –pensara e bem- o rapaz parte de Lisboa para Madrid de avião, para fazer escala e mudar de voo. Mas já aqui a sorte, como a querer testar João, prega-lhe uma partida: no placard do aeroporto, escrito em espanhol, informa-se que o seu voo para Atenas fora adiado para quatro horas depois. O viajante iniciado espera e desespera por nova chamada que não chega. Vai informar-se novamente ao balcão e para sua surpresa o avião partira à hora marcada. De balcão em balcão, João tenta que o entendam e manifestar a sua indignação. A muito custo lá consegue reclamar por escrito. No dia seguinte parte então de vez em direcção à ilha de Piraeus, na Grécia.
No porto, desta Ilha, como a desafiar os oceanos e a ansiedade do futuro cavaleiro andante dos mares, um imponente Cruzeiro transatlântico de cor azul-marinho. Na proa, pintadas a esmalte branco, as letras, com o nome de baptismo do dominador dos mares mediterrânicos, que João, por muito que sobreviva, jamais esquecerá: OCEANIC.
Num Domingo, João, cruzador das ruas e vielas de Coimbra, feito marinheiro à pressa nas ondas que movem o sonho, conjuntamente com uma plêiade de nacionais de vários continentes, parte em direcção ao alto mar. Vão começar aqui os seus verdadeiros problemas. Segundo o chefe de pessoal, por acaso português, não havia lugar como “assistwatter” para o conimbricence. O único lugar disponível seria o de “snackstuart”, uma espécie de “faz–de-tudo”, e em que iria trabalhar em conjunto com chilenos, búlgaros, argentinos e hondurenhos. A convivência com outros povos não era problema. A verdadeira questão era a súbita desqualificação no ordenado, João passaria a auferir apenas cerca de 500euros. Como se esta sorte madrasta, feita por homens, não chegasse, João teria, tal como os outros transnacionais, de trabalhar 18 horas por dia e a comer quase ração de combate. O que lhe valia às vezes era comer doces à mão cheia, surripiados à socapa da travessa de algum passageiro. Várias vezes, na amurada, João, olhando para a foto da sua menina, perguntava a si mesmo: “salto e acabo de vez com isto?”
Durante vinte dias, sem o querer, João-sem-terra e muito mar, foi escravo, escravizado à força, até chegar à Ilha de Rhodes, onde conseguiu trocar o seu bilhete de avião e assim regressar novamente à sua terra. Quando desembarcou em Lisboa, além de trazer a carteira vazia, uma enorme sede de saudade e um estômago vazio, vinha muito mais leve: emagrecera 15 quilos. E como lição de vida, Cruzeiros nunca mais.

A MULHER DA RUA

QUANDO IA A PASSAR,
AO VIRAR DAQUELA ESQUINA,
REPAREI NUMA MULHER,
TÃO BELA, QUANTO MENINA;
ENTREI NOS SEUS OLHOS DE ÁGUA,
NAS MARGENS DE QUALQUER DIA,
QUASE QUE APANHEI A MÁGOA,
DO DESGOSTO QUE SENTIA;
ELA AO VER-ME ALI ESPECADO,
PENSOU QUE EU A QUERIA,
REPAROU QUE ESTAVA CALADO,
NÃO TINHA GRANDE ALEGRIA;
“QUERES IR COMIGO P’RA CAMA?”
PERGUNTOU SEM GRANDE ENFADO,
ERA A ROTINA DA DAMA,
PARA GENTE TRISTE, SEM FADO;
COMO EU NÃO RESPONDIA,
E A SUA CARA FITAVA,
PARECEU QUE SE OFENDIA,
ALI, ERA ELA QUE DOMINAVA;
“EU QUERO APENAS OLHAR
A TUA BELEZA COR DE MARFIM”,
RESPONDI, NERVOSO, A TITUBEAR,
IMPLOREI: OLHA APENAS PARA MIM;
“QUE TE DEU? NUNCA VISTE UMA MULHER?”
INTERROGOU, ENTRE BRUSCA E ADMIRAÇÃO,
SABIA, QUE SÓ OLHA QUEM SOUBER,
QUE SENTE NA CARNE O DILACERAR DA SOLIDÂO

