quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

BARRÔ: ENSAIO PARA QUE A FESTA DE ANO NÃO ACABE (3)

 



Nos últimos três dias, numa espécie de rosário (terço), trazendo à discussão a festa de ano em Barrô, fui desfolhando as contas. Ainda que possa parecer provocatório, a intenção é, trazendo o assunto à liça, tentar perceber o que se passa, dando ideias, e, pelos interessados, fazer reflectir para o futuro.

Bem sei que, alguns, estarão a pensar: “olha p’ra ele armado em esperto. Se sabe tanto, que faça ele!

Como ressalva, pelo que vou escrever a seguir, mais uma vez peço desculpa se alguém se sentir ofendido.

Levando à letra o pensamento que me levou a redigir esta série de textos, a solução para elevar esta terra no espectro concelhio não reside num homem só, mas sim num grupo de moradores dispostos a largar a sua área de conforto e que esteja disposto a romper com a inércia, a preguiça da inactividade. Sobretudo, despender algum do seu tempo em nome de um projecto social sem fins lucrativos que, destinado a um colectivo amorfo e silencioso, pode falhar e implicar o endividamento dos envolvidos.

Apesar de habitar, de facto, há cerca de quatro anos, já deu para ver que, na generalidade, os moradores na aldeia são pouco solidários uns com os outros.

Numa catarse mal tratada, muitos permanecem em conflito consigo mesmos desde que nasceram e procuram na religião a abstracção que lhes traga a redenção.

Numa espécie de capa comunitária de mentira, todos se dão bem. Mas isso é apenas o que parece. No fundo, bem no fundo, dissimulado nas entranhas, há um ódiozinho de estimação a minar as relações de fraternidade.

Voltando a ideias que possam dar resistência e manter a festa de ano de pé, vou elencar algumas “deixas”:


1 -Anualmente, deveriam ser nomeadas duas comissões de mordomos:


A sacro, que seria responsável unicamente pela realização das homilia e procissão solene.

Este grupo, constituído por três residentes, embora independente, ficaria ligado à Comissão de Capela. Com uma conta bancária associada mas autónoma, este movimento de entradas e saídas de dinheiro, embora sobre consulta por parte da comissão de capela, apenas seria movimentado por dois elementos nomeados para gerir a festa do ano em curso.

Em caso de contas positivas, sempre tornadas públicas sejam negativas ou positivas, o remanescente deveria ser depositado num fundo de reserva transitando de um ano para o seguinte e servir de almofada a quem vier de novo.

A este grupo de três pessoas, mais que certo senhoras, durante o ano de vigência mordoma, cabe-lhe tomar várias iniciativas, na aldeia e fora dela, de modo a conseguir verbas que lhe permita fazer melhor do que o ano anterior – mais abaixo enumero uma série de actividades que podem ser aplicadas, isto para além do peditório directo ao povo;


2 A profana, constituída por três pessoas essencialmente homens, seria a comissão nomeada anualmente para realizar as festividades alegóricas, tais como, arruada com gaiteiros, contratação de grupos de baile e outras iniciativas artísticas.

Embora independente, este grupo ficaria ligado à Associação Recreativa - tenho esperança que, mais dia menos dia, acorde do seu longo sono letárgico -, com uma conta bancária independente do clube. Esta conta seria movimentada por dois dos três mordomos nomeados. Em caso de resultados positivos, o remanescente transitaria para um fundo de reserva, para servir de almofada para os anos seguintes.

A Associação Recreativa, sem força executiva nos planos de mordemia, serviria como incubadora, parte consultora e comparte na ajuda à realização dos eventos;


3 – Iniciativas para angariar fundos ao longo do ano (que podem servir para as duas comissões Sacra e Profana):


Janeiro – percorrer as casas com o cantar das Janeiras (5, 6 e 7 de Janeiro), pedindo dinheiro ou géneros. Esta alegoria seria para usar na festa a seguir, passados uns dias.

- Pedir nos estabelecimentos comerciais, no concelho, géneros variados.

- Os géneros, garrafas de vinhos, licores, chouriças, salpicão, presunto, broa, roupas, artigos de bricolage, outros, seriam leiloados no Sábado ou Domingo do Dia da Festa, a ocorrer em 20 de Janeiro, no Largo da Capela.

- Alguns destes géneros, assim como outros angariados, seriam canalizados para uma quermesse com rifas enroladas junto à capela e outra dentro do salão recreativo.

- Sendo este o dia das festividades, recuperar a moda do Ramo, a dança da flor nos arraiais.

- Venda de garrafas, ou outros, em leilão nos intervalos musicais.

- Concurso para os melhores pares dançantes.

-Realizar, neste dia, uma Feira de Velharias no Largo Assis Leão.


Fevereiro – Feitura de vários livros, com senhas numeradas, com três prémios a sortear no dia da festa.


Março – Primeiro peditório porta-a-porta na povoação. Possibilidade de angariar fundos em outros lugares da freguesia.

(usar o Dia de Páscoa como instrumento para captar fundos)


Abril – Primeiro grande almoço a realizar na Associação Recreativa de Barrô para angariação de fundos.


Junho – (re)criar os populares “cravanços”, constituídos por duas pequenas fitas cruzadas e um alfinete.

Começar a cravar os populares com uma moeda, fora e dentro do lugar.


Julho – Realizar o segundo almoço na Associação Recreativa de Barrô, para angariar fundos.


Setembro – Realizar um almoço no Pavilhão de Várzeas para angariar fundos – em troca, Várzeas usaria o salão de Barrô em Novembro, aquando das festas locais.


Novembro – Num Domingo, realizar uma matiné na Associação Recreativa de Barrô com um grupo musical, por exemplo, um organista e outro.

Convidar, por exemplo, o Ruizinho de Penacova para actuar em Barrô.


Dezembro – Usar o presépio de Natal, no Largo da Capela, como incentivo a pedir donativos aos visitantes.


FIM


terça-feira, 23 de janeiro de 2024

BARRÔ: ENSAIO PARA QUE A FESTA DE ANO NÃO ACABE (2)




Em anterior apontamento referi a dificuldade em angariar fundos para um evento, a Festa de Ano da aldeia – e que penso ser transversal -, que é cada vez mais encarado como algo desnecessário, que não faz falta nenhuma, que nem aquece nem arrefece. Mas não é assim, a festa de ano de um lugar habitado não é apenas a alegoria em si mesmo, é a identidade cultural das suas gentes, é o abraço de quem saiu menino e nesse dia regressa coxo e cheio de cabelos brancos.

Numa longa lista, podemos elencar em primeiro lugar as dificuldades económicas das famílias na actualidade.