terça-feira, 19 de junho de 2007

2-COIMBRA: UMA CARA SEM VERGONHA

(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
  Segundo O Diário as Beiras de hoje, dia 19 de Junho, noticiava que ontem, numa sessão de Câmara algo profícua ou talvez não, o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Carlos Encarnação, num diálogo estilizado em que só um fala e outro não responde, foi acusado pelo vereador e ex-presidente da autarquia, Pina Prata, de “perseguição e gestão incapaz”. Continuando a citar este diário, “o social-democrata ex-vice-presidente da autarquia e ex-presidente da Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC), acusou, ontem, o presidente da autarquia, Carlos Encarnação, de perseguição e de gestão inconsequente e tecnicamente incapaz do município. Disse ainda que Encarnação não consegue pôr a instituição e o interesse público acima dos seus sentimentos de perseguição”.
Continuando a citar as acusações proferidas pelo vereador Pina Prata, noticiadas no mesmo jornal, é referido por aquele que “o contrato programa com o Turismo de Coimbra é o exemplo gritante do contínuo boicote de projectos existentes e a machadada final em projectos que eu tive ocasião de criar, pôr em pé e desenvolver”. Exemplificou com a Turismo de Coimbra, que disse ser “uma farsa e diferente do que foi aprovado pela Câmara de Coimbra e pela Assembleia Municipal de Coimbra”, e com a Associação das Festas da Cidade e da Rainha Santa Isabel, que será agora absorvida pela empresa municipal e à qual, segundo Pina Prata, a autarquia deve 650 mil euros.
Mas foram muitos outros os projectos que o ex-vice-presidente disse que Encarnação está a aniquilar: o observatório económico; o Parque Empresarial de Taveiro, o Mercado D.Pedro V, as Águas de Coimbra, que, disse, “estão em auto-gestão”, entre outros. “já para não falar das pessoas que comigo trabalhavam no GDEPE (Gabinete de Desenvolvimento Económico e Política Empresarial) e que ficaram cá, que são perseguidas e prejudicadas no seu desempenho profissional”, acusou, sem concretizar. Esta acusação já havia, recorde-se, sido feita, depois de lhe terem sido retirados os pelouros por Encarnação, continuando a citar o Diário as Beiras.
“O senhor tem uma incapacidade substantiva em alhear-se da realidade e ansiedade das gentes de Coimbra, o que leva à não acção das forças que estão sob o seu comando. Senhor Dr. Carlos Encarnação, pensei que conseguisse pôr a instituição e o interesse público acima dos seus sentimentos de perseguição, mas não e verifica-se que tem um conceito que é o dinástico”, rematou Pina Prata, acusando o presidente da autarquia e, ainda, citando o mesmo jornal. Disse ainda o vereador “que o facto de se manter em funções o presidente do concelho de administração das águas de Coimbra (AC), que foi substituído em Maio passado, por deliberação da autarquia, configura uma ilegalidade e torna alegadamente ilegais todos os actos tomados desde então”. Carlos Encarnação acabou por não tecer qualquer tipo de comentário às considerações do seu ex-vice-presidente, remata o jornal.
Quem leu até aqui, certamente, uma das conclusões que tirará, em jeito de balanço, é de que, de certeza absoluta, o presidente da autarquia é de um partido contrário ao do vereador citado. Pois, surpresa das surpresas, o presidente e o agora acusador são ambos da mesma família partidária, génese de Sá Carneiro. É evidente, também, que a oposição nesta câmara, nomeadamente o PS, podem até ressonar nas sessões que com amigos destes não é preciso ter inimigos, como quem diz opositores. E, entre o revanchismo e o zangar das comadres, assim, sem ser preciso fazer absolutamente nada, basta assistir à digladiação entre estes irmãos desavindos.
Mas há uma questão pertinente que salta à vista; afinal quem é o vereador, travestido de acusador público, boa consciência da inconsciência pesada de outros, poderá ele, duma forma algo libertina, macular-se de pudor, vestindo-se agora de anjo de S.Gabriel e vir matar o dragão?
Vamos, por momentos, fazer uma resenha histórica deste homem, que teve Coimbra a seus pés e, por demasiada ambição ou não –a história se encarregará de o julgar- perdeu tudo: a notoriedade e uma brilhante carreira politica. Hoje, para gáudio dos seus arqui-inimigos, vêem no seu estrebuchar, disparando em todas as direcções, o estertor, a morte política de um homem inteligentíssimo que, por opções que o destino tece, ou tecidas ardilosamente por pessoas que ele julgava camaradas, mas que, ao mínimo deslize, espetam uma faca nas costas do amigo usado nas suas ambições de poder desmesurado. Alguém disse um dia que a politica partidária é como o comércio internacional, interessa o objecto a alcançar e pouco ou nada de amizades. E, como ponto comum, quanto mais poder, maior meio de influência e maior possibilidade de alcançar os objectivos pretendidos. O problema é conseguir percorrer este sinuoso caminho minado pela ambição humana e chegar ao fim incólume.
Mas vamos então tentar traçar o currículo do engenheiro Pina Prata. Até 1997 esteve à frente da Anje (Associação de Jovens empresários ). Em princípios de 1998, foi convidado para presidir à ACIC. Esta associação, centenária de interesse público, estava a viver um momento muito difícil da sua história, quer economicamente, quer identitariamente. Por outro lado, a cidade era comandada pelo socialista Manuel Machado há mais de uma década. Este economista, embora tendo o mérito de conseguir controlar completamente as finanças da autarquia, por esta altura, talvez fruto do seu notável percurso, duma forma arrogante, encetou uma guerra surda contra tudo e todos, nomeadamente, associações cívicas e culturais. Ora, todos sabemos, os sistemas desmoronam-se ao serem minados por três poderes: pela força militar, pela rebeldia inconsequente dos jovens e pelo minar constante das mentes, através dos paladinos da cultura intelectualizada.
Coimbra, tal como Portugal, sofre há séculos do mito Sebastianista. Com o cenário atrás descrito, estavam criadas as condições para a emergência de um salvador que libertasse a cidade do poder machadista. E Pina prata, com toda a sua inteligência, duma forma brilhante, soube antever que em terra de cegos quem tem olho é rei. No primeiro mandato à frente da ACIC, 1998 a 2001, este homem, demagogicamente ou não, conseguiu pôr Coimbra no mapa. Duma forma planeada e ardilosa, desencadeou uma guerra contra o poder do executivo machadista, de desgaste por um lado, e de apresentação de projectos megalómanos por outro, que embora nunca passassem do papel, ajudaram a elevar a autoestima da urbe, acompanhados, sempre, por chavões psicanalíticos e normalmente muito bem publicitados nos média da cidade. Ele, enquanto presidente da ACIC, neste triénio, soube rodear-se, para além de um acessor de imprensa, de pessoas-chave, estrategas de gabinete, como ele, que pensavam tudo, até ao mais ínfimo pormenor. Além disso, senhor de uma persuasão e carisma inexplicável, conseguiu “usar”, na ACIC, toda uma equipa, uns desinteressadamente por amor à camisola, outros, de uma forma calculista, vendo nele uma escada para chamarem a si uma fatia de poder ou virem a realizar negócios no futuro à custa da sua notoriedade.
Perante este trabalho político, inevitavelmente Manuel Machado perdeu as eleições no início de 2002. Estava escancarada a porta de acesso ao poder, ou seja, Coimbra rendia-se completamente a uma nova filosofia social-democrata. E aqui começa o caminho ascensional, mas muito pedregulhoso e minado, com minas anti-pessoais contra a demasiada ambição. Ascende a vice-presidente de Carlos Encarnação mas comete um erro que lhe vai ser fatal: continua como presidente da ACIC. Não é preciso ser muito sábio para perceber que são dois lugares incompatíveis. Mas ele, estranhamente não o percebeu. Enquanto presidente da ACIC, perante os seus pares, propugnava a defesa do comércio tradicional e a não implementação de novas grandes superfícies. Enquanto vice-presidente da Câmara Municipal foi inaugurar o Retail-Parque de Eiras, consubstanciando a sua satisfação pela vitalidade e modernidade do comércio de Coimbra. Uma espécie de Olívia-patroa e Olívia-empregada. Como se não chegasse, acumulava ainda com a presidência das Águas de Coimbra. E, como se fosse pouco, ainda tinha as suas empresas. Era muito poder para um homem só. Os seus pares que lhe estenderam o tapete vermelho e o ajudaram a eleger encarregaram-se de, fatalmente, lho puxarem de forma brusca e o homem estatelou-se completamente ao comprido. Foi demitido por Carlos Encarnação.
Pelo meio ainda faz umas habilidades orgânicas para tomar a maioria do capital do “Coimbra Inovação Parque”, retirando a posição maioritária da autarquia.
Dos seus amigos de curta data, restarão muito poucos. Hoje, este homem, numa espécie de contorcionismo, vai clamando contra o que outrora fora a favor, defendendo o que noutro tempo, de forma displicente negligenciara e ostracisara. É uma pena.
Trabalhei, por acasos do destino, com este homem inteligentíssimo. Sei do que falo. Ele perdeu, mas, por incrível que pareça, Coimbra perdeu muito mais.

1-COIMBRA: UMA AUTARQUIA SEM CARA....




  “Ontem, dia 18 do corrente mês de Junho, a Câmara Municipal de Coimbra (C.M.C.), em sessão, deliberou, por maioria, dar 30 dias à Bragaparques para que esta assegure, em definitivo, os preços especiais, para residentes e comerciantes no parque de estacionamento do "Bota Abaixo", dos quais dependeram a declaração, em Novembro de 2004, de interesse municipal daquela estrutura. Com este reconhecimento, refira-se, a Bragaparques ficou isenta do pagamento de cerca de 40 mil euros de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI)”. In Jornal as Beiras, 19 de Junho.
“É nosso entendimento que a declaração de interesse municipal e a subsequente isenção de IMI só deverá subsistir se for concedido: aos comerciantes estabelecidos no centro Histórico, sem limites de número de avenças por unidade, um desconto de 35 por cento, na modalidade de avença comerciantes; aos residentes do Centro Histórico, um desconto de 50 por cento, na modalidade de avença residentes (…)”- citação do documento exarado pela autarquia conimbricense e plasmado no mesmo Jornal.
Passemos ao objecto em análise: a firma Bragaparques ao ser isentada de IMI, em Novembro de 2004, no valor de 40 mil euros, obrigou-se a conceder descontos de cerca de 33% aos comerciantes e 50% a moradores. Ora acontece, por acaso, apenas por acaso, que nunca pôs em prática esta premissa obrigacional, ratificada no contrato bilateral que subscrevera com a Câmara Municipal. Ou seja, juridicamente, estamos perante uma locupletação, um enriquecimento, ou apropriação ilegítima, um abuso de confiança, ou ainda um enriquecimento sem causa, ou ainda uma ilegalidade grosseira, ou mais genericamente um incumprimento contratual que, no mínimo deveria ter consequências factuais e jurídicas. Nomeadamente, o direito de regresso do IMI não pago em 2004, 2005, 2006 e 2007, com os subsequentes juros vincendos e vencidos.
Para mais, em 20 de Fevereiro, noticiava o Jornal Público que “o vice-presidente da Câmara de Coimbra, João Rebelo, afirmou ontem que a autarquia irá reavaliar a decisão camarária de isentar o parque de estacionamento da Bragaparques do IMI, se se vier a verificar que aquela não está a cumprir as condições em que se baseou a declaração de utilidade pública do equipamento (…)”. Se esta notícia foi verdadeira, isto tendo em conta que para o presidente Carlos Encarnação os jornais não merecem crédito –afirmação verberada no salão nobre da autarquia em 05 de Junho- isto quer dizer que perante estas declarações do vice-presidente da autarquia, proferidas há quatro meses e a deliberação emanada do executivo de ontem, se extraem as seguintes ilações: ou o resultado do inquérito levado a efeito, presumivelmente, pela Câmara foi conclusivo, isto é, os comerciantes e os residentes estarão a mentir e nesse caso não haverá direito de regresso, exigido pela C.MC., e, assim sendo, não fará sentido haver consequências retroactivas e, na feliz paz dos anjos, todos dormirão descansados. Ou então, no mais completo despudor, laxismo, inoperância e desrespeito pela administração da “res publica”, a autarquia, cedendo por motivos pouco atendíveis ou entendíveis, preferindo o “laissez faire, laissez passez”, prefere assobiar para o lado e seguir em frente. Um lindo exemplo para o anónimo munícipe. Sim, senhor!
E portanto, esquecendo o incumprimento do passado, o que interessa ao executivo, apenas, é o futuro. Desde que a citada firma, concessionária de estacionamentos, se comprometa, no prazo de trinta dias, a conceder os descontos para o futuro, estará tudo bem. Pelo silogismo, para o executivo da praça 8 de Maio, águas passadas não movem moinhos. E, afinal, para uma Câmara falida, que recolhe os resíduos urbanos em carros de caixa-aberta, por ter toda a sua frota de camiões avariados, e paga a fornecedores a mais de um ano, após o vencimento, o que são uns míseros pouco mais de 200.000.00 euros? Umas migalhas, simplesmente!
É pena que o critério não seja igual para todos. Este desprendimento para a derrama, cujos aumentos têm afastado a localização de empresas, e para o IMI, em que esta cidade, entre outras, cobra taxas quase máximas. É por essa e por outras que (não) é um gosto viver em Coimbra e, quem cá vive, não partilha do sentimento mítico de quem partiu há muito. Coimbra, infelizmente, é uma cidade com dois movimentos contrários entre si, em que um, inevitavelmente, destrói o outro – deveria explicar, mas como já vai longa esta explanação, omito-a. Como já alguém disse, "Coimbra é como o relógio da Estação Nova –há décadas que o seu estado omnipresente é estar parado- nem atrasa nem adianta". Uma pérola!

segunda-feira, 18 de junho de 2007

ESTA RUA NÃO É A MINHA







Eu não conheço esta rua.
É escura, não tem vida, não tem gente,
só tem sombras disfarçadas, nuvens carregadas.
noite de assombração, relâmpagos de cheia lua;


Eu quero a minha rua de outrora.
Onde o barulho e os encontrões eram reais,
o pregão e a obscenidade eram companheiros,
não quero este silêncio, dos vivos-mortos de agora;


Quero a felicidade perdida, os risos estridentes de então.
Quero ouvir o cauteleiro, de boné, a oferecer a taluda,
mais ao longe, quero um ceguinho com a sua lenga-lenga,
rogando uma moeda, lembrando o milagre da visão;


Quero ver um grupo a jogar à moeda , a pedir “três”.
“Quatro, seis, nove, doze”, a abrir a mão, tanto faz,
entre um copo e uma sardinha na tasca da Maria,
era o dia-a-dia, falando de futebol, trocando os bês pelos vês;


Quero a mercearia do Xico e o livro dos calotes.
Com o seu sorriso à porta, de lápis na orelha, de bata azul,
na prateleira, a pasta medicinal Couto, no balcão o bacalhau,
o açúcar ao quilo, o azeite a retalho, as azeitonas nos potes;


Quero voltar a ouvir o martelar e o brandir da chapa, pelo picheleiro.
O refrão da venda do peixe fresco, pela vendedeira da Figueira,
quero comer uma castanha, embrulhada em jornal, no S. Martinho,
o burburinho na cidade, o maldizer da velha e o seu ar trambiqueiro;


Ó rua do meu amor traz-me à memória tudo o que eu perdi,
diz-me onde errei, voltarei atrás para emendar,
solenemente te prometo rua que, de joelhos, pedirei perdão,
não me deixes nesta angústia, abraça-me, volta para mim.


CARTA CONFESSIONAL

CARTA CONFESSIONAL

QUERO-TE BEM,
MESMO NÃO ESTANDO CONTIGO,
QUERO-TE BEM,
PORQUE AINDA SOU O TEU AMIGO;
QUERO-TE BEM,
PELO BEM QUE ME FIZESTE,
QUERO-TE BEM,
PELAS ALEGRIAS QUE ME DESTE;
QUERO-TE BEM,
PELO TEU RISO LIBERTADOR,
QUERO-TE BEM,
POR TODO O TEU AMOR;
QUERO-TE BEM,
NÃO PRECISAS RECEAR,
QUERO-TE BEM,
NUNCA IREI TE PREJUDICAR;
QUERO-TE BEM,
PELO PRAZER QUE PARTILHÁMOS,
QUERO-TE BEM,
PELOS GEMIDOS QUE GRITÁMOS;
QUERO-TE BEM,
PELOS SONHOS QUE SONHÁMOS,
QUERO-TE BEM,
POR TUDO O QUE REALIZÁMOS;
QUERO-TE BEM,
POR TUDO O QUE NÓS QUISEMOS,
QUERO-TE BEM,
POR TUDO O QUE FIZEMOS;
QUERO-TE BEM,
PELA CHAMA DO TEU CALOR,
QUERO-TE BEM,
PELA ENTREGA TOTAL DO TEU AMOR;
QUERO-TE BEM,
POR RECORDAR AQUELA CANÇÃO,
QUERO-TE BEM,
POR TER SIDO DONO DO TEU CORAÇÃO.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