E como entender que o Estado, através de várias licenças camarárias e outras para espectáculos, cerca de oito licenciamentos, seja cerceador de iniciativas?

Será mesmo por estes dois obstáculos principais que as romarias e outras festas populares estarão em crise?

Como se explica que na década de 1960 e seguintes, quando o número de habitantes/moradores era menor do que hoje, onde o lugar de Barrô era um dos mais pobres na freguesia de Luso, se realizavam três festas anuais: São Sebastião (esta incluía procissão), São José e Alminhas? E não se pense que as festas eram abrilhantadas com um acordeonista e pouco mais. Nada de mais errado.

Enquanto criança e adolescente, relembro muito bem de ver aqui actuar os “Yankes”, o “Amadeu Mota”, os “Pavões”, os “Perus” e até o “Pop Men”. Bandas que eram o top na altura.

É bom recordar que os arraiais eram feitos na via pública – hoje existe na aldeia uma das melhores associações recreativas no concelho, que, desconhecendo-se quem manda nela, não funciona há vários anos.

Na altura, o Domingo da festa era o melhor dia do ano. Era ver os abastados com o seu desempoeirado fato domingueiro e chapéu na cabeça e os mais necessitados com as calças e camisas remendadas nos sovacos no Largo da Capela, colocando de lado os desentendimentos, de rostos abertos e felizes.

A seguir ao Dia de Páscoa, o Dia de São Sebastião, em Janeiro, em Barrô, era o prenúncio da paz na família para todo o ano que se iniciava. Os familiares, que moravam nas redondezas, vindos montados nas suas bicicletas, eram os convidados de honra.

Independentemente da classe, para além de galinhas e coelhos, quase todos matavam uma ovelha ou cabra para fazer chanfana, que era assada nos fornos a lenha situados na parte traseira da habitação. Nestes dias, como perfume a anunciar a vinda de um tempo novo, com os fios ondulantes de fumo a saírem das chaminés, o cheiro a carne assada invadindo tudo em redor, transformava a paisagem em quadro edílico.

Como escrevi ontem, pode até pensar-se que, no pior dos cenários, desaparece a parte profana (vinda de artistas e grupos de baile) mas mantém-se a religiosa. Como defendi, nada de mais falacioso. Se morrer uma, inevitavelmente, a outra entra em coma… A menos que que sejam alterados os métodos de licenciamento e planeamento na logística.

Por outras palavras, se não houver uma reviravolta no pensamento comum, sensibilizando todos para um bairrismo saudável e apelando uma maior generosidade, se não se transformar a sua organização em algo mais sustentável, o mais provável é morrer de vez.

Naturalmente, por parte dos mordomos nomeados não se pode arriscar investir cinco ou dez mil euros e, se o tempo for chuvoso, ficarem com uma dívida às costas, sem rede e sem suporte financeiro.

Por isso mesmo, embora pareça despiciente, é preciso parar e pensar o que queremos. Se queremos mesmo continuar, é preciso não continuar a assobiar para o lado. E que todos se entreguem à causa com honestidade e responsabilidade, de alma e coração.

Não se pode continuar a fingir que a feitura de um evento cultural é apenas para os outros. Os que realizam, assumindo a responsabilidade, devem entregar-se com empenho. Os que assistem tem o dever de comparticipar nos custos e, acima de tudo, comparecerem, para mostrar que estão ao lado de quem faz.


(CONTINUA AMANHÃ) 

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

BARRÔ: ENSAIO PARA QUE A FESTA DE ANO NÃO ACABE (1)




Para os que seguem o que escrevo, na semana passada, publiquei várias crónicas sobre as festividades em honra de São Sebastião, o padroeiro da aldeia de Barrô, que se comemorou ontem, 21 de Janeiro.

Através de um ou outro texto mais sério e outros, a maioria, em maneira mordaz (que morde, sarcástico), fui dando conta do evoluir da situação, como quem diz, se iria haver ou não festa religiosa - e já agora que chamo à colação o estilo em jeito de brincadeira, aproveito para pedir desculpa a alguém que se sentisse ofendido.

Praticamente, só nos últimos dias se chegou à conclusão que, em virtude de alguns donativos de maior vulto, seria possível realizar a missa e em seguida a procissão solene.

Relembro que, pelos usos e costumes, esta alegoria divide-se em duas faces: a sagrada e a profana.

A sagrada, constituída pela missa e procissão, tal como o nome indica, destina-se essencialmente aos crentes - para expressarem a sua fé enquanto alimento espiritual - e também àqueles que pretendem pagar promessas ao santo que fizeram durante o ano antecedente, depois de ver os seus desejos realizados.

A parte profana é constituída por pequenos vícios que visam servir o corpo físico com coisas que a igreja poderá não aprovar, isto é, tudo o que é alheio à religião.

Exemplos de profanação: um ou vários eventos com música, com artistas de nomeada ou banda de baile, ou outro teor artístico variado.

De salientar, ainda que opostos, os conceitos sagrado e profano estão ligados entre si como irmãos siameses. Só haverá crescimento de uma se a outra se desenvolver em harmonia. Se uma morrer, inevitavelmente, a outra desaparece em seguida.

Por outras palavras, se não se realizar a festa sagrada, ou se for perdendo importância, proporcionalmente vão decaindo os fiéis e a heresia vai crescendo nas comunidades. Por outro lado, a importância da imagem santífica na hagiografia (estudo da biografia dos santos) vai caindo na acreditação católica e, levando à descrença popular e falta de apelo, este protector, a médio prazo, pode desaparecer.

Não se fazendo as festividades anualmente as portas das casas da aldeia não se abrirão e cada vez mais as pessoas se tornarão vizinhos mais individualistas e solitários. Não virão os nascidos na terra e a residir e a trabalhar noutras cidades portuguesas. E muito menos os distribuídos na diáspora, os dispersados pelo mundo fora.

Estas celebrações pagãs são, sobretudo, um motivo para convívio anual e encontro de gerações.

Mas sabendo que a colectividade se mostra progressivamente mais desinteressada da memória e tradições populares, e, por outro lado, a sua contribuição pecuniária é cada vez mais insignificante – testemunhei um residente contribuir com uma moeda -, como se poderão fazer omeletas sem ovos?


(CONTINUA AMANHÃ)

 

domingo, 21 de janeiro de 2024

BARRÔ: NOTÍCIAS BREVES

 


* Com a Capela cheiinha até à rua – o que também não é muito difícil já que é pequena -, com início às 15h00 e durante mais de uma hora, o pároco celebrante da missa em honra de São Sebastião entusiasmou-se nos conceitos bíblicos e, com simplicidade e simpatia, com um sermão estruturado em paradigmas do quotidiano, através de um convite à prática da bondade e implementação do perdão, tentou apelar à conversão dos fiéis mais tresmalhados.