A VINGANÇA DO CREDOR

A VINGANÇA DO CREDOR
Ontem, quando tomava a “bica” num café da Baixa de Coimbra, de repente entrou um paisano e, como se distribuísse publicidade a um qualquer produto, deixou na minha mesa uma folha, escrita a marcador preto, com a seguinte mensagem: “DIVIDA DA (…nome Firma devedora) AO FORNECEDOR DOS PASTÉIS : TOTAL 5.726.66 EUROS”.
A tomar o café fui pensando nesta nova forma de reivindicar dívidas que, como sabemos não sendo inédita, começa a tomar proporções preocupantes. Todos sabemos que tal método psicológico de forçar o credor a pagar é ilegal, por ser atentatório ao bom nome, quer sendo firma, pessoa colectiva, em nome individual ou pessoa particular. Ainda que assistam razões de sobra ao credor para publicitar a dívida, tantas vezes por laxismo e pouca vergonha do devedor, a verdade é que é nos locais próprios, neste caso o Tribunal, que, após o reconhecimento, se deverá exigir a sua cobrança ou execução.
Mas deixemos, por momentos, de ser cumpridores da legalidade e passemos para o lugar do devedor. O que faríamos no lugar dele? Será que não procederíamos da mesma forma? Provavelmente. Hoje a eficácia do direito…não passa apenas de doutrina. Ora, como sabemos, esta doutrina, ou legislação, só será eficiente se for acompanhada de uma justiça célere, justa e imparcial –embora levando sempre em conta os pressupostos das diferenças existentes entre os litigantes, sem procurar obsessivamente uma utópica igualdade. Hoje, infelizmente, a justiça está para o direito como os discursos dos políticos partidários estão para o povo. Ninguém acredita em nenhum deles. A onde nos irá conduzir esta falta de fé? Provavelmente a uma anarquia que, a curto prazo, explodirá, basta apenas um rastilho.
Nos últimos anos tivemos apenas uma preocupação; criar uma sociedade comercial, em cujos dogmas só ramifica o mercado. Economia de mercado, economia liberal, liberalismo, neoliberalismo. Esquecemos todos que esta obsessiva procura material sem ética levaria, inevitavelmente, a novo sistema de mercado selvagem. Onde a falta de vergonha impera e a arrogância displicente do mais forte leva à ruína do mais fraco.
Estamos perante uma nova forma de imperialismo (estou a citar Walter Mignolo), onde impera a lei do mais forte, onde não há lugares garantidos. Nem a democracia, nem os direitos humanos, nem o marxismo, nem o catolicismo, ou outra qualquer religião (pelo menos do Ocidente) estará a salvo. Esta procura endémica de bens está a levar a democracia para níveis de corrupção jamais calculados e, inevitavelmente, caminharemos para o seu fim. Evidentemente que não existem sociedades ideais, essas redundaram em terríveis tragédias para a humanidade, mas a verdade é que, com este sistema, ninguém estará a salvo, nem o branco, nem o preto, nem o heterossexual, nem o homossexual, ninguém terá lugar garantido neste mundo de muito querer e pouco se obrigar.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

UMA COIMBRA DE OUTROS TEMPOS (1)

(IMAGEM DA WEB)