Já passava das quatro horas quando os quatro andores, entre eles o do padroeiro, transpuseram o átrio e em direcção ao Largo.

Foi bonito de ver a imagem de São Sebastião, no púlpito do andor todo engalanado com flores naturais de várias cores, ao ombro de quatro voluntários. Deu para perceber que o protector contra a fome e a guerra estava contente. Sem preconceitos, de cabeça erguida, olhos fixos no firmamento, tresandava a orgulho e solenidade.

Abrilhantada por uma mini-banda filarmónica, reunida à pressa, de Vila Nova de Monsarros e, alegadamente, por professores de uma escola de música de Coimbra – que, a propósito, desempenharam muito bem o seu papel artístico -, a Procissão, em passo cadenciado, muito bem dirigida por Edite Pedro, zeladora da Capela, percorreu toda a aldeia.

A fazer relembrar outros tempos de antanho tão presentes na nossa memória, o estralejar constante de foguetes ecoou no Céu que cobre Barrô.

Foi bonita a festa, pá!


* Na última Sexta-feira, António Pita, chefe de Divisão (DAS), engenheiro na Câmara Municipal da Mealhada, acompanhado de um técnico andaram a fazer o levantamento topográfico dos terrenos confinantes à represa pública situada na Ribeira do Salgueiral, junto ao moinho de água, em Barrô.

O objectivo deste estudo orográfico visa complementar a intenção de ali construir uma praia fluvial. Relembro que esta promessa consta do caderno de encargos das propostas eleitorais do Movimento Independente Mais e Melhor, liderado por António Jorge Franco, e que ganhou as eleições autárquicas em 2021.


* Na última Sexta-feira, por iniciativa da Junta de Freguesia de Luso, praticamente todas as ruas e ruelas da aldeia foram varridas, algumas lavadas e noutras foram arrancadas as ervas das bermas. Durante a tarde, um camião cisterna dos Bombeiros Voluntários da Mealhada, com agulheta de alta-pressão, onde chegaram, deixaram um ar limpo.

Embora parecesse que um ministro viria de visita à povoação neste fim-de-semana, como já adivinhámos, foi por causa da festa religiosa em honra de São Sebastião.

Foi bonito de ver, pá!




BARRÔ: ENSAIO PARA UMA SAÍDA AIROSA

 




O relógio na torre sineira da Capela de Barrô está prestes a martelar as doze badaladas e anunciar o meio-dia de um dia soalheiro que promete aquecer qualquer osso, até de imagem de santo.

A porta da capela está encerrada. Paro e sento-me no patim da entrada. Ponho-me a pensar que hoje, Dia de São Sebastião – o meu amigo Sebastião, como o trato em longas conversas mudas -, a pequena catedral deveria estar de portas escancaradas. Não é por nada mas é muito natural que o Sebastião se sinta como preso no presídio. Sim porque, durante um ano, só vê a luz do dia quando há missa – e na procissão da Festa de Ano, se houver. Hoje vai haver.

Como já escrevi anteriormente, o meu amigo, por estes dias, tem andado com a psico às voltas. Por outras palavras, muito deprimido, coitadinho. Sobretudo quando anunciaram só missa e sem procissão para o dia do seu aniversário – que foi ontem, mas isso não interessa nada. É preciso é que se lembrem, sem esquecer, a pobre alma.

Mas ontem, quando se soube que iria haver mesmo procissão, o meu fiel já parecia outro.

Dizia eu então que, parando e sentando-me no patim do pequeno adro, comecei a ouvir uns ruídos esquisitos, uns murmúrios do lado de dentro da pequena ermida. Não eram barulhos inquietantes, nada disso. Era mais para o adocicado. Eram mais ou menos assim: “estes ficam-me bem. Gosto mais da cor daquele”…

Ó pá, vão-me desculpar, bem sei que é feio, muito feio espreitar pelo buraco da fechadura, mas não resisti ao chamamento da curiosidade.

Rodeados por vários andores todos engalanados por flores naturais – um mimo, sim senhor!- junto ao altar-mor, estavam várias imagens a ensaiar roupa. Mas atenção, não era uma roupita qualquer da marca “el cigano”. Nada disso, tudo marcas de grande qualidade, “Lacoste”, por exemplo, mas original, que de modas percebo eu. Fiquei levemente indignado. Estas imagens santíficas levam à letra o comportamento papal. Não é admirar se os sapatos forem da marca “pravda”.

Mas isso vá que não vá. O que me fez saltar a tampa – ou seja, não saltou por respeito ao meu amigo do peito – foi ver a imagem de Nossa Senhora de Fátima em trajes menores, também a vestir e despir roupa. Francamente! É preciso ter lata, digo eu, uma Senhora daquela idade, e naqueles preparos! Pouca vergonhice, é o que é!

Acabei por perceber a razão da porta da capela estar encerrada – para não mostrar poucas-vergonhas.


sábado, 20 de janeiro de 2024

BARRÔ: AFINAL, AMANHÃ, SEMPRE HÁ FESTA RELIGIOSA




Antes de escrever o que me levou a pegar na folha branca, gostaria de tranquilizar as centenas de amigos que desde ontem, logo que coloquei a crónica no ar, inquietadíssimos com a saúde de São Sebastião, não pararam de me telefonar para saber o estado físico e anímico da santidade. Só para exemplificar, não consegui pregar olho. Estou como umas olheiras mais sombrias que um silvado no ribeiro.

Logo de manhã, pouco mais do que o romper da aurora, fui ao Largo da Capela. Pé-ante-pé, para não acordar o Sebastião – pela nossa longa amizade, é assim mesmo que o trato -, cheguei perto da porta encerrada do pequeno templo e encostei o meu ouvido direito à madeira. Para meu alarme, comecei a ouvir a voz do padroeiro: “ai… ai… ai. Deixem-me, não me atormentem mais. Ai...ai!

Comecei a ser invadido por suores frios. Querem ver que o Sebastião luta com espíritos malignos, ou, quem sabe, está a pôr termo à sua vida de “não fazer nada”, e ser reconhecido por isso? Relembro que ontem escrevi aqui que o meu amigo estava mais em baixo que as pedras da calçada. Completamente desmoralizado, repetia que as pessoas à sua volta eram egoístas, só lhe pediam, pediam, favores, sem se preocuparem minimamente com o seu estado de alma. Sim, porque imagem de santo, para além de sofrer como nós, também terá alma. Pode é ser de outra cor, como quem diz, talvez branca.

Está de ver como fiquei. A agonia começou a tomar conta de mim.

Voltei a ouvir a sua voz ofegante e trémula: “ai… ai… ai. Por amor de Deus, não me toquem mais. Não aguento mais… ai...ai...

Mau, mau. Não estava nada a gostar do que ouvia. Mas uma coisa parecia certa, aquilo não eram gemidos aflição.

Foi então que espreitei pelo buraco da fechadura e fiquei a perceber quase tudo. Duas senhoras zeladoras da capela ocupavam-se em limpar o corpo do Sebastião. No chão de mosaico, dois baldes com esfregona dentro indicavam que iria haver mesmo festa grossa na capelinha e redondezas.

Olhando à volta, um bocado envergonhado pela minha cusquice, não fosse apanhado em falso, fiquei mais tranquilo. O meu amigo já não chorava, dava gritos de contentamento: “ai… ai… Tenho cócegas!”

Tinha de, imediatamente, tentar saber o que se passava. Sim, porque alguma coisa aconteceu para o meu amigo Sebastião, de ontem para hoje, ter mudado da chuva copiosa para um Sol radiante.


AFINAL, AMANHÃ, VAI HAVER PROCISSÃO


Consumido pela curiosidade, fui a casa, enfiei o meu colete de “freelancer” (trabalhador independente), peguei no meu gravador e na minha velha máquina fotográfica, e voltei à rua.

Tive sorte, muita sorte. Primeiro, por dar de caras com uma fonte idónea e credível. Segundo, por, embora na condição de anónimo, estar na disposição de falar. Ainda não contei, mas aqui, na aldeia, é muito difícil encontrar alguém que fale seja sobre o que for. Talvez seja medo de se exporem, sei lá! A verdade é que o meu futuro como "jornalista" tem os dias contados – e não é pela crise da imprensa em papel. O meu papel na informação é que está em crise.

Bom, contava eu que encontrei a tão desejada informação. Afinal, amanhã, Domingo, Dia da Festa do meu amigo Sebastião, para além da sagrada missinha, às 15h00, logo de seguida vai realizar-se a popular procissão. E mais: a abrilhantar os dois eventos, com música de anjos, teremos uma orquestra vinda de Vila Nova de Monsarros.

Segundo a minha fonte, foi tudo resolvido ontem, em cima da hora, em cima do joelho, como sói dizer-se.

Até antes de ontem não havia pilim para fazer cantar um cego. “Os residentes são pouco generosos para se poder fazer festas”, enfatizou o meu informador anónimo.

Tivemos sorte, por que ontem encontrámos um emigrante, o… não sei se conheces… que nos deu uma maquiazinha jeitosa. Depois mais uma nota de aqui e outra acolá. Contámos a massa e vimos que já dava para fazer arruada durante a manhã e procissão, no Domingo. E até fomos comprar uma dúzia de foguetes!

Fiquei então a compreender a completa mudança do meu amigo Sebastião.

Ainda bem. Sem ressentimentos. Estamos todos de parabéns.


CRÓNICAS RELACCIONADAS


"Barrô: Barulhos ao virar da esquina numa Sexta-feira"

"Barrô: Um comentário recebido sobre a alegoria de São Sebastião"

 

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

BARRÔ: BARULHOS AO VIRAR DA ESQUINA NUMA SEXTA-FEIRA

 



Como há muito não se via, nesta Sexta-feira, desde o raiar da aurora, Barrô esteve todo em estranho alvoroço, como há muito já se não via.

Logo de manhã, vieram vários funcionários da Junta de Freguesia com uma camioneta de caixa-aberta e em cima uma máquina de rasto. Com os seus coletes reflectores, como um pequeno pelotão em busca de um renegado invasor, o grupo dividiu-se pelas artérias da aldeia. Uns levavam máquinas de cortar erva a tiracolo, outros vassouras, enxadas e pás. Com voz de comando anteriormente comunicada, ali o inimigo a abater eram as ervas rastejantes e algumas elevadas e presas nos muros de pedra das bermas dos caminhos.

Durante a tarde, veio um camião-cisterna dos Bombeiros da Mealhada com homens, e, estes, mandando deslocar os pachorrentos automóveis do seu letárgico e pacífico estacionamento de fim-de-semana, com uma longa agulheta de alta-pressão para pôr o alcatrão a brilhar, impondo as ordens com voz grossa e rasgada de comando, puseram o pessoal barrosense em sentido.

Perante tanto ensurdecedor barulho, as cabras, em berros lancinantes, protestaram com veemência, as ovelhas, olhando com desdém o que se passava à volta mugiam a bom mugir, as galinhas, alvoraçadas, fazendo desta sexta-feira um dia negro, não puseram ovos como habitualmente.

Quem viesse de fora e visse a inusitada faxina, mais que certo, pensaria que viria um ministro em visita à povoação, mesmo de governo em gestão, e promessas de partidos candidatos em banho-maria.

Mas o motivo de tanto empenho não era nada disso.

Um insólito e profundo matraquear vindo da capela, mesmo lá de dentro, como se viesse das profundezas da terra, fazia parar os poucos transeuntes que trocavam as voltas a mais um dia de calendário gregoriano. Um ou outro, surpreendido pelo ribombar de trovoada, mais fiel e seguidor dos destinos da vontade divina, pensando ser um milagre de santo, durante largos minutos, ajoelhava no frio negro da calçada e cruzava o braço em sinal da cruz. Outros, mais desligados do santificado, assim, como hei-de dizer, católicos a tempo parcial, que só recorrem ao auxílio de São Sebastião quando estão em extrema aflição, passavam ao largo, pouco se importando se o Padroeiro contra a fome, peste e contra a guerra, e protector da povoação, por acaso estaria em padecimento. Sim, porque Santo, como humano que já foi, também sente e sofre na pele o desprezo a que é votado.

Santo, como é mais que óbvio, alimenta-se essencial e especificamente do espiritual. Mas se aqui, neste lugar habitado, poucas pessoas rezam com verdadeiro fervor no silêncio epicural, como pode aguentar-se o apóstolo do Criador? Imagine-se que a imagem para sobreviver e manter-se na capela firme e hirto, comia como todos nós. Quem se dignava dar-lhe uma côdea?

Ninguém se admire se, a curto prazo e já que estamos a entrar em campanha eleitoral, houver manifestações públicas da Esquerda à Direita, acusando-se uns e outros de discriminação, abuso e exploração para com as imagens veneradas em todas as igrejas e capelinhas.

Em boa verdade, esta defesa dos direitos sociais e económicos de todos os trabalhadores para a fé até deveria ser feita pela classe episcopal, desde padres a bispos, passando pelos cardeais, deveriam deixar cair a sotaina que esconde os abusos.