 Corria o ano da graça de 1966, e tinha acabado de concluir o exame da quarta classe. Estava então com dez anos, prestes a comemorar os onze. Como tinha um tio que era cozinheiro num restaurante em Coimbra, escrevera-lhe a solicitar um emprego. Como os meus pais eram agricultores muito pobres, inevitavelmente, eu precisava de trabalhar, mas também porque tinha absoluta necessidade de me ver livre das lides do campo, que detestava. Já me bastava não ter nem domingos nem feriados de folga, assim como, diariamente, depois de vir da escola, ter de ir cortar dois molhos de erva para os gados, ovelhas, cabras e um boi de terça –a terça era um contrato bilateral -nesta época normalmente implementado na agricultura- estabelecido verbalmente entre duas ou mais pessoas, em que o investidor colocava um animal de grande porte (boi ou vaca) no segundo contraente. Este, usando o animal para trabalhos campestres, comprometia-se a engordá-lo e, mais tarde, aquando da venda, a diferença, o remanescente valor acrescentado, entre o valor inicial e o valor final, seria dividido em três partes iguais. Sendo uma parcela para o investidor, dono do animal, e duas para o segundo contraente que houvera contribuído através da engorda para esse lucro.
Como o meu tio respondera positivamente ao meu pedido, passado uma semana entrava pela primeira vez na grande cidade mítica, a Lusa Atenas do imaginário indígena, a Coimbra dos doutores, cantada em fado, aquém e além-mar. Mas também, diga-se, à custa da sua Académica, com os seus grandes jogadores, como Rui Rodrigues, Curado, Rocha, Belo, Néné (que viria a morrer num acidente de automóvel) e tantos outros que, pelo seu elevado talento de equipa, treinados por Mário Wilson, faziam frente ao grande Benfica, do pantera negra, ainda mais notabilizado pelo campeonato europeu. Eram célebres os derbies entre estes dois grandes clubes nacionais.
De saco de pano na mão, lembro-me de ter chegado, na companhia do meu tio, à Praça 8 de Maio e ter ficado extasiado com todo aquele movimento de pessoas junto á Igreja de Santa Cruz, mesmo apesar de ser Agosto, mês de canícula e deslocação a banhos, dos mais endinheirados, para Figueira da Foz. Os velhos eléctricos amarelos, atravessando o canal (Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz), com o seu característico barulho ronceiro, provocado pelo atrito do ferro a arrastar no ferro, andavam permanentemente cheios. Na parte de trás, no gancho de engate, era comum ver vários putos pendurados, tentando não pagar bilhete, para desespero do “pica”, o cobrador de bilhetes. Esta praça, mais parecendo um delta confluente de vários rios, como um entreposto comercial do oriente, o barulho era ensurdecedor. Era o cauteleiro, no seu pregão, tentando desencadear a ambição: “Sábado anda a roda… é a última… é a última. Quem quer estes quinhentos contos?”. Mesmo ao lado, dois ardinas com as suas sacas de ganga azul cheia de jornais, um deles matulão, gritavam: “é o Primeiro de Janeiro… traz as últimas”. Junto a estes um garoto, sensivelmente da minha idade, descalço e com as calças remendadas pelo meio das pernas, mostrava a resistência daquele vestuário à sua idade sempre em crescendo. Era notório que enquanto ele foi subindo na altura, as calças foram minguando e, assim, foram transitando de um ano para os outros. O puto gritava a plenos pulmões, com a sua voz de cana rachada: “é o "Calinas"… compre o "Calinas"… é o jornal dos doutores”. Ali à volta, ouvia-se uma mistura indescritível de vozes desafinadas e pregões bem estudados, era a peixeira, era a vendedeira de hortaliças, com a sua canastra à cabeça. Em frente da igreja, uma fila de táxis esperava pelos clientes e um taxista mais afoito, encostado ao seu carro verde e preto, escutava com atenção o “vendedor de banha da cobra”, e ia vendo com admiração as dezenas de pessoas que se iam juntando em torno do promitente milagroso de pomadas e elixires: "comprem a pomada que cura tudo. É para o pai e para o catraio. Cura reumatismo, artroses e bicos de papagaio”.
No canto esquerdo, junto à farmácia Universal, uma cigana, na sua lengalenga, pegava na mão de uma mulher de meia-idade e passava-lhe com a voz embargada e em corrupio, numa mistura de português "arromenado", de que a senhora sofria de amores aziagos, maus-olhados e mal de inveja. No lado contrário, os irmãos Secos não tinham mãos a medir a venderem tabacos e café moído ao quilo. No café Santa Cruz, nessa altura restaurante, um empregado, bem aprumado à paquete, de casaco branco vestido , ia espalhando as toalhas e os guardanapos de tecido imaculado para servir os almoços que a hora do repasto aproximava-se a passos largos.
Chegámos então à Praça da República, ao Café Mandarim. Este café-restaurante, apesar de estar aberto ainda há poucos anos, depressa se transformou numa espécie de catedral da tolerância, imposta tacitamente, em que conviviam tanto o trostskista-anarco-convicto, como o comunista que lia o jornal República, do Raul Rego, como o fascista, orgulhoso defensor do regime vigente, como o estudante revolucionário, que “à surrelfa” espalhava comunicados anónimos a anunciar uma reunião política. E a vigiar todos estes, e sempre alerta, vários agentes da Pide -a sede estava situada então, um pouco mais acima, na Rua Antero de Quental.
Não se sabia exactamente quem vigiava quem. O que se sabia, isso sim, é que todos conviviam serenamente, embora vigilantes, como se estivessem num bar, em Istambul, no tempo da Guerra Fria, em que, presumivelmente, estariam agentes da MOSSAD, do MI-5, do KGB e ainda agentes secretos da STASSI.
O ambiente deste café era indescritível. Era um borbulhar constante efervescente de pessoas a entrarem e a saírem. Era famoso o seu "bitoque" -o célebre combinado número 5- e o bife à Mandarim. Por lá passaram muitos dos actuais políticos e talvez a fina flor da sociedade portuguesa da época que vinham estudar para a Universidade de Coimbra
Curioso, também, o orgulho garboso assumido pelos empregados em trabalharem numa casa de tão alto gabarito e tão identitária da classe estudantil. Notava-se na sua forma de estar, na pose e no porte. Quem passou por lá lembra-se, certamente, no balcão de bar, do Hugo (já falecido), do Fernando, do Joaquim Pardal, com ar de “gentleman”, cabelo preto penteado para trás; dos empregados de mesa, o Abreu, o Manaia e o saudoso Talina (já falecido), que carinhosamente me tratava por batatinha; no balcão da pastelaria, mesmo à entrada, o Mendes, o Fernando, e o Tarrafa que eu fora substituir.
Depois de um ano a trabalhar na cozinha, fui então para o balcão da pastelaria, para andar aos recados e levar os lanches –o galão e a torrada- onde fosse solicitado, aos consultórios médicos, a casas particulares e até ao edifício da PIDE cheguei a ir várias vezes.
A mensalidade que fui auferir foram 250$00 de ordenado fixo, que ia inteirinho para o meu pai. Como estava em casa de uma tia não pagava alojamento. Lembro-me, nesta altura, de um acontecimento marcante: a primeira vez que fui a uma casa de banho. A minha tia, junto a mim, recomendou-me para eu fazer "xixi", como eu nunca tinha visto nem um bidé nem uma sanita, olhei para os dois e, mentalmente, comecei a balançar entre se seria num ou noutro, até que fiz no bidé.
Para além disso tinha as gorjetas, auferidas no transporte dos lanches e nos trocos remanescentes do tabaco –um Português Suave sem filtro custava 4$20- que iam direitinhos para a compra de roupa usada, que era lavada de noite para tornar a vestir no dia seguinte. Os sapatos, do mais barato que havia -custavam cerca de 80$00-, da marca “Campeão Português”, em que aparecia o Óscar Acúrcio, na televisão, a dar dois saltinhos, andavam nos pés até ficarem completamente com as solas rotas. Lembro-me, que o meu maior sonho, na altura, era ter umas calças de ganga LOIS, uma camiseta LACOSTE, e uns sapatos de luva. Porém, havia um senão. Cada uma destas peças custava à volta de 250$00. Ou seja, eu estava tão longe de ter um destes ícones da moda, como quase ir à lua. Um dia, eu mandara pôr meias solas nuns dos tais sapatos baratuchos no senhor “Chico”, sapateiro, à entrada da Rua Tenente Valadim. O tempo foi passando e o profissional de calçado nunca mais me entregava as alpercatas. Passados cerca de dois meses, fui então à sua oficina perguntar pelos sapatos. O homem, meio atarantado, esquecera o meu calçado. Então, vira-se para mim e diz: "engraçado, não me lembro dos teus sapatos. Vê aqui se os reconheces”. Em frente a mim estava uma longa prateleira com todos, todos, os sapatos já prontos. Adivinham quais os sapatos que escolhi? Pois claro… uns de luva, é óbvio. Mas havia um pequeno senão, ao calçá-los, estavam apertadíssimos. Mesmo assim não foi por isso que não caminhei orgulhosamente com eles. Durante meses foram o meu sonho tornado realidade.
No pequeno balcão da pastelaria o senhor Mendes era o chefe supremo daquele pequeno principado. Fazia tudo para me ensinar, a cuidar dos pasteis, a expor as caixas de bombons, como só ele sabia fazer e, sobretudo o trato com os clientes, essa era a sua principal preocupação. “não te esqueças, sempre que vejas um senhor de capa e batina ou vestido de fato e gravata, diriges-lhe, obrigatoriamente, sempre com trato especial: "faz favor de dizer, senhor doutor?”.
E assim fazia. Até que um dia, um homem bem posto e todo "apessoado", de fato e gravata, chegou ao balcão, e eu, naturalmente: faz favor de dizer, senhor doutor?...”ó rapaz… estás a gozar comigo, ó quê? Eu sou o motorista do doutor Pais Ribeiro! Não me chames nomes… ouviste? –reclamou irritado e aos berros o homem da gravata.
Poucas pessoas se lembram mas, nesta altura, para usar isqueiro era preciso licença. Então essa limitação tornava aquilo, que para nós hoje é “lana caprina”, num objecto de desejo, quase impossível de descrever. Passava a vida a rogar ao doutor e ao "futrica" um isqueirinho por favor.
Outro caso curioso e digno de ser estudado pela antropologia e sociologia: o senhor Antunes, homem de cerca de sessenta anos, o proprietário do Mandarim, era uma pessoa respeitada e aceite por toda a gente. Homem bom, acessível e sempre pronto a trocar um cheque pré-datado ou mesmo a emprestar dinheiro a qualquer estudante menos endinheirado. Mas tinha um gosto especial, quase escandaloso para a época -não fora a sua importância estatutária na sociedade conimbricence e poderia ter sido o cabo dos trabalhos. O senhor Antunes era casado e com mulher… até aqui tudo bem e normal. O que vem a seguir é que já não é: este empresário de hotelaria tinha duas amantes com pelo menos vinte anos menos cada uma em relação às suas seis décadas. Uma vivia na Rua das Flores e outra na Rua Corpo de Deus. O mais curioso, constava-se, é que ambas sabiam da existência de uma e outra. Como faria ele para “assistir” três mulheres? Nunca se saberá, mas posso afirmar que, individualmente, as tratava com muito carinho. Eu assisti algumas vezes a essas efusões de amor, certamente, ou pelo menos, uma terna protecção.
E como já vai muito longa esta crónica e, acredito, que poucos chegaram até aqui, vou interromper. Voltarei ao tema com toda a certeza, um dia destes.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