Até podem rir-se e chamarem-me bacoco, pouco me importa. Mas uma coisa é certa, São Sebastião nasceu em França. Ainda jovem mudou-se para Milão, Itália. Tornou-se soldado e preferido pelo imperador Diocleciano, que o nomeou comandante da Guarda Pretoriana. Não vou adiantar muito mais, até por que o resto da sua história de vida é por demais conhecida, mas sabe-se que veio para Portugal por ter sido maltratado no país transalpino. Em suma, é mais um refugiado, um imigrante (com “i”, como agora se diz) entre nós em busca de uma dignidade perdida.


FUI FALAR COM O SANTO


Ainda não disse isto aqui: sou unha com carne com o meu amigo São Sebastião – Sebastião, simplesmente como eu o trato, e ele a mim chama-me “Toino”.

A nossa amizade – que não tem nada a ver com esta do Facebook – começou há cerca de quatro anos, quando vim viver definitivamente para cá.

O que mais o prendeu a mim foi a minha sinceridade. Logo nas primeiras conversas coloquei logo os pontos nos “is”. Ele não me tentava convencer que fazia milagres – até porque eu não ia acreditar – e eu também não o induzia para ele crer nas minhas verborreias. Até por que nem era preciso dizer.

Como moro a a escassos metros da capela – e também por que a zoada me incomodava -, dei por mim a sobrepor o patim e a bater com estrépito na porta de madeira da velha e popular ermida. Mal entrei, fui logo envolvido pelo o intenso perfume a depressão. Nem sei bem explicar, era assim uma mistura entre folhas de eucalipto, mirra e urtigas refogadas.

Encontrei o Sebastião de rastos, coitadinho. Palavra de honra, jamais o vira assim, com tamanho ar de enjoo. Tinha descido do plinto (a base onde assenta os pés) e, sentado na posição de Rodin (o Pensador), com a cabeça sobre as pernas, parecia uma galinha choca. Mas o que mais me impressionou foi ter entre as mãos a corda que anteriormente o amarrava ao troco de árvore. Temi mesmo o pior.

Dando-lhe um apertado abraço, e misturado com lamurias de grande amigo, grande amigo, conta-me o que te provoca esse negrume solitário nesse bondoso coração.

E a imagem de santo blasfemou, blasfemou, chorou, chorou, falou, falou, e nunca mais se calou:

Em Setembro passado, alegadamente, foram retirados pela Junta de Freguesia de Luso para serem restaurados os dois bancos que havia aqui junto à entrada, onde os velhinhos, como tu, se sentavam ao cair da tarde, quando o Sol se escondia no horizonte. E até hoje não foram devolvidos. Saberás lá tu, “Toino”, a tristeza que me atormenta? Bem sei que sou um lamechas, “Toino”, mas que queres?

E agora fazem-me mais esta… Isto é mesmo para me derrubar. Não aguento tanta falta de consideração. Já não há mesmo respeito pelos velhinhos. Porra!

Então a festa em minha honra, que seria comemorada no próximo Domingo, 21 de Janeiro, só merece uma missa? Uma missa? É só mesmo isto que eu mereço?

Nem ao menos uma procissãozinha? Estou farto...”


TEXTO RELACCIONADO

"Barrô: Um comentário recebido sobre..."


terça-feira, 16 de janeiro de 2024

VEM AÍ UMA REVOLUÇÃO NO LICENCIAMENTO DE OBRAS

 




Entra em vigor no próximo 4 de Março o novo “Simplex” que promete revolucionar as obras feitas em casa.

Desde o desnecessário licenciamento para aumentar o número de pisos sem alterações de fachada, pelo desaparecimento da malfadada Licença de Utilização, até ao fim de em projectos de habitação de raiz deixar de ser obrigatório a implantação de bidés em casas de banho. A partir dessa data, a decisão de ter ou não o popular “lava-cus”, naturalmente, passa a ser opcional.


(Veja aqui a publicação em Diário da República)



segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

REUNIÃO DA CMMEALHADA: “MELHORIAS CONTÍNUAS”

 

(imagem de arquivo)



Hoje realizou-se a Reunião da Câmara Municipal de Mealhada. A determinada altura aquando da discussão de “Melhorias Contínuas” nos serviços municipais, invocada por António Franco, Presidente da autarquia, o vereador José Carlos Calhoa, em representação do Partido Socialista, afirmou que tinha lido, na diagonal, uma lei que iria tornar a Licença de Utilização desnecessária para qualquer edificação urbana.

O que o vereador da oposição referia é a Lei n.º50/2023 de 28 de Agosto.

No caso, trata-se uma Lei de Autorização do Parlamento que autoriza o Governo a proceder à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo e ordenamento do território.

A presente autorização legislativa tem a duração de 180 dias e visa rever, entre outros, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), a Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, por forma, nomeadamente, a:


(Continuar a ler clicando em cima desta frase)


O QUE É ISSO DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA?


Uma autorização legislativa é uma espécie de cheque passado ao Governo, com data de emissão e caducidade, para poder mexer numa determinada matéria que é da estrita responsabilidade da Assembleia da República.

O Governo, em Conselho de Ministros, por sua iniciativa, pode legislar (Decretos-Lei) em assuntos do quotidiano, que não fira Direitos, Liberdades e Garantias, visando a simplificação da vida do cidadão.

No caso desta Lei de Autorização, como é de 180 dias – que caduca em 28 de Fevereiro – é de supor que, pelo facto do Governo se encontrar em Gestão até Março, não vá avançar.

POST SCRIPTUM: Por desconhecimento e alertado pou membros desta página, não referi que a subsequente via legislativa referente a esta autorização parlamentar, e que deu origem ao Decreto-lei 10/2024, de 8 de Janeiro, entra em vigor em 4 de Março do corrente ano. No caso, trata-se de um "Simplex" que vem revolucionar, no sentido de facilitar os procedimentos administrativos. Aos leitores as minhas desculpas pelo lapso.

(Para ler a publicação em Diário da República, clique em cima)

REUNIÃO DA CMMEALHADA: O CASO DO DIA

 

(Imagem de arquivo)




EXECUTIVO ANULA DELIBERAÇÃO


1 - Num acto algo insólito, hoje, em Reunião de Câmara Municipal, o Executivo Mealhadense, liderado por António Jorge Franco, em proposta aprovada sem a sua presença na sala, anulou uma deliberação autenticada em 10 de Julho de 2023.

Inscrita nos trabalhos municipais de hoje, o ponto da Ordem foi o número “14 - Proposta ao Executivo n.º 07/2024 - Atualização do valor da quota da Associação Rota da Bairrada” - “Criada em Novembro de 2006, a Associação Rota da Bairrada, é uma associação de carácter regional, constituída sem fins lucrativos, que tem como objetivo a dinamização, promoção e valorização da atividade vitivinícola da Bairrada, e atividades afins, enquanto produtos turísticos e culturais da região”. Para além da Mealhada, fazem parte desta associação os municípios de Anadia, Águeda, Aveiro, Cantanhede, Coimbra, Oliveira do Bairro Vagos. E ainda a Comissão Vitivinícola da Bairrada e o Turismo Centro de Portugal.


2 – O caso conta-se em duas penadas: em Reunião de Câmara realizada em 10-7-2023, tutelada na acta com data deste dia, “6. PROPOSTA AO EXECUTIVO N.º 64/2023 - PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DAS QUOTAS DA ASSOCIAÇÃO ROTA DA BAIRRADA”, foi aprovada por unanimidade o aumento de 2,500.00 € para 7,500.00 euros. De salientar que, embora proporcional à grandeza dos compartes, o aumento proposto pela Rota da Bairrada coube a todos os associados.

(Consulte aqui a acta camarária, clicando em cima)

A este propósito de aumento, interveio Filomena Pinheiro, Vice-presidente da autarquia: “(…) Disse que o aumento da quota é significativo, mas é uma necessidade, mencionando que se o Concelho não beneficia mais das ações de promoção e divulgação institucional é porque têm um projeto que têm que defender. A Senhora Vice-Presidente disse que a Rota da Bairrada serve de exemplo à maior parte das CBR tanto dentro da região como fora e deve ser defendida e apoiada por quem a criou. (…)

Interveio também Rui Marqueiro, agora vereador e ex-presidente da edilidade: “disse estranhar que se peça um aumento de quotas, no caso da Mealhada de 200%, quando nos anos de 2021 e 2022 a Rota apresentou resultados positivos, referindo que eventualmente uma gestão mais cuidadosa evitasse um aumento tão grande. Disse ainda já ter sido membro da direção e reconhece que houve um período em que as coisas não andaram tão bem, tendo por duas vezes recusado comparecer nas reuniões de aprovação das contas, pelo que daria o benefício da dúvida e votaria favoravelmente, uma vez que a situação está a ser acompanhada pela Senhora Vice-Presidente.


3 - Embora não sendo muito claro, António Franco, foi dizendo que pelo facto de ser cunhado do presidente da Associação Rota da Bairrada, Pedro Soares – que é também presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada -, alguém, sem especificar, fez uma participação no Ministério Público, alegadamente, denunciando conflito de interesses.

Pelo que foi entendido nas palavras do Presidente da Câmara Municipal, o Ministério Público propôs que, para não levar o caso a julgamento, desde que a deliberação fosse anulada em sede de vereação, deixaria cair a queixa e esta extinguir-se-ia.


O FANTASMA DO CONFLITO DE INTERESSES


Franco, lamentando o actual clima de suspeição que ensombra todos os municípios portugueses (e não só), na desconfiança instalada de que há sempre alguém que tenta descortinar relações familiares que vão redundar em benefício inexplicável, ou enriquecimento sem causa.

Para além disso, declarou que o seu cunhado nem sequer era remunerado pelas funções que desempenha.

Ainda que não, ou talvez que sim, ou antes pelo contrário, o vereador em substituição Luís Tovim, no ponto seguinte onde parecia haver interesses não declarados, saiu da sala. Não fosse o Diabo tecê-las!

domingo, 14 de janeiro de 2024

BARRÔ: UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE A ALEGORIA DE SÃO SEBASTIÃO




Realmente é verdade. São mordomos e ficam de fora.”

(Comentário recebido)


Meu caro, para mim, a nomeação para mordomo das festas de São Sebastião, que decorrem anualmente em 20 de Janeiro em Barrô, implica assumir uma responsabilidade. Ou seja, o grupo nomeado deve chamar a si o encargo de realizar as festividades sacro-santas (Missa e Procissão) e profanas (bailarico com um grupo musical, e outras iniciativas que elevem a povoação ao mesmo nível das vizinhas). Contudo, isto não quer dizer que se façam os festejos sem um obrigatório plano financeiro atempado.

Acontece que o grupo nomeado (5 residentes, incluindo a minha pessoa) começou a ser instigado a reunir por mim logo em Fevereiro de 2023, para se encontrar e planificar as iniciativas como, por exemplo, almoços no Pavilhão local, venda de bens em leilão, rifas para um sorteio, torneio de sueca, entre outros. A resposta dada foi "sim, temos de reunir".

Por volta de Maio, voltei a sensibilizar alguns elementos do grupo para a necessidade de nos encontrarmos. Numa espécie de encolher de ombros, foi dada a mesma resposta.

Gostaria de relembrar que para as Festas de Nossa Senhora da Natividade, no Luso, e cujo um dos mordomos das festas burriqueiras era, simultaneamente, também um dos nomeados em Barrô, foram feitos vários eventos de angariação de fundos, tais como, uma primeira porta-a-porta, por volta de Março e, nos meses seguintes, seguidos de um almoço na Associação Recreativa de Várzeas e mais dois no Clube Recreativo de Barrô.

Por esta altura dos peditórios em Barrô, alertei que estava a haver uma preocupação excessiva com as festas de Luso e pouca atenção aos festejos de Barrô. Como quem diz, estava a faltar um pouco de orgulho bairrista com a nossa terra.

Volta e meia, continuei a alertar para a necessidade de reunir com urgência para se saber com o que se podia contar. Aos meus apelos insistentes foram feitos ouvidos de marcador.

Em finais de Setembro foi feita a primeira reunião. Nesse encontro, fui confrontado taxativamente que, por não haver tempo para captar fundos e não se saber com o que se poderia contar, só iria haver Procissão e nada de outras alegorias. Foi afirmado por quatro elementos, em coro, “de que, pessoalmente, não estavam em condições de poderem financiar a Festa de São Sebastião”. Foi acrescentado que só para efectuar a Procissão, com banda filarmónica, andaria próximo dos mil euros – e na altura ainda não havia um cêntimo disponível.

Adiantei que o facto de se fazer tão pouco pela festa do padroeiro do lugar constituiria uma vergonha para os envolvidos -incluindo a minha pessoa.

Alvitrei realizar um torneio de Sueca para tentar financiar o evento. E disse ainda que, em troca e para compensar, para não deixar cair a festividade, com tempo, poderíamos fazer uma Festa do Emigrante, em Agosto de 2024, na via pública, com uma banda musical – como já se fez em Barrô, outrora.

Ficou acertado que um dos responsáveis iria falar com o senhor padre na semana seguinte.