RELEMBRAR A MEMÓRIA PELOS SENTIDOS

Nasci numa pequena aldeia próximo do Luso. Esta vila fica situada no sopé da serra do Buçaco. Como todos sabemos, ou pelo menos quem conhece, é uma terra encantada pela profusão de nascentes naturais de águas límpidas e cristalinas, medicinais e de mesa, que brotando das profundezas da terra, mostram a generosidade com que a natureza presenteou este lugar idílico e de sonho.
A aldeia de que vou falar, e em que nasci, é atravessada pela linha da Beira alta, por uma longa ponte de ferro, que é um ex-libris do génio humano, do grande arquitecto Gustave Eiffel. È uma das poucas pontes construídas em Portugal e saídas do engenho criativo do grande construtor da Torre Eiffel, em Paris. Este paradisíaco lugarejo, erguido há séculos num vale que, certamente, na era glaciar, há milénios fora um rio, é circundado, quer por um lado quer por outro, por altas cercanias. As suas terras, como enclave, protegidas dos ventos, férteis para agriculturar, foi durante décadas o sustento dos seus autóctones. Era do amanho da terra negra, acompanhadas por um pequeno rio, que se alimentavam as cerca de, aproximadamente, seis dezenas de pessoas, no ano em que nasci, em 1956.
Nesse tempo, era uma aldeia como tantas outras, que podia ser o postal ilustrado do Portugal esconso, atrasado e rústico, não fora algumas diferenças que a tornavam diferente, quer na afabilidade das suas gentes, quer num facto que, hoje, considero curioso: a aldeia, apesar de diminuta e de pouco poder económico, tinha na sua rua principal duas mercearias e tabernas. A primeira era a do senhor Vieira, bom homem, mas um pouco reservado e austero. A segunda mesmo ao cabo da rua, junto ao largo da capela, era a mercearia e taberna do “ti Manel” sapateiro. Trato-o assim, de forma carinhosa, porque, além de ser assim conhecido na época, era um pequeno homem na estatura, mas enorme na simpatia, tanto ele como a esposa, a “ti” Maria do Céu, que normalmente estava à frente do negócio de copos e mercearia. “Ti Manel” era sapateiro a meio da rua, era nesta arte ancestral, de manufactura de calçado, que ocupava os seus dias e, em complemento com o pequeno estabelecimento de mercearia, juntamente com os proveitos da terra cultivada, tudo junto perfazia os seus parcos rendimentos, permitindo-lhe viver modestamente. Falei neste afável casal porque, curiosamente, consigo recordar, como se fosse hoje, o ar cândido, pessoa boa, de coração aberto, da “Ti” Maria do Céu que, quando me via, dava-me sempre um rebuçado. Como tinha que passar, inevitavelmente, à frente da oficina do marido, do “ti Manel”, recordo, deste, o seu largo sorriso, sempre que me via, com a sua voz palheta, mais para o agudo, parecendo envolver-me em abraços com as suas frases revigorantes e cheias de sentido anímico.
Quando eu fizera três anos, na procura de uma vida melhor, os meus pais abandonaram Várzeas e fomos viver mais para norte, para uma aldeia a cerca de meia-dúzia de quilómetros. Então, como era tão acarinhado por toda a gente desta pequena aldeola, era para mim um gosto de indescritível prazer, sempre, que lá voltava a visitar a minha avó, o meu avô, ou os meus tios. Teria eu cerca de quatro anos quando morreu a minha avó Madalena. Apesar da minha tenra idade consigo, ainda hoje, visualizar a sua imagem e a sua cara ternurenta. Baixa, anafada, de avental, sempre de avental e o seu inesquecível rosto sofrido mas imensamente sereno.
O meu avô, ainda que tivesse morrido já eu com, mais ou menos, sete anos, curiosamente, não consigo relembrar os traços do seu rosto. No entanto, pasme-se, é pelo olfacto que chego à sua memória. Ele vivia num rés-do-chão, na rua principal da aldeia e tinha por costume espalhar serradura no chão. Hoje, seja onde for, numa serração ou outro qualquer lugar onde haja serradura…lembro-me do meu avô Crispim.
Dos meus tios, já desaparecidos, lembro dois, o “Manel” e o Albertino. Este, com o seu ar simples, transpirando sobriedade, seriedade e serenidade, certamente teria herdado os genes da mãe Madalena e, ao longo da vida, nunca teria enganado ninguém. Mesmo que alguma vez quisesse, tenho a certeza de que não o conseguiria, os seus traços de genuíno homem bom tê-lo-iam traído e não teria conseguido passar a perna a ninguém. O normal era ele, dentro da sua encantadora ingenuidade, ser facilmente passado na cantilena de um qualquer burlão barato.
O meu tio “Manel” foi, de todos, para mim o “must”, o meu modelo recalcado de uma memória que nunca esquecerei, o paradigma da saudade. Difícil de descrever este sentimento, mas recordá-lo é, como, quando necessitamos de acalmia espiritual e imaginamos um vale, coberto de erva verde e um riacho de águas límpidas a correr. Assim recordo este meu tio, sentado no adro da capela, com o seu sorriso fácil, entre a matreirice e a conveniência, certamente hereditário de seu pai. O seu sorriso era como a sua alma materializada no seu rosto. Era tão normal tê-lo impregnado na sua cara que, para mim, era impossível dissociá-los, como se, ao nascer, em vez de chorar, trouxesse estampado no rosto aquele sorriso fantástico. Mentia, ou teatralizava, com uma facilidade de fazer inveja ao melhor actor do nosso Teatro Nacional D. Maria II. Quem não o conhecesse jamais diria que ele fantasiava. Não sei se era a fantasia que, duma forma natural, se lhe colava, se era ele, duma forma fascinante, como num sonho de menino, vivia intensamente autênticas megalomanias, como se estivesse lá e fosse mesmo o personagem principal, apesar de saber que tudo aquilo que descrevia, com uma convicção inexcedível e ao pormenor, era falso.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

SÓ QUEREMOS O QUE NÃO TEMOS

SÓ QUEREMOS O QUE NÃO TEMOS
Eu vi uma mulher chorando,
de mãos erguidas para o ar,
perguntei-lhe o que pedia,
porque estava ela rezando;
Respondeu-me a soluçar,
só pouca sorte merecia,
que nem mesmo muito orando,
Deus teimava em não ligar;
Sendo tão linda e tão bela,
porquê tanta tristeza,
“Quero um filho, tenho de o conceber",
um rebento dela e só para ela;
que lhe desse uma certeza,
de que valia a pena viver,
queria abrir uma janela,
fustigar o vento, na sua leveza,
germinar o fruto, um dia, quando morrer;
“Eu tenho dois e dava-lhos sem preço”,
respondi com raiva e apatia,
como pode alguém lamentar a sorte de não os ter,
“tê-los foi, um preço a pagar, todo o infortúnio que mereço,
como vê o azar de uns, é a sorte de outros, em qualquer dia”;
Começam por ser a ponte que une as margens do dissenso,
depois o choro, o começar a andar, o falar e dizer papá,
crescem, tornam-se ditadores, fazem birras, começa a divisão,
aos poucos, nasce um clima espartilhado, vai-se o consenso,
pai e mãe, cada um a puxar para si, é o princípio do deslizar; a separação.

domingo, 10 de junho de 2007

A QUEDA DO MURO DA INDIFERENÇA

A QUEDA DO MURO DA INDIFERENÇA
Não sei se já alguém pensou nisto mas, para mim, os hospitais são uma espécie de “terra de ninguém”, aquela extensão indefinida que medeia os contendores de uma batalha. Neste caso, estas casas da doença, são a fronteira que divide a vida e a morte. Aqui, neste espaço, inimigos assumidos de várias décadas, ou simplesmente de opção discriminativa, entreajudam-se, dão abraços, largam sorrisos e dão as mãos.
O meu tio, quase com oito décadas, sempre vendeu saúde. Nunca conheceu a doença. Homem dividido ente a cidade e o campo, é neste que a sua alma vagueia livremente por entre silvados e penedos. Desde sempre, que se conhece, se lembra de beber o seu copinho de vinho, isto é, normalmente só recorda o primeiro, os outros, de fila indiana, lá seguem o primeiro. Ou seja, seguiam, agora está internado no hospital, provavelmente, com uma cirrose hepática. Está mal, muito mal mesmo. Posso afirmá-lo, sem peias, infelizmente, já vi este filme num cinema muito perto de mim, cujos actores, já desaparecidos, eram, também, gente ligada a mim por laços de sangue.
O meu tio está internado numa enfermaria onde, também doentes, estão, um preto, um cigano, e um ancião que permanece de boca aberta e os únicos movimentos perceptíveis notados são um “roncar” permanente, de quando em vez entrecortado por um estertor que faz tremer a cama toda e mostra que ainda vive. É evidente, pelo quadro, nota-se que espera a chegada da sua hora, como sói dizer-se. Curioso, como exceptuando, o ancião, todos falam entre si sem qualquer espécie de restrição cultural. Ali, naquele pequeno espaço, as diferenças são diluídas e esfumam-se como o nevoeiro perante os raios solares. Todos gemem, todos apertam a barriga na mesma expressão de dor. Reparei que são todos já entradotes nos “entas”. Esta enfermaria, que poderia perfeitamente ser uma antecâmara da morte, é, no entanto, pela cordialidade, pela amizade, pelo respeito pela dor do outro, uma lição de vida. Todos sabem o que os espera, apesar disso, parecem menos preocupados que os familiares. Mesmo quando eu, numa mentira complacente, refiro que serão mais uns dias e depois retornarão a casa, qualquer deles, olhando-me bem no fundo dos meus olhos, fazem-me notar que vale mais estar calado. E eu, meio embasbacado, vou tentando dizer algo com graça que, por mais esforço que faça…não colhe graça.
A filha do meu tio, num chorar copioso, acusa os enfermeiros e médicos do seu descarado laxismo. O marido, entre o abrupto e a incompreensão, admoesta-a e faz-lhe notar que assim não vai lá, o melhor é ser simpático, sempre colhe mais. A neta e o marido optam por uma posição intermédia, não culpam, antes pelo contrário, é o fim de vida e quanto a isso…paciência.
A minha tia não pára de chorar e, em frases entrecortadas, interroga sem fim: “O que vai ser de mim? Antes fosse eu primeiro…porque não me leva Deus a mim…?”
No outro canto, o negro e o cigano, reparei que, juntamente com os familiares, todos riem como bandeiras desfraldadas ao vento, como se ali houvesse uma festa, e todos estivessem a comemorar o pouco que lhes restará de vida.
Naquela enfermaria, muitas lições devida retirei, mas o melhor estava para vir, para me demonstrar que ali, homens e mulheres, independentemente dos seus credos, cores, ou classes, todos sentem o pulsar da vida como o factor mais importante da existência e mesmo os seus ódios de estimação caem por terra, rendidos ao valor da luz do universo.
Naquela enfermaria, a visitar o meu tio doente, eu tinha duas tias. Uma, esposa do internado e uma outra, irmã do meu tio. Ambas cultivavam, uma pela outra, um ódio visceral há mais de vinte e cinco anos. Sem que nada o fizesse prever, ambas se abraçaram e, chorando copiosamente, pediram perdão pela falta de tantos anos.
No ruir daquele muro da indiferença, tive a certeza de que ainda há esperança para tantos ódios que atravessam a humanidade, apenas faltará o clique e, nesse momento, tal como ali, eles ruirão para bem deles e de todos nós.

OLHAR O CÉU E NÃO VER

OLHAR O CÉU E NÃO VER
Olhei para cima não vi Deus,
Depois de me teres mandado olhar,
Vi-me nas nuvens, a cavalo, a andar, andar,
num movimento, de tropel, ouvi sons que eram meus
alguém gritava, alguém chorava; os gritos eram teus e meus;
Olho para trás, revejo o passado, lembro, estou a ver,
Depois de me teres aconselhado,
Vejo um filme, mudo, a correr, sempre a correr,
Rio-me do personagem mostrado,
Do ridículo, do seu contorcionismo, sabendo que vai morrer;
Olho para a frente e vejo pouca vida,
Depois de me teres apontado o horizonte,
Vejo um caminho espinhoso, frio e um árido monte,
Quero caminhar, sem medo, e chamar alguém de “querida”,
Quero atravessar o rio, sem recear os rápidos, por cima da ponte;
Olho para o visor do telefone, leio o que está escrito,
Depois de me teres mandado um toque,
Fico a saber de uma mensagem, escrita, sem muito ardor,
Como fumo sem fogo, é uma mentira, um engano sem amor,
Como o sol a bater no gelo, dá reflexos, mas sem enfoque,
É a recordação dum tempo que passou e sofre agora em estertor,
Como se da memória fosse possível extravasar o atrito,
Provocado pelas fissuras das diferença entre o frio e o calor.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

AS PALAVRAS QUE, NO SILÊNCIO, NUNCA PROFERIREI






 O que nos aconteceu? Porque, estando juntos, nos afastámos a ponto de nem nos falarmos? Até “os bons dias” saem, em sussurro, como se esforçados, tirados a ferros do fundo de nós? Porque nem nos olhamos? Nem vês a minha camisola nova. Nem reparas que estou mais pálido e magro. Eu olho para ti, apenas de perfil, ou então quando caminho atrás de ti, nunca de frente, como, se ao fazê-lo, evitando fitar-te e entrar dentro dos teus olhos, pensasse que ficaria fragilizado e, assim, essa minha vulnerabilidade fosse aproveitada por ti e, nesse caso, deixaria de poder usufruir do meu pedestal construído nos confins do meu orgulho, ao qual já me habituei, como se ele fosse a minha defesa, o meu escudo e, desse altar imaginário, pudesse continuar a justificar o silêncio que, como barreira intransponível, se instalou entre nós. Um silêncio que fere mais do que uma filarmónica, com os seus metais agudos a ribombar junto aos nossos ouvidos.
O que aconteceu aos nossos carinhos, àqueles toques no teu cabelo, no teu rosto, que eu afagava e beijava sofregamente, do mesmo modo, igual, há três dezenas de anos atrás?
O que mudou para deixarmos desaparecer aquele desejo animal, que nos fazia rolar no chão, na cama, no sofá, em cima da mesa da sala? Porque parecemos, hoje, duas pessoas que mal se conhecem e tudo fazem para evitar “encontrar-se”, quando, outrora, foram amantes inseparáveis e cada um era como o verso e o reverso, a metade complementar do outro? O que fez separar dois siameses e os transformou em dois estranhos (des)conhecidos que nada têm em comum, a não ser os filhos e as recordações que irão encher, de nada, uma mala vazia? Que nos irão marcar, como fantasmas presentes, no resto das nossas vidas? Aquela foto, aquele objecto, naquele lugar onde estivemos um dia? Aquele mar, nosso confidente, aquelas areias que, juntos, pisámos e que um dia, nelas, te escrevi um poema de amor que uma onda mais afoita apagou, como se, esse acto presciente, adivinhasse que, um dia, todo o nosso amor, também, assim, se esfumaria no ar, como bruma nublosa, numa manhã primaveril, varrido pelo sol, insensível aos gemidos e lamentos dum poeta por ter perdido a sua fonte inspiradora.
O que aconteceu àquelas juras de amor eterno e planos para envelhecermos juntos? E, lembras-te?, quando víamos um casal de velhotes abraçados e neles, como projecção futura, nos repercutíamos e antevíamos trôpegos, surdos e balhelhas, de bengala, amparados um ao outro, como paradigma dum enleio e deleite dos nossos netos.
O que aconteceu àquelas mensagens de amor, em verso, e às rosas vermelhas, como sangue correndo em direcção ao coração? Quem morreu? Foram as rosas ou foi o coração?