Foi dito também que, como estávamos nos últimos dias de Setembro, um dos elementos iria duas semanas para o Luxemburgo e que quando regressasse nos primeiros dias de Outubro, impreterivelmente, se faria uma reunião conjunta para debater o assunto.

Veio Outubro e consequente Novembro e, sobre a reunião prometida, nada.

Nos últimos de Novembro encontrei o membro que prometera o encontro e, depois de confrontado pela falta de palavra, disse-lhe peremptoriamente que, pelo desligamento manifestado, eu estava fora. Reiterei também que assumi fazer parte da mordomia porque acreditei na vontade de fazer acontecer dos envolvidos.

Mas adiantei que quando se fizesse o prometido encontro iria estar presente para, olhos-nos-olhos, dizer o que pensava. 

Não fui convidado para mais qualquer encontro. 

domingo, 7 de janeiro de 2024

BARRÔ RECEBEU O CANTAR DAS JANEIRAS

 




Precisamente ao bater das 10h30, vozes afinadas do Grupo Regional da Pampilhosa do Botão saíam harmoniosamente de supetão pela porta de entrada da capela de Barrô, como quisessem libertar-se do espaço exíguo das quatro paredes e invadir todo o espaço envolvente. Promovido pela Junta de Freguesia de Luso, Câmara Municipal de Mealhada e outros patrocinadores foi um evento a repetir.

O público, essencialmente constituído pela classe alta, mais exactamente treze pessoas, menos do que os cantantes romeiros pampilhosenses. Marcaram presença o senhor Regedor, o senhor Juiz da Festa, o senhor Procurador, a senhora Ministra para os Assuntos Eclesiásticos e respectivos assistentes da função, o senhor Ministro Regional da Cultura, o senhor Ministro Local dos Assuntos Geriátricos e Gerontologia, e os restantes eram Fidalgos.

Fosse por alguma geada estendida nos telhados sobranceiros, ou não, a verdade é que o espectáculo não cativou de todo o povo do território barrosense.

Por entre as várias canções apresentadas no concerto, ouviram-se muitas palmas.

Todos os presentes mostravam estar felizes.

Todos, como quem diz, salvo seja. O padroeiro São Sebastião, atrás do grupo popular, olhava o Céu com manifesto sofrimento de mártir.

Mesmo tentando, não consegui retirar-lhe uma declaração e chegar a falas com a santidade. Olhava para cima, com os olhos presos no tecto de madeiramento do templo. Deu-me pena aquele ar de sofrido, coitado. Parecia estar mesmo deprimido.

O que seria que apoquentava o martirizado?


E COMO FOI NO LUSO?


Com João Silva, secretário da Junta de Freguesia de Luso, a fazer de contra-mestre na apresentação dos grupos de Cavaquinhos da Associação Salatina, de Coimbra, e do Grupo Regional da Pampilhosa do Botão, respectivamente com actuações, por volta das onze horas e o meio-dia, perto da Igreja Matriz, dentro do Mercado e junto ao Restaurante “O Cesteiro”, os certames também não cativaram os lusenses para ovacionar quem se esforçou por dar animação à Vila.

Quem não parava de reclamar, mas com vincada veemência, foi um enorme bando de passarinhos: então vieram acordar-nos com as violas e o rufar dos tambores para não haver público nenhum? Está certo isto?

É de aconselhar a Junta de Freguesia, para o ano, que estes espectáculos sejam acompanhados de pequeno-almoço para quem se dignar aparecer e bater palmas aos músicos etnográficos.


FALECEU O TOZÉ, O PASTOR AGREGADOR DO BLOCO DE ESQUERDA/COIMBRA

 






Fiquei a saber, hoje pelo Diário de Coimbra, que faleceu o António José André, mais conhecido em toda a Baixa de Coimbra por “Tozé”.

Durante muito tempo acompanhei de perto a militância activa do Bloco de Esquerda em Coimbra. Fui uma espécie de prosélito (aquele que abraça uma religião diferente da sua), ou seja, ideologicamente considerando-me liberal, comprava à peça as actividades do partido na cidade, isto é, se concordava com o tema da reunião, fosse sobre economia, política e sociedade, estava lá para escrever e aprender em longas conversas, sobretudo, no Café Santa Cruz.

Como tinha uma loja na Baixa da cidade, antes da realização dos eventos, era certo e sabido que iria ter a visita do “Tozé” André a convidar-me. Da porta de entrada da loja lançava o desafio: “Vais lá?”

Mais tarde comecei a receber os convites por SMS. O último foi no final de Dezembro. Embora há muito deixasse de participar, certamente por continuar na rede de contactos, era certo em receber uma comunicação.

O “Tozé” foi em vida, como se diz na gíria, um tipo bacano. Professor de profissão, era uma pessoa sem peneiras. Falava a toda a gente, independentemente do estatuto social. Não tenho dúvida nenhuma em afirmar que o Bloco de Esquerda/Coimbra e o movimento Cidadãos por Coimbra, tendo a importância que têm, muito devem a este militante de causas sociais. Era uma pessoa discreta e eficaz. Era o pastor que, na sombra e meticulosamente, reunia as “ovelhas” em torno de uma ideia e acontecimento promovidos por qualquer uma das agremiações políticas na cidade dos estudantes.

Era muito normal vê-lo a distribuir “flayers” na Praça 8 de Maio em horas de ponta.

Companheiro e amigo do falecido João José Cardoso – outro grande defensor de causas sociais na cidade – com mais esta perda , soma a duas o desaparecimento importantíssimo de dois relevantes activistas na meia idade.

À sua família enlutada, em meu nome e da Baixa de Coimbra, se posso escrever assim, os nossos sentimentos profundos.

Até sempre, “Tozé”. Que descanses em paz.


sábado, 6 de janeiro de 2024

A OBSTRUÇÃO

 




Mas eu não me deixei amolecer. Avisei logo: ou ajudas

no mal que me atormenta ou não vais ver um cêntimo para ajudar

a pagar a sagrada procissão que vai acontecer proximamente,

já que no que toca a festa profana, bailarico e outros que tais,

não vais ter sorte nenhuma”


Esta semana, tudo começou devagar, devagarinho com um pequeno arroto, assim como se a canalização expelisse ares de cólica abdominal em vómito anunciado. Não sei se estou a ser claro mas, em boa verdade os líquidos não corriam livremente como deveria ser.

No primeiro dia, não dei muito importância, afinal nunca tivera problemas com o encanamento. Se é certo que nunca tivera muito cuidado com as gorduras, que provocam a obstrução e o colesterol e, no limite, podem provocar o colapso, também é certo que tinha um certo uso mas não era muito velha. Isto é, visto do exterior, tudo indicava estar ali para as curvas, durante mais umas largas décadas.