quarta-feira, 6 de junho de 2007

BALADA DA ETERNA SOFREDORA

Se eu te pudesse fazer uma canção,
mostrar todo o meu lado emergente,
abria, de par em par, o coração,
verias que o meu sofrer é pungente;
Porque teimas em ficar e me usar,
sabendo que corro, se preciso for,
sou, p'ra ti, o antidepressivo, o teu bem-estar,
sou aquele que colmata a tua dor;
Ai coração,
sofres em silêncio,
preso nas masmorras da tua dor,
olhas para o cèu, em contemplação,
esperas o messias, o teu salvador;
O que esperas de tantos anos a sofrer,
talvez um milagre qualquer dia ocorra,
pode ser que um santo o possa fazer,
ainda antes que um ou outro morra;
A tua vida é chorar pelos cantos,
cada lágrima é um muro de lamentar,
dia-a-dia constróis um oceano de prantos,
inventando uma saida para não ficar;
Tu vives amarrada à esperança,
que um dia ele possa voltar,
sabes que tens a sua herança,
saída do teu ventre a estrebuchar

SE EU FOSSE UMA FLOR

Se um dia eu fosse flor,
margarida, certamente, eu seria,
o perfume, a beleza, aquele amor,
aquela calma, um universo de alegria;
Eu queria ser como tu e te encontrar,
num qualquer campo, de qualquer geito,
encostar o meu corpo ao teu e te abraçar,
sentir teu coração, descompassadamente, a bater no peito,
como se o teu bater, junto com o meu, pudessem formar,
um relógio metafísico, uma qualquer hora, eu aceito,
essa transcendência, essa força sem horário, esse mar,
eu gostava de estar contigo, só como amigo, sem pensar em leito,
tu és a minha flor silvestre, a minha fantasia, o amor...sem amar,
és o big-bang da criação do mundo, geras o conflito, és o meu pleito,
gosto de ti margarida, do teu sorriso, da tua amizade, do teu encantar.

2- A BAIXA DE COIMBRA: QUE FUTURO?




  Decorreu uma sessão de câmara, no dia 5 de Junho, sobre o tema “A Baixa de Coimbra: que futuro? Estratégias de Revitalização Comercial”. Como já vai sendo, infelizmente, hábito, em vez de começar às 21 horas, como anunciado, começou às 21,30, o que levou um comerciante a chamar a atenção para o facto, já considerado vício da nossa cidade: os tais abjectos 15 minutos de tolerância académica, neste caso 30 minutos.
Naturalmente com abertura solene pelo presidente da Câmara Municipal, Carlos Encarnação e depois seguida pela explanação do “Projecto Urbe Viva”, pelo eng.º Sidónio Simões, director do Gabinete para o Centro Histórico. A seguir foi a apresentação do estudo efectuado, no âmbito do citado projecto, tendo em conta as assimetrias verificadas, sobre vários tópicos, entre a Baixa (zona histórica) e a Solum (zona emergente), pelo Professor Henrique Albergaria, do Instituto de Estudos Regionais e Urbanos.
Após esta apresentação, seguiu-se a apresentação da Agência de Promoção da Baixa de Coimbra (APBC), por Raul Marques, director desta entidade. Seguidamente, foi apresentada a perspectiva institucional da ACIC e seguiu-se então o debate que, contrariando todas as expectativas, foi acalorado e sem ser coarctado o direito expresso e legítimo de falar a ninguém. Sem moderador, esta posição foi assumida, e muito bem, por Carlos Encarnação.
Vamos então explicar em que consiste o projecto "Urbe Viva". Este plano é financiado pela comunidade Europeia, que tem por temática de estudo a revitalização de áreas económicas centrais, concretamente o seu comércio tradicional. São parceiros deste projecto outras cidades comunitárias, como Bolonha, Veneza, Pádua, Patras e Santa cruz de Tenerife.
Segundo um bloco explicativo, distribuído no Salão nobre da Câmara Municipal, o objectivo do “Urbe Viva” é a troca de boas práticas e experiências entre estas cidades e no que diz respeito à revitalização das suas zonas urbanas centrais, tendo com fim último a produção de um manual de boas práticas que possa servir de orientação nesse sentido.
A origem deste projecto surgiu da necessidade de fazer face a um problema que confronta, hoje em dia, várias regiões da Europa e que está fortemente relacionado com um conjunto de factores económicos e sociais. Trata-se da perda de atractividade das áreas urbanas centrais, que no caso da Baixa de Coimbra, se manifesta de forma muito real. Este fenómeno, também relacionado com difusão crescente de centros comerciais em zonas menos centrais, torna-se, assim, causa e consequência do risco de abandono do centro da cidade.
Perante este cenário, ainda segundo o folheto explicativo, o projecto "Urbe Viva" parte da ideia de que as políticas públicas para combater o declínio dos centros urbanos têm de ser planeadas e promovidas por um organismo único de coordenação resultante de uma forte parceria público-privada.
Os objectivos específicos deste projecto são:


a)-divulgar e incentivar nas cidades parceiras uma estratégia de gestão para uma
eficaz requalificação das áreas urbanas centrais;


b)-promover a criação de parcerias público-privadas coesas e formas de planeamento
urbano negociadas e participadas;


c)-Encorajar os parceiros a desenvolver políticas e acções coerentes com o quadro
estratégico elaborado, definidas em conjunto pelos diferentes agentes urbanos
envolvidos e com a intenção de regenerar as áreas urbanas centrais e, ao mesmo
tempo, aumentar as oportunidades de emprego, explorando o património histórico da
cidade;


d)-Promover a cultura da avaliação prévia e à posteriori das políticas públicas e do
instrumentos do desenvolvimento urbano;


Passaremos então ao desenvolvimento do acalorado debate, onde os cerca de duas dezenas de comerciantes e alguns, poucos, industriais de hotelaria expuseram livremente o que pensavam e conforme as suas necessidades que encontravam no relacionamento com a autarquia. Carlos encarnação esteve no seu melhor. Enfiando a máscara da humildade, que tão bem sabe usar, sobretudo, quando fita a assistência, olhos-nos-olhos e, com a maior candura do mundo, exclama: “os senhores conhecem-me, sabem que eu faço o que posso, eu conheço e vivo na Baixa…só que não tenho uma varinha mágica”. A todos foi dando algumas respostas, em forma de refutação, e a outros prometeu interessar-se pela resolução dos seus problemas.
O “Qui pro Quo” aconteceu quando um comerciante -passando a imodéstia por me citar, eu- o sujeitou a vários casos concretos, decretados pela câmara, que vão no sentido contrário da revitalização do comércio e da zona habitacional. Carlos Encarnação negou alguns e interpelou o comerciante tentando saber onde fora ele buscar tais informações (falsas, segundo o presidente Encarnação). O comerciante afirmou, peremptoriamente, que podia provar tais afirmações: elas foram recolhidas nos jornais da cidade e no jornal Público.
Então afirmou Carlos Encarnação: “ó meu amigo, não se pode acreditar em tudo o que os jornais escrevem. Cada um de nós tem de fazer a triagem da verdade”.
Insiste o comerciante: “pelo silogismo, quer dizer o senhor presidente que os jornais não serão credíveis. Não deveria a autarquia rectificar essas noticias carregadas de inverdades e, diria até, maledicentes?”
-Ó meu amigo, se eu andasse sempre a desmentir o que os jornais publicam, não faria absolutamente mais nada –respondeu  o presidente da autarquia de Coimbra.