O problema é que o engasgamento continuava e tudo indicava ter vindo para me complicar a vida. Se no início era um simples expelir de gazes encaracolados em bolas de sabão, com a continuação o bloqueio foi total e o cheiro pestilento a podre invadiu tudo em redor. A minha mulher, sem saber o que fazer, preocupadíssima como sói de ver, só maldizia o azar que nos calhou em sorte. Às tantas, sabe-se lá, foi bruxedo. Andam para aí tantas bruxas desencaminhadas, prontas a despejar o veneno em pessoas boas, como nós.

Comecei por vários produtos especializados. O primeiro a entornar em dose dupla, para além de provocar uma sensação de borbulhar, não deu em nada. O segundo, aparentemente melhor do que o antecedente, dando-se imediatamente por vencido, nem se dignou promover uma rebelião interior. O terceiro, sugerido como o melhor à venda no mercado, e acompanhado de banhos de água quente, rendeu-se logo e deu-se como incapaz no primeiro assalto.

Os dias iam decorrendo e eu sem ter melhoras. O cheiro a pútrido era cada vez mais notado.

Várias vezes dei por mim a pensar que os meus vizinhos chamariam a ASAE por pensar que transformei a minha casa numa destilaria clandestina.

Deitava-me a pensar em possíveis soluções milagrosas, acordava a meio da noite a transpirar de ansiedade, e, para além de umas profundas olheiras negras, levantava-me sem alento. Comecei a dar por certo que isto era mesmo mau-olhado, ou, se calhar, o pagamento antecipado pelos muitos pecados que pratiquei e descrença no sagrado.

Ao terceiro dia a situação estava simplesmente caótica e sem controlo. À minha falta de paciência para tal calamidade e empestamento, soçobrava uma apatia cada vez mais instalada que me impedia de dormir. A minha mulher, perante o meu “deixa-andar”, encostando-me o dedo indicador em riste no nariz, lançou um ultimato: ou chamava um clínico para debelar a doença ou apelava ao transcendente, como quem diz, recorrer à hagiografia católica e lançar mão à bem-aventurança de um Santo.

Mas as coisas não eram tão lineares assim. Se, por um lado, corria o risco de chamar um “médico” para debelar o imbróglio e, para além de não resolver a anomalia, me levava o coiro e o cabelo, por outro, como é que ia rogar a um Santo que me ajudasse nesta aflição se, para além de não acreditar no seu poder metafísico, há muito tempo, mas muito tempo mesmo, não falava com nenhum, nem mesmo naqueles momentos mais introspectivos, de catarse? E mais: a que santo vou pedir auxílio? Aos da casa, como diz o povo, não valia pena, porque não fazem milagres.

Até que na última noite, passada em branco, inteirinha a contar carneiros, tomei uma decisão drástica e de último recurso: apesar do descrédito sentido, iria pôr em acção o poder obscuro e enigmático dos santos da casa.

Ontem, em abstração, tive uma longa conversa com São Sebastião – para quem não sabe, é o padroeiro da nossa aldeia, e cuja festa anual é no próximo dia 20. Abri o diálogo – aliás monólogo – logo a atacar. Não fosse ele pensar que, por ter sido mártir e reconhecido milagreiro e eu ser um simples humano, me metia medo. Isso é que era bom! E ainda lhe disse que não acreditava nele. Com aqueles olhos profundos e fixados em mim, a santidade parecia olhar-me com ternura, compreensão e contemporaneidade. Mas eu não me deixei amolecer. Avisei logo: ou me ajudas no mal que atormenta ou, não vais ver um cêntimo para ajudar a pagar a sagrada procissão que vai acontecer proximamente, já que no que toca a festa profana, bailarico e outros que tais, não vais ter sorte nenhuma. Levas uma homilia e um cortejo em torno da povoação, e dá-te por grande sortudo. E dei por encerrado o bate-papo.

Entretanto, lembrei-me que, num canto da minha casa, tinha uma imagem de Santo Onofre, o protector dos comerciantes, em terra cota com cerca de um metro de altura. Durante mais de uma década, aparentemente, esteve a olhar pelo meu negócio numa loja de velharias que tive em Coimbra. Ou seja, sendo franco, esta imagem fazia companhia a outras que se destinavam a venda e compunham o acervo do velho estabelecimento comercial. Como fechei o negócio no final de 2022, dei guarida a algumas peças não vendidas, uma delas foi a imagem de Santo Onofre.

Num olhos-nos-olhos, coloquei-lhe a questão friamente: aqui, a tua função de zelador comercial terminou. Para além disso, como te apercebeste, ninguém se interessou em levar-te para casa. Ora então, temos que decidir o teu futuro. Ou vais para uma ermida obscura e perdida no monte, ou vais para o desemprego, ou, no limite, não tendo lar de acolhimento, vais aumentar o índice de sem-abrigo por esse Portugal fora – e que o Marcelo, o Presidente da República, prometeu erradicar da pobreza.

Coitadinho, fixou os olhos em mim com tal tristeza que até se me deu um lancinar no lado esquerdo. Palavra de honra, arrependi-me imediatamente do que tinha proferido. Podem não acreditar mas, apesar dos meus lapsos e relapsos ao longo da minha existência, eu até tenho bom coração. Então, moderando o tom agressivo, sugeri: está bem, não te vou abandonar como se fosses um preso de longa data que, depois de libertado, não tem onde cair morto. Vais comigo para a minha residência. Mas, atenção, vais ter de trabalhar como qualquer comum mortal, que lá em casa não há pão para malandros. Vais ter de te esforçar e mostrares o que vales.

Mais uma vez, com voz grave, como naqueles momentos de grande tensão, interpelei o Onofre e ordenei: meu amigo, durante o último ano em que permaneceste como hóspede neste locado, não me apercebi de qualquer graça tua transcendental. Então, meu caro, chegou a hora de mostrares o que vales. Considera ser uma oportunidade.

E, pela enésima vez, fui tentar desentupir o cano do lavatório da cozinha. Sentia-me esperançado e com muita fé. Algo no meu interior me dizia que ia mesmo conseguir. Não é para isso que a fé complementa a nossa limitação, incompletude, e nos empurra para a frente, mesmo sem ânimo?

Repetindo o processo já anteriormente tentado, novamente enfiei a longa bicha curvilínea, mas agora ligada a um berbequim. Como cobra saracoteando na terra árida, penetrou no longo buraco escuro. E pumba! Já está! Finalmente! E a água toldada pelo cansaço, como se deslizasse na planície por entre socalcos, correu alegremente.

Num canto da minha casa uma certa imagem que simboliza a crença no divino pareceu sorrir.